Segunda câmara cível - Segunda câmara cível

Data de publicação08 Agosto 2022
Número da edição3153
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Des. Manuel Carneiro Bahia de Araújo
DECISÃO

8032247-14.2022.8.05.0000 Agravo De Instrumento
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Agravado: Fama - Empreendimentos E Participacoes Ltda
Advogado: Bruno De Almeida Maia (OAB:BA18921-A)
Agravante: Defensoria Publica Do Estado Da Bahia

Decisão:

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da tutela recursal, interposto pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA, por meio de seu Núcleo de Prevenção, Mediação e Regularização Fundiária em face da decisão exarada pelo Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Salvador que, nos autos da Oposição c/c Pedido Liminar de Reintegração de Posse n. 8080215-37.2022.8.05.0001 proposta contra NEIRIVAN LOPES DA CUNHA JUNIOR e OUTRO, concedeu liminar de reintegração de posse (Id. 218469044 dos autos de origem).

A agravante sustenta, inicialmente, que possui interesse recursal para ingressar com o presente instrumental, na condição de Custos Vulnerabilis, uma vez que a tutela antecipada possessória concedida pelo Julgador primevo poderá ocasionar o desalojamento das coletividades vulneráveis residentes da área em litígio”, diante do risco iminente de “haver reflexo direto na garantia do direito à posse e de moradia dos moradores da comunidade Pequeno Príncipe que, possivelmente, exercem a posse sobre porção de área pleiteada pela Agravada.”

No particular, assevera que “o legislador constitucional previu a intervenção da Defensoria Pública, nos litígios e demandas em geral, inclusive de regularização fundiária, ações possessórias e petitórias que figurem uma coletividade como parte, determinando que deve ser feita a intimação da instituição Defensoria Pública para atuar na defesa dos interesses de pessoas em situação de vulnerabilidade, com atuação voltada para resguardar os interesses e direitos fundamentais daquela população (custos vulnerabilis” ou “custos plebis”).”

Prossegue, afirmando a sua legitimidade para a atuação coletiva na defesa dos interesses da população na defesa das normas urbanísticas e de direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como na defesa dos hipossuficientes em ações possessórias ou outras que apesar de não possuírem esta qualidade promovem o desapossamento de famílias e coletividades vulneráveis fulminando o direito à moradia, como é o caso em tela.”

Invoca, ainda, a incidência do arts. 554, §1º e 565, do CPC, como base legal legitimadora do seu interesse recursal.

Salienta que a premência da sua intervenção como Custos Vulnerabilis reside na indeterminação do objeto pleiteado pela empresa agravada, na medida em que esta “carece de objetividade para demonstrar com precisão a área relativa a sua propriedade, a partir, inclusive, das informações contidas no próprio registro imobiliário, conforme se extrai do laudo elaborado por profissional técnico da Defensoria Pública, exclusivamente com base na matrícula n. 77974 do 2º CRI, que concluiu não ser possível identificar e individualizar no sistema de mapas Google Maps qual a área que deve ser reintegrada em razão da decisão de ID 218469044, pois, considerando a matrícula apresentada, não existem elementos técnicos que permitem identificar a área objeto desta oposição.”

Esclarece que existe uma comunidade conhecida como Comunidade Pequeno Príncipe, que se estabeleceu na área há aproximadamente 40 anos contados até a data da propositura da demanda, sendo, portanto, legítimos possuidores, exercendo a posse justa, mansa e pacífica sobre seus imóveis, superando os 5 (cinco) anos sem oposição de qualquer sorte. Logo, caberia à Agravada, desde a propositura da ação, individualizar a área reivindicada, uma vez que a sua indeterminação, como acima verificado, prejudica o exercício do direito de defesa pela coletividade hipossuficiente lá consolidada, sendo, portanto, esta indeterminação uma razão de inépcia da petição inicial.”

Argumenta ainda que, “caso seja caracterizada que a área objeto de reintegração de posse engloba a área da Comunidade Pequeno Príncipe, a decisão liminar em reintegração de posse deverá ter seu cumprimento preterido, a par do quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em recente julgamento de Arguição de Preceito Fundamental (ADPF), que indicou a impossibilidade de cumprimento de medidas remocionistas de caráter coletivo até 31 de outubro de 2022.”

Ressalta a necessidade de concessão de efeito suspensivo ao recurso, pois está evidente a plausibilidade da fundamentação do pedido da Defensoria Pública, atuando como custos vulnerabilis, em defesa de coletividade.” Já o periculum in mora, ao seu ver, é notório, na medida em que, acaso mantida a decisão guerreada, ao determinar que dezenas de famílias, e provavelmente até crianças e idosos, desocupem os imóveis em litígio, o MM. Juízo a quo nega a estas pessoas o direito à moradia com a demolição de suas residências, (...), que implica em medida extremamente gravosa e de impossível reparação e reconstituição...”

Pugna que seja conferido liminarmente EFEITO SUSPENSIVO ao presente recurso, até o seu julgamento definitivo, determinando-se ao Juízo da 4ª Vara Cível e Comercial da Comarca de Salvador que suspenda o cumprimento da decisão de antecipação de tutela até o julgamento final da ação de oposição, nos termos do art. 995 do CPC, tendo em vista que o cumprimento da medida atacada importa em total adiantamento do provimento final, o que somente deverá ocorrer após a instrução do feito, passada pelo crivo do contraditório;” ao final, pede o provimento do instrumental.

O feito foi-me distribuído por prevenção, por ser o relator do Agravo de Instrumento nº 8024619-71.2022.8.05.0000, em que figurou como agravante a empresa ora recorrida, conforme certidão de Id. 32624723 .

É o relatório.

De início, conheço do recurso, porque presentes os seus requisitos, inclusive no tocante ao interesse recursal da agravante, ora atuando como Custos Vulnerabilis, especialmente diante do potencial alcance da decisão possessória esgrimada sobre coletividade vulnerável e hipossuficiente (Comunidade Pequeno Príncipe).

Dito isto, tem-se que a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo e antecipação da tutela está prevista no artigo 1.019, I, do CPC, quando, nos termos do artigo 995, parágrafo único, do mesmo diploma legal, da imediata produção dos efeitos da decisão recorrida “houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso”.

Como se pode verificar, a disposição legal possibilita ao Relator a condição de, estando presentes a possibilidade de dano grave ou de difícil reparação (periculum in mora) e a probabilidade de provimento futuro do recurso (fumus boni iuris), sustar temporariamente a efetividade da decisão e/ou antecipar total ou parcialmente a tutela almejada. Portanto, o julgador, para sustar a eficácia da decisão recorrida, está adstrito à presença simultânea dos citados pressupostos.

A decisão esgrimada (Id. 218469044 dos autos de origem) foi proferida nos seguintes termos, in verbis:

“Trata-se de decidir sobre pedido de medida liminar possessória formulado por FAMA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. nos autos de uma oposição por si movida em face de NEIRIVAN LOPES DA CUNHA JUNIOR e RENATO GUEDES DE MATOS, esses últimos autor e réu, respectivamente, nos autos do processo n. 8051393-72.2021.8.05.0001.

Realizada audiência de justificação da posse (ID n. 215485533), vê-se que o caso é de concessão da liminar postulada pelo autor. Primeiro, note-se que o réu Neirivan Lopes da Cunha Júnior pediu e viu ser negada uma medida liminar de proteção possessória em seu favor nos autos do processo n. 8051393-72.2021.8.05.0001. Depois, perceba-se que a opoente aparente ser a proprietária do imóvel litigioso, como se verifica do documento do ID n. 204495018, desfrutando, pois, da sua posse indireta. Não bastasse isso, a prova oral produzida na audiência do ID n. 215485533 (cf. depoimentos gravados em vídeo) sugere que a autora exercia a posse direta do bem litigioso quando dela foi privada por ato do réu Neirivan Júnior, que, apoiado pela Polícia Militar em circunstâncias ainda a serem esclarecidas, tomou para si a posse do imóvel indicado na petição inicial. Conforme os depoimentos das testemunhas ouvidas em Juízo, os atos do réu de turbação da posse teriam se iniciado em maio de 2021 e se consolidado em esbulho em setembro de 2021, isto é, há menos de ano e diz do ajuizamento da presente demanda. Tudo a significar, pois, que a autora tem direito à proteção possessória imediata.

Do exposto, concedo à autora a reintegração liminar na posse do imóvel descrito na petição inicial, ordenando a expedição de mandado em desfavor dos réus, com prazo de 05 (cinco) dias para desocupação voluntária.

Se descumprida a ordem acima, e a pedido da autora, requisite-se o auxílio da polícia para cumprimento do mandado.

Intimem-se os réus a apresentarem a sua defesa em 15 (quinze) dias, sob as penas da revelia.

Publique-se e intimem-se.

Salvador(BA), 28 de julho de 2022.”

O decisum foi mantido após serem rejeitados os aclaratórios opostos pelos acionados, oportunidade em que o Julgador primevo deferiu o “auxílio da força policial para cumprimento do mandado de reintegração de posse.” (Id....

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