São felipe - Vara cível

Data de publicação13 Dezembro 2021
Gazette Issue2998
SeçãoCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE SÃO FELIPE
INTIMAÇÃO

8000001-13.2020.8.05.0233 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: São Felipe
Autor: Carine Dos Santos Cerqueira
Advogado: Julio Gomes Dos Santos (OAB:BA56793)
Reu: Fernanda Souza Caldas - Me
Advogado: Anisio Araujo Neto (OAB:BA26864)

Intimação:

INTIMAÇÃO do(a) advogado(a) ANISIO ARAUJO NETO (OAB:0026864/BA), para tomar conhecimento da sentença proferida nos autos.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE SÃO FELIPE


Processo: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL n. 8000001-13.2020.8.05.0233

Órgão Julgador: V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE SÃO FELIPE

AUTOR: CARINE DOS SANTOS CERQUEIRA

Advogado(s): JULIO GOMES DOS SANTOS (OAB:0056793/BA)

REU: FERNANDA SOUZA CALDAS - ME

Advogado(s): ANISIO ARAUJO NETO (OAB:0026864/BA)

SENTENÇA

Vistos, etc.

Trata-se de ação pelo procedimento sumaríssimo proposta por CARINE DOS SANTOS CERQUEIRA, já qualificado(a)(s) nos autos, contra FERNANDA SOUZA CALDAS - ME, objetivando a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano material e de compensação por dano moral.

Nos Juizados Especiais Cíveis, o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (artigo 2º, da Lei nº 9.099, de 26.09.1995), razão pela qual é dispensado o relatório, como faculta o artigo 38, da Lei 9.099/95.

Tem-se, portanto, que por força dos princípios da simplicidade, celeridade, informalidade e economia processual (artigo 1º da Lei 9.099/95), não se exige, nos juizados especiais, uma fundamentação tão rígida quanto a prevista no CPC (artigo 489), conquanto ela deva ser bastante, clara, ciosa do enfrentamento mínimo das questões de fato e de direito da lide. A escorreita fundamentação (TARUFFO, 2005, p. 167-168) é fator de legitimação interna (impugnabilidade pelas partes e conhecimento das razões de decidir pela instância ad quem — função endoprocessual) e externa (conhecimento pela sociedade dos argumentos judicialmente utilizados, indução do julgador à demonstração da validade racional de suas razões frente ao sistema jurídico e à demonstração da eficácia persuasiva do precedente invocado como razão de decidir — função extraprocessual), e tais funções são perfeitamente atingíveis nos juizados especiais.

Assim, havendo fundamento suficiente (ou seja, o inverso do fundamento insuficiente), ainda que único e mesmo que os demais argumentos invocados na inicial ou na defesa não sejam enfrentados, para o julgamento de procedência ou de improcedência, deve ser entendida como devidamente motivada a decisão.

Nesse condão, entendo não ser aplicável a disciplina dos artigos 11 e 489 do CPC aos juizados especiais, por já comportarem estes um modelo próprio e de fundamentação de assentamento constitucional. A propósito, pela inaplicabilidade cito: Donizetti (2015, p. 94-97); Oliveira (2015, p. 101-103).

Há uma forte sinalização quanto à inaplicabilidade aos juizados especiais a partir das seguintes perspectivas: Enunciado 162 do Fonaje ("Não se aplica ao Sistema dos Juizados Especiais a regra do art. 489 do CPC/2015 diante da expressa previsão contida no art. 38, caput, da Lei 9.099/95"), Enunciado 153 do Fonaje ("A regra do art. 489, parágrafo primeiro, do NCPC deve ser mitigada nos juizados por força da primazia dos princípios da simplicidade e informalidade que regem o JEF"), Enunciado 10 da Enfam ("A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa") e Enunciado 47 da Enfam ("O art. 489 do CPC/2015 não se aplica ao sistema de juizados especiais").

Passo ao exame da preliminar de incompetência suscitada pela ré.

Da análise objetiva das circunstâncias constantes dos autos, não existe qualquer complexidade para o deslinde do feito, por isso não é necessária a produção de prova pericial. Para que se reconheça a complexidade de uma demanda, capaz de retirar a competência dos Juizados Especiais, é necessário que estejam presentes na lide elementos concretos que, de fato, impossibilitem o desate da controvérsia de forma rápida e objetiva, não sendo plausível a simples arguição abstrata de uma suposta impossibilidade técnica de compreensão dos fatos pelo magistrado, quando as circunstâncias dos autos apontam em sentido contrário.

A propósito, o Enunciado nº 54 do FONAJE preceitua que: “a menor complexidade da causa para a fixação da competência é aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material”.

