Santa maria da vitória - Vara crime, júri, execuções penais, infância e juventude

Data de publicação27 Maio 2022
Gazette Issue3106
SectionCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
VARA CRIMINAL DE SANTA MARIA DA VITÓRIA
SENTENÇA

0002732-32.2012.8.05.0223 Ação Penal - Procedimento Ordinário
Jurisdição: Santa Maria Da Vitória
Autor: Ministério Público Do Estado Da Bahia
Reu: Jose Queiroz Monteiro
Terceiro Interessado: Derval Ataide Ramos

Sentença:

Trata-se de Ação Penal proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA em face de JOSÉ QUEIROZ DE MONTEIRO, devidamente qualificado nos autos, contra o qual se imputa a prática dos crimes previstos no art. art. 155, § 1º, do Código Penal..

O fato teria ocorrido em 06.01.2003. A denúncia foi recebida em 07.12.2012. Até o presente momento não foi prolatada sentença.

É o relatório. Decido.

No caso em evidência, de plano, verifica-se a perda da condição processual do interesse-utilidade, na medida em que, fatalmente, ao final do processo e em caso de eventual condenação, ter-se-á a pronúncia da prescrição com base na pena in concreto que vier a ser aplicada, de maneira retroativa.

Explica-se.

A prescrição é uma das formas de extinção da punibilidade prevista no artigo 107 do Código Penal Brasileiro.

O legislador fixa um prazo em cujo qual o Estado deve exercer sua pretensão punitiva e, em não o fazendo, o jus persequendi in juditio ou o jus punitionis fulmina.

Dentre as espécies de prescrição, embora não tratada pela legislação de modo explícito, existe a chamada prescrição antecipada, virtual ou em perspectiva.

Diz-se antecipada, posto que é reconhecida considerando a pena em concreto antes, porém, da sentença. E virtual ou em perspectiva, haja vista que o seu cálculo é feito levando-se em conta qual a possível pena que será aplicada ao acusado, ao final do processo, em caso de condenação.

Assim, tem-se que a pretensão punitiva estatal pode também prescrever antes da sentença condenatória, quando - em que pese considerando a pena abstratamente cominada, a prescrição não tenha se configurado - pela cominação máxima concretamente prevista, é induvidoso que, ao sentenciar, o Estado-juiz já não mais deterá o direito de punir, pois extinta restou a punibilidade pela prescrição retroativa.

Nesse sentido é a doutrina balizada de Rômulo da Costa Moreira e de Juliz Fabbrini Mirabete:

Se a missão do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos, através da cominação, aplicação e execução da pena (NILO BATISTA, Introdução Critica ao Direito Penal Brasileiro, Revam, 1990, p. 116), se a finalidade do processo penal é a realização do Direito Penal (Mirabete), servir como instrumento útil e necessário para tornar efetiva a função jurisdicional (AFRÂNIO SILVA JARDIM, Direito Processual Pena – Estudos e Pareceres, Forense, 1986, p. 58), e se, enfim, não haverá pena a ser aplicada a executada, em virtude de desconstituição de eventual sentença condenatória em face do advento da prescrição retroativa, então já não haverá mais utilidade na sobrevivência do processo, uma vez que não pode atingir sua finalidade”. (Moreira, Rômulo de Andrade – Arquivamento de Inquérito Policial – Falta de Justa Causa para a Ação Penal – Prescrição Iminente da Pretensão Punitiva – Ausência de Interesse de Agir, Revista do Ministério Publico do estado da Bahia, nº 08) (grifado)

Prescrição antecipada com pena virtual – Com fundamento na falta de interesse de agir e para evitar desgaste do prestígio da Justiça Publica, também se tem afirmado que a prescrição referida no art. 110, §§ 1º e 2º pode ser reconhecida antecipadamente considerada a pena virtual, em perspectiva, tendo em vista as circunstancias do caso concreto em que se antevê uma pena que certamente se levaria à prescrição. (Código Penal Interpretado – Mirabete, Julio Fabrini – Ed. Atrás; 2000; pág 591) (grifado).

Na jurisprudência, embora ainda em minoria, encontra-se o seguinte posicionamento:

TACRSP – De nenhum efeito a persecução penal, com dispêndio de tempo e desgaste da Justiça Pública, se, considerando-se a pena em perspectiva, diante das circunstâncias do caso concreto, se antevê o reconhecimento da prescrição retroativa na eventualidade de futura condenação. Falta na hipótese, o interesse teleológico de agir, a justificar a concessão “ex officio” de “hábeas corpus” para trancar a ação penal. (RT 669/314). No mesmo sentido TACRSP: RT 668/289.

É dizer, podendo-se perfeitamente supor, em face do que dispõe os arts. 59 e 68 do Código Penal, a provável reprimenda penal, pode–se também concluir se, em razão dela, ocorrera ou não a prescrição (arts. 110 e parágrafos do CP). Dessa forma, nada recomenda, em caso afirmativo, que o dominus litis movimente a jurisdição para buscar uma sentença que não produzirá qualquer efeito.

No presente caso, nota-se que, entre a data do recebimento da denúncia, último marco interruptivo da prescrição (art. 117, I, do CP), e a data atual, já decorreram mais de 09 (nove) anos, de modo que, se condenado, o réu terá a punibilidade extinta pela ocorrência da prescrição retroativa.

Isso, porque o acusado é primário na época dos fatos, não constando, conforme consulta ao SAJ, PJE, INFOSEG e BNMP, outro processo criminal em tramitação ou condenação transitada em julgado; as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP são favoráveis; não incide ao caso agravantes ou causas de aumento – a pena que vier a ser aplicada tangenciará o mínimo legal, do crime em questão ou seja, 01 (um) ano e 04 (quatro) meses, a qual já está prescrita desde dezembro de 2020, à luz do art.109, VI, do CP.

Assim, considerando que o lapso temporal decorrido entre a data do recebimento da denúncia e a presente data, se levado adiante o processo e condenado o réu, fatalmente a pena que lhe será aplicada já estará fulminada pela prescrição, de modo que não restará alternativa ao Estado – Juiz senão reconhecer a ocorrência da prescrição retroativa e declarar extinta a punibilidade do réu.

Não se desconhece, vale ressaltar, o teor da Súmula nº 438 do Egrégio STJ, no sentido de que "é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.

Ocorre que o verbete sumular acima referido não foi emanado em processo representativo de controvérsia, constituindo precedente com caráter orientador, não incidindo de maneira vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário.

Não por outra razão é que o professor Alexandre Morais da Rosa, Magistrado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e Professor da Universidade Federal de Santa Catarina, ensina o seguinte:

Embora exista a Súmula 438 do STJ, sem caráter vinculante, não faz sentido continuar com o processo que esteja prescrito, salvo se quisermos jogar dinheiro (nosso) fora. É necessária a aplicação da prescrição antecipada/hipotética por ausência de trade-off. Verificando-se, à evidência, que a pena a se aplicar será atingida pela prescrição torna-se inviável e inócuo que se prossiga até sentença final, a qual, mesmo sendo condenatória, nenhum efeito concreto produzirá, porque já caracterizada a prescrição, da qual resultará a extinção da punibilidade [5]. Assim, até mesmo por uma questão de política criminal, evita-se o prosseguimento de ação inútil e com custo exorbitante, além de estigmatizante. Combater o crime genericamente é afirmação ingênua. Há estreita relação entre a dimensão política e a persecução penal. É preciso reconhecer que os objetivos devem ser claros e a força estatal é limitada. Não se trata de mitigar a indisponibilidade da ação penal, como alguns apressados podem invocar. Trata-se de se demonstrar racionalmente que o exercício da ação penal, seus custos e resultados no caso de ganho da batalha, serão inservíveis ao fim político. A vitória aqui seria de Pirro, a saber, inútil. Cumpre, assim, reconhecer, por antecipação, a prescrição da pretensão punitiva do Estado, com base na pena hipotética em concreto. (ROSA, Alexandre Morais da. “Não reconhecer prescrição antecipada no crime é jogar dinheiro fora”. Coluna “Limite Penal”, Conjur, publicado no dia 26 de setembro de 2014, disponível em https://www.conjur.com.br/2014-set-26/limite-penal-nao-reconhecer-prescricao-antecipada-crime-jogar-nosso-dinheiro-fora) (grifado)

Consoante reconhecimento jurisprudencial adotado por este juízo, o interesse processual de agir, também na ação penal, exige um resultado útil e, "se não houver aplicação possível de sanção, inexistirá justa causa para a ação penal. Assim, só uma concepção teratológica do processo, concebido como autônomo, autossuficiente e substancial, pode sustentar a indispensabilidade da ação penal, mesmo sabendo-se que levará ao nada jurídico, ao zero social" (Apelação Criminal n°70018365668, Sétima Câmara Criminal, TJRS, relator: Sylvio Batista Neto).

Assim, atento aos fundamentos acima explicitados, reconhecendo que não há mais utilidade processual no caso em evidência, posto que, ao final, a providência esperada se revelará realmente inútil no processo, reconheço, de ofício, a perda superveniente do interesse processual, a repercutir na extinção do feito.

Ante o exposto, extingo o feito sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 485, VI, do CPC, c/c arts. e 395, II, do CPP.

Sem custas.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com baixa.

Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se.

Santa Maria da...

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