Segunda câmara criminal - Segunda câmara criminal

Data de publicação16 Março 2020
Gazette Issue2578
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Des. Julio Cezar Lemos Travessa Segunda Criminal
DECISÃO

8005134-56.2020.8.05.0000 Mandado De Segurança (criminal)
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Impetrado: Juiz De Direito Da 1ª Vara Criminal Da Comarca De Eunápolis -ba
Impetrante: Juliana Santos De Souza

Decisão:



Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA, com pedido liminar, impetrado por JULIANA SANTOS DE SOUZA, assistida pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA, contra suposto ato ilegal praticado pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Eunápolis/BA, consistente em suposta omissão da autoridade tida como coatora ao não apreciar liminar de urgência requerida na ação originária, de nº 0500034-59.2020.8.05.0079.


Em apertada síntese, relatou a Defensoria Pública que a Impetrante se encontra na 35ª (trigésima quinta semana de gestação), sendo constatado em exames rotineiros de pré-natal a ausência de calota craniana e cérebro em seu feto, mediante procedimento de ultrassonografia obstétrica (fls. 17/22 do doc ID nº 6288058).


Diante de tal cenário, a Impetrante solicitou autorização para interrupção da gravidez, mediante alvará judicial, perante a 1ª Vara Criminal e do Júri de Eunápolis/BA, em Ação de nº 0500034-59.2020.8.05.0079, com arrimo na decisão proferida pelo Pretório Excelso no ADPF de nº 54 e instruída com exames e relatórios médicos. Todavia, sustentou que, após o transcurso de uma semana, a tutela de urgência requerida sequer fora apreciada pela autoridade tida como coatora.


Face ao exposto e ressaltando o estágio avançado da gravidez da Impetrante, afirmou que não restou outra alternativa a não ser valer-se do presente remédio constitucional.


Requereu, em sede liminar, a concessão de tutela provisória, para determinar a expedição de alvará judicial autorizando a Impetrante a interromper a gravidez de feto anencéfalo. Prosseguiu ao aduzir pleitos pela concessão de assistência judiciária gratuita integral, pela adoção das medidas previstas no art. 7º, I e II, art. 12, ambos da Lei nº 12.016/09, e, por derradeiro, o provimento deste mandamus, confirmando a decisão liminar, no sentido de autorizar a Impetrante a realizar a interrupção da gravidez de feto anencéfalo.


Juntou documentos ao ID nº 6288058.


Pois bem.



1. ACERCA DO PLEITO PELA CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA



Em seu pedido inaugural, a Defensoria Pública clamou pela concessão do benefício da assistência judiciária gratuita à Impetrante, em razão de alegada miserabilidade econômica.



Como há muito resta assente na jurisprudência da Corte Cidadã, há presunção juris tantum de que quem pleiteia o retrocitado benefício não possui as condições econômicas necessárias para suportar as custas de um processo judicial sem assim comprometer o seu sustento, ou de sua família. Embora, é claro, deva-se frisar que tal presunção é relativa, podendo ser afastada caso o Magistrado encontre elementos a infirmar a declaração de hipossuficiência.



Acerca do tema, verifique-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:



AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA FÍSICA E JURÍDICA. INDEFERIMENTO. REEXAME DE PROVA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a concessão do benefício de gratuidade da justiça a pessoa jurídica somente é possível quando comprovada a precariedade de sua situação financeira, inexistindo, em seu favor, presunção de insuficiência de recursos (CPC/2015, art. 99, § 3º). 2. Tratando-se de pessoa física, há presunção juris tantum de que quem pleiteia o benefício não possui condições de arcar com as despesas do processo sem comprometer seu próprio sustento ou de sua família. Tal presunção, contudo, é relativa, podendo o magistrado indeferir o pedido de justiça gratuita se encontrar elementos que infirmem a hipossuficiência do requerente. Precedentes. 3. No caso, as instâncias ordinárias, examinando a situação patrimonial e financeira dos recorrentes, concluíram haver elementos suficientes para afastar a declaração de hipossuficiência, indeferindo, por isso, o benefício da justiça gratuita. Nesse contexto, a alteração das premissas fáticas adotadas no acórdão recorrido demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é defeso na via estreita do recurso especial (Súmula 7/STJ). 4. Agravo interno a que se nega provimento. ” (AgInt no AREsp 1458322/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/09/2019, DJe 25/09/2019 – grifos acrescidos)