No caso em julgamento, os elementos concretos de prova já produzidos nos autos se mostram plenamente suficientes para o deslinde da controvérsia, não tendo a parte ré demonstrado a efetiva necessidade de intervenção pericial para a solução do caso em questão.

Por tais razões, rejeito a preliminar, por entender que o Juizado Especial Cível é competente para processar e julgar a presente ação.

Presentes os pressupostos processuais e os requisitos de admissibilidade da demanda, passo ao exame do mérito.

Trata-se de ação de indenização por dano material cumulada com pedido de compensação por dano moral.

Aplica-se ao presente caso o regime jurídico do Código de Defesa do Consumidor.

Cinge-se a controvérsia a saber se a parte autora recebeu resultado errado para exame laboratorial realizado no estabelecimento da ré, e se tal fato causou dano material e dano moral indenizáveis.

Parcial razão assiste à parte autora.

A responsabilidade civil encontra-se assentada na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso V e X. De acordo com a doutrina, a responsabilidade civil consumerista pressupõe a ocorrência de: conduta (comissiva ou omissiva), dano e nexo causal, consoante artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor. Se presentes tais pressupostos, há dever de indenizar.

Extrai-se do conjunto probatório colacionado aos autos que a parte requerente recebeu resultado errado para exame laboratorial de tipagem sanguínea. Segundo consta nos autos (id nº 43773815), a parte ré informou que a autora possuía fator Rh negativo. Sucede, todavia, que outros exames laboratoriais (id n. 43773824 e 43773825) realizados pela parte demandante indicaram que, na verdade, ela possui fator Rh positivo.

Nota-se, portanto, que a conduta da ré restou comprovada, isto é, o fornecimento de laudo com identificação errada do tipo sanguíneo da gestante, ora autora.

Por sua vez, o nexo causal existe pelo fato de que sem o diagnóstico errôneo a parte autora não teria sofrido as consequências danosas. Em outras palavras, suprimida a conduta da ré, o resultado não teria ocorrido como ocorreu, pois, como dito, o dano decorre direta e imediatamente da ação praticada pela ré.

Com relação ao pedido de dano material, a parte autora requereu a condenação da ré ao pagamento de indenização no valor de cinco mil reais. Contudo, inexiste nos autos comprovação de que a parte autora suportou decréscimo patrimonial em tal patamar. Acrescenta-se, ainda, que na petição inicial a parte autora nem sequer demonstrou como chegou ao quantum em questão. Conclui-se, portanto, que não há o preenchimento dos pressupostos para responsabilização da ré pelo suposto dano material.

Por outro lado, no que diz respeito ao pedido de compensação por violação ao patrimônio extrapatrimonial, o dano moral decorre da própria situação.

Cuida-se de dano in re ipsa, não sendo possível transferir-se ao consumidor o ônus de demonstrar a existência de danos, estes que, no entanto, a meu sentir, de fato ocorreram

Segundo a literatura médica[1], “As gestantes com fator Rh negativo podem desenvolver uma incompatibilidade sanguínea materno fetal, que na maioria dos casos está relacionado ao sistema RH, conhecido como antígeno D. Esta incompatibilidade é desencadeada quando a mãe Rh negativa tem um feto Rh positivo, proveniente do pai (ZUGAIB, 2016). Na incompatibilidade do fator Rh negativo, pode se considerar uma gestação de alto risco, porque apresenta consequências que variam de leve, moderada, a grave ao Recém-Nascido. A transmissão do fator Rh negativo é através de um gene dominante o antígeno D (ALMEIDA E SILVA,2008)”.

Tem-se, portanto, que o resultado dado pelo laboratório fez a parte autora crer que teria gravidez de risco, e que seu filho precisaria fazer uso de medicamentos para evitar enfermidades decorrentes da incompatibilidade sanguínea.

Não é defensável que o fato em questão seja qualificado como mero aborrecimento. A bem da verdade, ordinariamente as mulheres grávidas costumam receber diagnósticos e exames corretos, por isso, o resultado laboratorial errado não pode ser visto como mero dissabor oriunda da vida em sociedade.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça tem precedente no sentido de ser in re ipsa o dano moral por diagnóstico equivocado para exame realizado no feto e/ou na grávida, confira-se a ementa do julgado:

DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ERRO DE DIAGNÓSTICO NO EXAME LABORATORIAL. ART. 14, DO CDC. DANO MORAL. CABIMENTO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Os serviços prestados por clínicas/laboratórios na realização de exames médicos em geral, a exemplo da ultrassonagrafia obstétrica morfológica, configura-se como relação de consumo, prevista no artigo 14 do CDC, devendo o prestador de tais serviços responder de forma objetiva, independente de culpa, bastando que esteja presente o nexo causal entre a conduta e o resultado....

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