Seabra - Vara cível

Data de publicação28 Abril 2020
SeçãoCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
Número da edição2605
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE SEABRA
INTIMAÇÃO

8004252-15.2018.8.05.0243 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Seabra
Autor: Auristelia Elizarda Santos
Advogado: Juliana Rita De Souza Ourives (OAB:0020453/BA)
Réu: Companhia De Eletricidade Do Estado Da Bahia Coelba
Advogado: Denner De Barros E Mascarenhas Barbosa (OAB:0060908/BA)
Advogado: Rafael Martinez Veiga (OAB:0024637/BA)
Advogado: Marcelo Salles De Mendonça (OAB:0017476/BA)

Intimação:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

COMARCA DE SEABRA – BAHIA

VARA DOS FEITOS DAS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS E COMERCIAIS, DA FAZENDA PÚBLICA E REGISTROS PÚBLICOS

Processo nº 8004252-15.2018.8.05.0243

AUTOR: AURISTELIA ELIZARDA SANTOS

RÉU: COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA COELBA


SENTENÇA



Vistos, etc.


Trata-se de ação do rito da Lei 9.099/95, proposta por AURISTELIA ELIZARDA SANTOS em face de COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA COELBA, pleiteando indenização por danos morais em virtude de ter o fornecimento de energia elétrica interrompido.


Devidamente intimadas e citadas, as partes compareceram à audiência una de conciliação, instrução e julgamento acompanhados dos seus procuradores.


Dispensado o relatório na forma do art. 38 da Lei 9.099/95, passo a decidir.

PRELIMINARES

Rejeito a preliminar de inépcia da inicial suscitada pela parte ré, vez que não se verifica a ocorrência de qualquer das circunstâncias enumeradas no art. 330, § 1º, do CPC. A inicial apresenta pedido e causa de pedir determinados e há compatibilidade entre todos os pedidos apresentados. Ademais, a conclusão decorre da narrativa dos fatos. A alegada ausência de elementos probatórios, ainda que se a verificasse, não redundaria na inépcia da inicial, mas sua análise caberia ao exame de mérito. In casu, a inicial vem instruída com elementos de prova aptos a fundar a propositura da ação, para além da notoriedade do fato.

Também rejeito a preliminar de incompetência do juizado. Em primeiro lugar, porque se trata de pedido genérico, desacompanhado de mínima justificativa técnica sobre como a providência requerida (análise do medidor de energia) seria capaz de produzir prova sobre o fato objeto destes autos. Chama a atenção o fato de que do pedido consta o seguinte argumento: "somente através da realização de uma perícia técnica poderá constatar se, efetivamente, o medidor de energia da Autora encontra-se defeituoso". Veja-se que a jurisprudência juntada também se refere a irregularidade no medidor. Assim, nem o pedido, nem os fundamentos que o acompanham apresentam a especificação necessária para a concessão de prova pericial. Razões suicientes para rejeitá-la.

Ademais, a prova de que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido na residência da parte autora por tempo além do aceitável para serviço essencial está disponível à parte ré, pois é esta obrigada pelas normas reguladoras do setor a manter registro da frequência e da duração das interrupções do fornecimento do serviço, inclusive publicando os índices de atendimento à norma nas faturas dos consumidores. Se tal prova poderia ser facilmente produzida por este meio, não resta motivo que justifique a produção de prova pericial para determinar se houve interrupção e por quanto tempo na residência da parte autora.

Sobre a preliminar de decadência, também não prospera, por se tratar, nos autos, de fato do serviço, regido pelo art. 27, do CDC, que prevê prescrição de 5 (anos), e não de vício, hipótese tratada na Seção III do referido Código.

Superadas as preliminares, passo a analisar o mérito.

Presentes os requisitos, DEFIRO a justiça gratuita à parte autora.

Narra a parte autora que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido em sua residência no dia 20 de setembro de 2017, sem qualquer aviso e aparentemente sem causa natural ou força maior que o justificasse. Relata que sua rotina foi prejudicada, pois ficou privada de utilizar os eletrodomésticos de sua residência, bem como que os alimentos da geladeira ficaram inapropriados para consumo em virtude da interrupção.

A ré, por sua vez, defende a inexistência de ato ilícito pois que, em não constando registro, nos seus sistemas, da alegada interrupção, não se pode argumentar que houve falha na prestação do serviço. Ainda, que tais situações elidem a responsabilidade, pois se pode atribuir o fato a causas naturais ou força maior. Defende por fim a inexistência do dano moral, citando jurisprudência pertinente ao caso e sustentando a tese de que a parte autora não apresentou prova de que estivesse em sua residência no momento da alegada interrupção do serviço, com o que não teria, nessa hipótese, sofrido qualquer prejuízo.

Ante as circunstâncias específicas do caso, a ré apresentou requerimento fundamentado para a produção de prova em audiência por meio do depoimento da parte autora. Deferido o pedido, a parte autora relatou que estava em sua residência no momento da interrupção e que possui eletrodomésticos que utiliza em sua rotina, conforme atesta a ata de audiência.

O quadro fático que se apresentou na lide exige a distribuição do ônus da prova considerando a capacidade probatória de cada uma das partes, de modo que os fatos se revelem com a integridade necessária à decisão judicial, observando-se que se trata de relação de consumo.

De acordo com o art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, é direito básico do consumidor a facilitação da defesa dos seus direitos por meio da inversão do ônus da prova. Realizada a instrução do feito, mostratam-se presentes os requisitos que autorizam a adoção deste expediente processual, quais sejam, a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência do consumidor. É verossímil a afirmação do(a) consumidor(a) de que ocorreu a interrupção do fornecimento de energia elétrica em sua residência, uma vez que é notório que, na data citada, a região no Município de Seabra foi privada do serviço por, no mínimo 8 horas, bem como que é constante esse tipo de interrupção na região. Também se mostra presente a hipossuficiência da parte autora, uma vez que não dispõe esta de recursos técnicos para provar a interrupção e sua possível causa, recursos estes que certamente estão à disposição da ré, como se demonstra em seguida.

Assim, determino a inversão do ônus da prova, restando a incumbência de provar a interrupção do serviço à ré, considerando, que é esta obrigada pelas normas reguladoras do setor a manter registro da frequência e da duração das interrupções do fornecimento do serviço, inclusive para a finalidade de se calcular a compensação devida ao consumidor quando ocorrem interrupções do serviço.

O art. 119, § 4º, III, da Resolução 414/2010 da Aneel determina a formulação e publicação, pela concessionária de energia elétrica, de indicadores da continuidade do serviço a cada consumidor individual, nos seguintes termos:

Art. 119. A fatura de energia elétrica deve conter:

[...]

§ 4o A distribuidora deve informar na fatura, de forma clara e inteligível, os seguintes dados:

[...]

III – valores mensais apurados para os indicadores de continuidade individuais (DIC, FIC e DMIC);.

Os parâmetros técnicos para o cumprimento desta obrigação se encontram no documento denominado Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Nacional – PRODIST, o qual define, na Seção 8.2, item 5.4, os indicadores que a concessionária deve produzir a partir de sua aferição de interrupções ocorridas nos domicílios individuais. Entre estes índices, consta o índice de Duração Máxima de Interrupção Contínua por Unidade Consumidora ou por Ponto de Conexão (DMIC), cujo nome é auto-explicativo e, conforme a norma, deve ser expresso em horas e centésimos de hora.

Ora, se, de acordo com as normas reguladoras do setor, à ré cabe realizar levantamento de dados que a possibilitem fornecer esse e outros índices individuais, tanto ao consumidor quanto à Administração Pública, que com ela contratam, não há outra conclusão razoável, senão a de que as informações sobre a ocorrência de interrupção na data indicada na inicial e a duração da interrupção estejam à sua disposição.

Dessa forma, embora lhe seja tecnicamente possível a produção de prova de que não houve interrupção do serviço na data indicada pela parte autora, a ré não apresentou documento apto para desincumbir-se do ônus da prova, pelo que prevalece a ocorrência do fato conforme narra a parte autora, o que é corroborado pela notoriedade do fato.

Ressalte-se que as telas do sistema interno da ré, além de produzidas unilateralmente, não contêm os detalhes sobre a continuidade do serviço, mas tão somente a informação de que não houve registro de ocorrências pela parte autora, de modo a faltar pertinência a esse documento para a controvérsia.

Quanto à possibilidade de que caso fortuito ou força maior tenha dado causa ao ocorrido, sublinhe-se que a ré se limita a enumerar genérica e abstratamente hipóteses exemplificativas, sem indicar concretamente uma eventual causa do evento ou prova de sua existência.

Em todo caso, não se pode ignorar que o art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, estipula a responsabilidade dos fornecedores na forma objetiva, isto é, independente da existência de culpa, o que, conforme entendimento doutrinário, se deve à Teoria do Risco. O mesmo dispositivo só exclui a responsabilidade do fornecedor quando se comprova a inexistência do defeito na prestação do serviço ou a culpa exclusiva de terceiro, nenhuma das excludentes tendo sido demonstrada pela ré.

Estabelecido assim o quadro fático da lide, resta demonstrada a responsabilidade da ré por...

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