Santo amaro - vara cível

Data de publicação31 Agosto 2021
SeçãoCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
Número da edição2932
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE SANTO AMARO
DECISÃO

8001704-57.2021.8.05.0228 Petição Cível
Jurisdição: Santo Amaro
Requerente: Celia Maria Silva Dos Santos
Requerido: Estado Da Bahia
Requerido: Municipio De Santo Amaro

Decisão:

[Assistência à Saúde]

PETIÇÃO CÍVEL (241)

8001704-57.2021.8.05.0228

REQUERENTE: CELIA MARIA SILVA DOS SANTOS

REQUERIDO: ESTADO DA BAHIA, MUNICIPIO DE SANTO AMARO

D E C I S Ã O

Todo ser humano tem direito à vida (Art. 3º. DUDH, 10.12.1948)

Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer c/c Antecipação de Tutela com aplicação de astreinte promovida pela Defensoria Pública em assistência a CÉLIA MARIA SILVA DOS SANTOS contra o ESTADO DA BAHIA e o MUNICÍPIO DE SANTO AMARO.

Alega a autora ser cadastrada no SUS, portadora de cardiopatia isquêmica, Hipertensão Arterial Sistêmica, cursando com fribrilação atrial, Diabetes Mellitus tipo II, com risco de embolia sistêmica (CHADSCASV 3) CID I50 I48 I10; que em função das enfermidades, a Requerente necessita ingerir diariamente anticoagulante oral, para prevenir risco de acidente vascular cerebral, morte e embolia sistêmica e desse modo lhe foram prescritas duas medicações de controle: SELOZOK 50 mg e XARELTO 20 mg, com dose diária de um comprimido; que o Município de Santo Amaro alegou que embora a medicação Selozok 50 mg esteja na RENAME e fornecido pelo SUS/Município o seu valor é considerado alto para as finanças públicas do município, sugerindo uma medicação similar (carvedilol e atenolol) que restou não recomendada pelo cardiologista municipal, ao passo que a medicação Xarelto 20 mg não é fornecida pelo SUS nem consta da Rename, sendo de competência da União o seu fornecimento.

Requereu tutela provisória de urgência para compelir os requeridos a viabilizarem com os medicamentos, de acordo relatório médico que se juntou, arcando com o valor total deste, caso não disponível pela rede pública, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00. Frustrado o cumprimento da liminar, que sejam bloqueados valores de verbas públicas para garantir a efetividade da medida.

A inicial veio instruída com documentos pessoais da assistida, bem assim expedientes médicos dando conta da doença que a acomete e a necessidade da medicação, resposta negativa do Município e omissão do Estado.

DECIDO.

Inicialmente, diante das provas colacionadas com a inicial e dada a inatividade do sistema NATJUS/TJBA, conforme noticiado, deixo de determinar consulta técnica àquele órgão de apoio.

Dos pressupostos para a concessão da tutela de urgência

A concessão da tutela antecipada requerida está condicionada aos pressupostos previstos no art. 300 do Código de Processo Civil, uma vez que os efeitos da tutela pretendida somente se fazem justificavelmente adiantados diante de prova inequívoca do direito invocado, corroborada por verossimilhança da alegação, receio de dano irreparável e ainda do risco de não se atingir o resultado útil desta ação.

No caso concreto, resta adentrar a questão da existência, nos autos, de documentos suficientes a corroborar os elementos que evidenciem o direito e a “verossimilhança da alegação” ou, segundo a nova redação do supracitado artigo da norma processual civil, requisitos dos elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. De fato, há, em favor da interessada (expedientes médicos dando conta da enfermidade da paciente).

A omissão do Poder Público negando o pronto atendimento é evidenciada na medida em que quando deveria de pronto encaminhar a paciente para uma unidade de tratamento e fornecer a medicação necessária, preferiu ora se omitir – Estado - ou esquivar-se – Município.

A prova dos elementos que evidenciem o direito e de forma inequívoca a que se reporta o Código de Processo Civil não pode ser interpretada como se inexistissem quaisquer possibilidades em sentido contrário. Emprestar a essa expressão tal conotação seria emprestar a uma norma processual sentido que lhe retiraria por completo sua eficácia. Equiparo à expressão “prova inequívoca” o sentido de “prova além de dúvida razoável” (“beyond reasonable doubt”). Ressalte-se que o Superior Tribunal de Justiça tem adotado posição semelhante na medida em que confere a essa expressão, conotação de “capacidade de elidir presunção em sentido contrário” (STJ – 4ª Turma, Recurso Especial nº 33200/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira) ou “capacidade de convencer sobre a existência de verossimilhança das alegações da parte” (STJ – 3ª Seção, Agravo Regimental na Ação Rescisória nº 2995/RS, Rel. Min. Gilson Dipp).

Pela dicção do quanto está previsto em nossa Constituição Federal, todos têm direito à preservação e à recuperação da saúde como consequência lógica do princípio da dignidade humana prevista no art. 1º, III, da Constituição da República. O direito à saúde tem como contrapartida o dever do Estado lato sensu em fornecer meios para a sua plena realização e envolve, inclusive, fornecimento de remédio quando houver prescrição médica para tanto. Comprovadas a necessidade dos remédios e alimentos especiais, a hipossuficiência financeira da família da paciente e a omissão no fornecimento dos medicamentos e alimentos, tem-se por lesado o direito constitucional à saúde da paciente. Por outro, como lecionou o então Ministro Luiz Fux (STJ, AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.194.807-MG 2009/0105479-2), "se laudos de médicos particulares são, por exercício jurisprudencial, válidos para a concessão de aposentadoria e isenção de imposto de renda, quando há dispositivo legal que determine a expedição de laudo oficial para a concessão do benefício, tanto mais valerá como elemento de prova".

Do exposto, ultrapasso o requisito do elemento evidenciado do direito com a prova inequívoca e da verossimilhança da alegação, na medida em que encontro nos expedientes médicos acima citados e mais ainda com a omissão do ente federado estadual, ao lado da justificativa do município em não poder suportar o medicamento pelo seu alto custo, são fundamentos suficientes a recomendar o deferimento do pedido de tutela de urgência em caráter liminar.

No que concerne ao fundado receio de dano irreparável e a irreversibilidade do provimento antecipado – tal como previa o artigo 273 do anterior CPC e agora no parágrafo terceiro do artigo 300 – e ainda ao resultado útil do processo, tenho que considerando outra opção que me resta, deixar de deferir tal pedido cuja “verossimilhança da alegação” mostra-se adequadamente lastreada em “prova inequívoca”, há patente periculum in mora inverso, isto é, o não deferimento ocasionará lesividade incomparavelmente maior que o deferimento. Assim, no presente caso, o fundado receio de dano irreparável contrapõe-se à irreversibilidade do provimento a ponto de recomendar-se a mitigação deste último requisito. Posto isto, considero especialíssima a presente situação a ponto de aplicar o componente de “irreversibilidade do provimento antecipado” de forma inversa, ao considerar que o seu não deferimento é que produzirá prejuízos irreparáveis na medida em que o paciente não possui outros meios de suportar o tratamento necessário à manutenção de sua saúde visual o que comprometerá, sem sombra de dúvida a sua independência enquanto pessoa humana constitucionalmente amparada.

No caso em tela, reputo presentes os requisitos ensejadores da tutela provisória de urgência, uma vez que a assistência à saúde, por guardar estreita relação com a manutenção da vida humana, é sempre relevante e urgente, ainda mais em se tratando de uma pessoa com câncer que se não tiver o tratamento urgente poderá não somente comprometer, mas perder a vida.

Importante registrar que, conforme nos ensina Nelson Nery Júnior (CPC Comentado, 11ª edição, página 701), a tutela específica pode ser adiantada, por força do artigo 461, § 3º, do CPC [leia-se 497 e 294 do novo CPC], desde que seja relevante o fundamento da demanda (fumus boni iuris) e haja justificado receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora). É suficiente a mera probabilidade, isto é, a relevância do fundamento da demanda, para a concessão da tutela antecipatória da obrigação de fazer ou não fazer, ao passo que o CPC em seu artigo 300 exige, para as demais antecipações de mérito elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado.

Lado outro, recentemente o STF aprovou a Tese nº 793 em sede de Repercussão Geral reconhecendo a obrigação solidária dos entes federados no fornecimento de medicamentos. Assim:

Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

Diante da negativa dos entes federados no fornecimento de medicamentos sob o argumento de, inclusive, não serem registrados na Anvisa, o STF reconheceu pelo Tema 1.161 de Repercussão Geral que “cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS.”

Do cabimento da medida liminar contra a Fazenda Pública

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