AGRAVO REGIMENTAL. SERVIDOR PÚBLICO. BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Esta Superior Corte de Justiça possui entendimento jurisprudencial de que a simples declaração de miserabilidade feita pela parte é suficiente para deferimento do benefício da justiça gratuita. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no Ag 1005888/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 09/12/2008 – grifos acrescidos)

Perlustrados os documentos juntados ao ID nº 6288058, constata-se que a Impetrante se encontra igualmente assistida pela Defensoria Pública do Estado da Bahia na ação de origem, bem como que os exames e consultas médicas anteriormente referidos (fls. 13/22) foram realizados no Hospital Regional de Eunápolis, através do Sistema Único de Saúde (SUS). Os aludidos elementos não afastam a alegação em debate, mas, antes, a corroboram.



Diante das considerações expostas, torna-se imperativa a concessão do pleito formulado.



Neste diapasão, dá-se provimento ao pleito em análise.



2. ACERCA DO REQUERIMENTO DE TUTELA PROVISÓRIA



Em sede liminar, requereu a Impetrante o deferimento de tutela provisória, no sentido de determinar a expedição de alvará judicial autorizando a realização do multicitado procedimento médico.



Em razão da gravidade do cenário apresentado pela Defensoria Pública no bojo destes autos, entendeu por bem este Relator consultar o andamento processual da ação originária, via acesso ao sistema informatizado mantido por esta Corte. Adotada a medida referida, constatou-se que o Juízo de primeiro grau concedeu a medida liminar requerida nos autos de origem, na data de 12 de março de 2020, autorizando a Impetrante a submeter-se a procedimento cirúrgico de interrupção de gravidez, com profissional especializado, no Hospital Regional de Eunápolis.



Confira-se, a seguir, o teor da aludida decisão, proferida na ação de origem, tombada sob o nº 0500034-59.2020.8.05.0079:



Cuida-se de ação pretendendo autorização para interrupção da gravidez promovida por Juliana Santos de Souza, através da Defensoria Pública do Estado da Bahia, ao argumento, em resumo, que está na 34ª semana de gestação, sendo que seu feto foi diagnosticado com anencefalia, a qual é incompatível com a vida extrauterina.

Relata que realizou ultrassonografia obstétrica, que constatou a ausência de calota craniana e cérebro no feto (anencefalia e acrania), conforme relatório médico que recomendou a interrupção da gestação.

Com o pedido foram juntados documentos (fls. 10-22).

O Ministério Público foi instado a se manifestar no feito e opinou pelo deferimento do pedido.

É o relato. DECIDO.

A ADPF nº 54, ajuizada no ano de 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS e julgada em 12/04/2012, tinha como pedido a declaração da Inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848/40 - como impeditiva da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico, diagnosticados por médico habilitado, reconhecendo-se o direito subjetivo da gestante de assim agir sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado.

A discussão da ADPF, portanto, era o pleno direito da mulher gestante de interromper a gravidez de feto comprovadamente portador de anencefalia, obstando-se, para tanto, qualquer interpretação aos artigos 124, 126, “caput”, e 128, incisos I e II, todos do Código Penal, que impedisse a plena realização deste direito. Não por outra razão, consignou o Relator Ministro Marco Aurélio em seu voto:

caber à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez. Cumpre à mulher, em seu íntimo, no espaço que lhe é reservado – no exercício do direito à privacidade –, sem temor de reprimenda, voltar-se para si mesma, refletir sobre as próprias concepções e avaliar se quer, ou não, levar a gestação adiante. Ao Estado não é dado intrometer-se. Ao Estado compete apenas se desincumbir do dever de informar e prestar apoio médico e psicológico à paciente, antes e depois da decisão, seja ela qual for. (...) Compete ao Supremo assegurar o exercício pleno da liberdade de escolha situada na esfera privada, em resguardo à vida e à saúde total da gestante, de forma a aliviá-la de sofrimento maior, porque evitável e infrutífero”. (páginas 66 e 68 do acórdão)

Com esses fundamentos, o pedido foi julgado procedente, por maioria, para “declarar a inconstitucionalidade da interpretação...

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