Se��es c�veis reunidas - Se��es c�veis reunidas

Data de publicação28 Setembro 2023
Gazette Issue3423
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Des. Mário Augusto Albiani Alves Júnior Cíveis Reunidas
DECISÃO

8018103-98.2023.8.05.0000 Reclamação
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Reclamante: Concessionaria Litoral Norte S/a - Cln
Advogado: Iracema Macedo Santana De Souza Neta (OAB:BA22165-A)
Advogado: Eny Bittencourt (OAB:BA29442-A)
Reclamado: 1ª Turma Recursal Do Tribunal De Justiça Do Estado Da Bahia
Interessado: Carine Mendes Dos Santos

Decisão:

Trata-se de RECLAMAÇÃO ajuizada por CONCESSIONÁRIA LITORAL NORTE S.A. com suporte na Resolução nº 3/2016 do STJ contra acórdão prolatado pela 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Estaduais Cíveis nos autos da ação nº 0087044-10.2021.8.05.0001 proposta por CARINE MENDES DOS SANTOS.

A reclamante diz que a “a presente reclamação merece guarida, uma vez que a decisão vergastada, proferida pela Juíza Relatora Ana Conceição Barbuda Ferreira, da 1ª Turma Recursal dos Juizado Especiais Cíveis e Criminais do Estado da Bahia, desconsiderou a afetação de recurso especial sobre a matéria em questão, e, consequentemente, desprezou o empreendimento do Superior Tribunal de Justiça para pacificação da jurisprudência sobre o tema, uma vez que confirmou a sentença, quando deveria suspender o feito até decisão do STJ”.

Arrematou que, no Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 1.122, “o colegiado considerou suficiente a suspensão dos recursos especiais em andamento no STJ e na segunda instância, pelo prazo máximo de um ano”.

Afirma, ainda, que “o próprio Código de Processo Civil prevê em Art. 966, inciso V, §5º, a possibilidade de ação rescisória em sede de acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento”.

Finalizou argumentando que a culpa era exclusiva da vítima, assim como que a sua responsabilidade seria subjetiva, não objetiva, por ser a concessionária de serviços públicos.

Ao fim, pediu que se julgasse “procedente o pedido para reformar o decisum exarado pelo órgão reclamado, no sentido de cassar a decisão exarada que condenou a concessionária ao pagamento de indenização em decorrência de acidente com animal na pista, e que após a decisão do STJ no incidente de recursos repetitivos que seja proferida nova decisão em conformidade com o precedente a ser firmado pelo STJ, ou ainda suspender o feito até o julgamento do REsp afetado”.


É o que importa relatar.


O atual Código de Processo Civil, de forma vanguardista, sistematizou o instituto da reclamação, estabelecendo as suas hipóteses de cabimento e a forma de processamento, o que não havia no CPC/73.

Até então, a referida ação de impugnação era manejada tendo por base regras constitucionais que dela tratam bem como decisão proferida pelo STF nos autos do RE 571.572-8/BA, que reconheceu a mora legislativa na criação de uma turma nacional de uniformização da jurisprudência dos juizados estaduais, estabelecendo a incumbência do STJ para o processamento das reclamações até o suprimento da mora legislativa. Assim entendeu a Corte:

Desse modo, até que seja criado o órgão que possa estender e fazer prevalecer a aplicação da jurisprudência do STJ, em razão de sua função constitucional, da segurança jurídica e da devida prestação jurisdicional, a lógica da organização do sistema judiciário nacional recomenda que se dê à reclamação prevista no art. 105, I, f, da CF amplitude suficiente à solução do impasse. […] Diante da inexistência de outro órgão que possa fazê-lo, o próprio Superior Tribunal de Justiça afastará a divergência com a sua jurisprudência, quando a decisão vier a ser proferida no âmbito dos juizados especiais estaduais.

Ocorre que, como dito, o legislador ordinário regulamentou a reclamação, trazendo no art. 988 do CPC/2015 as hipóteses taxativas de seu cabimento, não contemplando a possibilidade de manejo deste para controle de decisões judiciais a partir de casos julgados pelo STJ em sede de recurso repetitivo, mas tão somente nas seguintes hipóteses:

Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

I - preservar a competência do tribunal;

II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;

III - garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)(Vigência)

IV - garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.

IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)(Vigência)

Como se vê, a nova sistemática processual não contemplou a possibilidade de utilização da reclamação para fazer cumprir entendimento de Tribunal Superior cristalizado em qualquer precedente, mas apenas daqueles firmados através de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, Incidente de Assunção de Competência, súmula vinculante e controle concentrado de constitucionalidade.

A análise do excerto de lei acima mencionado revela que essa é a mens legis, isso porque a redação original do art. 988, IV, do CPC, ao trazer a expressão “casos repetitivos” previa a possibilidade de utilização de qualquer precedente repetitivo como julgado paradigma da propositura de reclamação. Entretanto, a alteração deste dispositivo – ainda na vacatio legis - revela que o legislador quis expressamente excluir do cabimento da reclamação o recurso especial repetitivo, inexistindo também previsão de cabimento com relação à súmula não vinculante.

Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar acerca de normas regimentais que possibilitaram a propositura de reclamação no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho.

No julgamento, o Pretório Excelso entendeu que, como a CF/88 só previu reclamação perante o STF e o STJ, o seu cabimento perante outros tribunais dependeria de previsão em lei, cuja iniciativa é da competência privativa da União por se tratar de direito processual (art. 22, I, da CF/88):

RECLAMAÇÃO - REGÊNCIA - REGIMENTO INTERNO - IMPROPRIEDADE. A criação de instrumento processual mediante regimento interno discrepa da Constituição Federal. Considerações sobre a matéria e do atropelo da dinâmica e organicidade próprias ao Direito. (RE 405031, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/10/2008)

Assim, a criação de hipótese de cabimento de reclamação por ato do STJ, independentemente da forma deste ato, fere a legalidade, uma vez que somente por lei, ou pela Constituição, pode-se criar hipóteses de cabimento desta ação.

Desse modo, é inviável sustentar a possibilidade de manejo de reclamação constitucional com base unicamente em ato administrativo do STJ que, registro em obiter dictum, tem constitucionalidade duvidosa.

Ao disciplinar o instituto da reclamação, o CPC/2015 estabeleceu premissas suficientemente claras quanto às hipóteses de seu cabimento, preservando a autonomia deste remédio processual, que não serve como sucedâneo de recurso, mas deve ser utilizado apenas nos casos estritamente previstos em Lei.

Assim, não é todo precedente judicial que pode ser fundamento de uma reclamação, mas apenas aqueles expressamente referenciados pela atual redação do Código de Processo Civil.

Tolerar o cabimento do instituto da reclamação além das hipóteses previstas na Constituição Federal e na legislação ordinária significa desnaturar a finalidade do instituto, implicando a criação de um recurso por via transversa, sem respaldo legal.

Portanto, não havendo previsão no CPC/2015 de propositura de reclamação para garantir a observância de Recurso Especial do STJ, ainda que submetido à sistemática dos Recursos Repetitivos, entendo não ser cabível ampliar desmesuradamente as hipóteses de cabimento previstas no Código, sob pena de usurpação da competência privativa da União para legislar sobre a matéria processual e violação do devido processo legal.

Sobre o tema importa destacar, ainda, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. ART. 105, I, F, DA CONSTITUIÇÃO. ART. 988 DO CPC/2015. INTENTO DE APLICAÇÃO DE TESE FIRMADA EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO NO QUAL OS RECLAMANTES NÃO FORAM PARTES. ART. 988, PARÁGRAFO 5º, INCISO II, DO CPC/2015. CONDIÇÃO SUPLEMENTAR PARA A ADMISSIBILIDADE DE RECLAMAÇÃO.

1. Hipótese na qual os reclamantes pretendem fazer valer, em demanda pendente quando do ajuizamento da Reclamação, tese fixada pelo STJ no julgamento de Recurso Especial Repetitivo em que não foram partes.

2. A Constituição da República previu o cabimento de reclamação dirigida ao STJ "para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões" (art. 105, I, "f"). A reclamação para garantir a autoridade das decisões da Corte é compreendida como o instrumento destinado a preservar aquilo que foi decidido entre aqueles que foram partes no processo.

3. O CPC/2015 elenca taxativamente as hipóteses de cabimento da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT