O Sangue na rede: mercado menstrual, menstruapps e tecnopolíticas de resistências

AutorLarissa Maués Pelúcio
CargoUniversidade Estadual Paulista 'Júlio de Mesquita Filho'- UNESP
Páginas95-118
Direito autoral e licença de uso: Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative
Commons. Com essa licença você pode compartilhar, adaptar, para qualquer fim, desde que
atribua a autoria da obra, forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações.
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2022.e91483
9595 – 118
Direito autoral e licença de uso: Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative
Commons. Com essa licença você pode compartilhar, adaptar, para qualquer fim, desde que
atribua a autoria da obra, forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações.
O sangue na rede – mercado
menstrual, menstruapps e
tecnopolíticas de resistências
Larissa Pelúcio
Resumo
A partir da aproximação com um campo de pesquisas ainda inicial, discute-se, neste artigo, a
menstruação como um tema tecnopolítico, considerando a formação de grupos de ativismo mens-
trual em países sul-americanos e o crescente extrativismo de dados biológicos e siológicos que
ocorre por meio de aplicativos móveis para o monitoramento do ciclo menstrual. OmenstruappFlo
serve como campo experimental para essa discussão, na qual o “empoderamento” aparece como
uma espécie de termo utuante que vai do mercado ao ativismo e encontra seu limite na proposta
individualizante e neoliberal. Frente a capturas de mercado e à sedução das tecnologias digitais,
é possível produzir no Sul Global tecnopolíticas de resistência a um mercado global de extração
de dados íntimos? A resposta aportada neste artigo é otimista e toma como exemplo empírico o
projeto colombiano da Escuela de Educación Menstrual Emacipadas como espaço de resistências
do Sul Global frente às tecnologias colonizadoras do Norte.
Palavras-chave: MenstruappsFlo. Mercado menstrual. Empoderamento. Ativismo menstrual.
Tecnopolíticas de resistência.
1. Do Modess ao Menstruapp – o
sangue menstrual vende
A maioria dos artigos sobre menstruação começa apontando que a menstruação é um pro-
cesso biológico normal. Isso, é claro, é verdade. Mas, ao mesmo tempo, a menstruação é
O sangue na rede – mercado menstrual, menstruapps e tecnopolíticas de resistências | Larissa Pelúcio
96 95 – 118
muito mais para muitas pessoas; na verdade, é fundamental. A menstruação une o pessoal
e o político, o íntimo e o público, o siológico e o sociocultural. (WINKLER, 2020, p.9)1.
A menstruação, já há algumas décadas, conecta corpo e mercado,
consumo e gênero, siologia à tecnologia. Quando o absorvente higiêni-
co descartável chegou ao Brasil no início dos anos de 1930, a Johnson &
Johnson precisou estimular as potenciais consumidoras, isto é, mulheres
da incipiente classe média daqueles anos, a deixarem hábitos de higiene
considerados tradicionais para menstruarem de uma forma moderna: “ex-
perimente e se convença” (SANT’ANNA, 2015, p. 74).
Pouco a pouco, a gura da jovem menstruada e curvada por cólicas, “incomodada”, confor-
me se dizia, diferente da mulher dos outros dias do mês, tornou-se anacrônica, antiquada,
pouco higiênica. Menstruar deixou de ser um acontecimento digno de nota nos anúncios,
virou um comentário antiquado. Com os novos medicamentos e absorventes, as narrativas
sobre a menstruação ganharam uma discrição antes desconhecida. (SANT’ANNA, 2015, p.
80-81).
Produziram-se, assim, por meio de insumos especícos para a cha-
mada saúde da mulher, outras formas de gerenciar socialmente processos
siológicos. Tecnologias de higiene menstrual eram associadas ao autocui-
dado e este ao perl da mulher moderna, aquela que sangrava em silêncio
e sem manchas.
Como resgata Karina Felitti (2016, p. 178, nota de rodapé 3),
A mediados delsiglo XX, para captar al público consumidor joven, las empresas comen-
zaron a crear sus propias oficinas educativas. En 1946, Kimberly-Clark, fabricante de
Kotex, se unió a Disney para lanzarel corto animado La historia de lamenstruación (The
historyofmenstruation). Este audiovisual ibaacompañado de unpequeño libro que teníael
formato de undiario íntimo, conel título Muypersonalmentetuyo (Verypersonallyyours).
Algunasinvestigacionesafirman que esta película fue utilizada enlos Estados Unidos duran-
te 35 años y vista por alrededor de 105 millones de niñas y jóvenes (Luker, 2007:85-91). En
este corto se dice que lamenstruación no es una enfermedad; se aconsejabañarse y estar ac-
tiva, descartan do movimientos bruscos. El modelo de feminidad al que apela se basaenla
1 No original: “Most articles on menstruation start by pointing out that menstruation is a normal biological
process. This, of course, is true. But at the same time, menstruation is so much more for many people; in fact,
it is fundamental. Menstruation unites the personal and the political, the intimate and the public, and the
physiological and the socio-cultural”.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT