SERTÃO, SERTANEJAS E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: ANÁLISE DOS DADOS ESTATÍSTICOS DO SERTÃO DE PERNAMBUCO

AutorKalline Flávia Silva de Lira
Páginas132-158
132 GÊNERO | Niterói | v. 20 | n. 2 | p. 132-158 | 1. sem 2020
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SERTÃO, SERTANEJAS E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:
ANÁLISE DOS DADOS ESTATÍSTICOS DO SERTÃO DE
PERNAMBUCO
Kalline Flávia Silva de Lira1
Resumo: Este trabalho analisa os dados da violência doméstica e familiar
contra a mulher na região do sertão do Araripe de Pernambuco. Os dados
são disponibilizados pelas Secretarias de Defesa Social e da Mulher do estado,
e são referentes aos anos de 2015 a 2018. A pesar dos números absolutos serem
considerados pequenos, uma correlação entre os marcadores de gênero e
regionalidade é uma forma mais fidedigna para analisar os registros. Percebeu-se
que a região apresenta um número baixo de solicitações de medidas protetivas
de urgência em relação aos números de ocorrências registradas em relação à
violência doméstica e familiar contra a mulher.
Palavras-chave: Violência contra a mulher; gênero; regionalidade.
Abstract: This article analyzes the data on domestic and family violence
against women in the Sertão do Araripe region of Pernambuco. The data
are made available by the Social Defense and Women’s State Secretariats,
from 2015 to 2018. Although absolute numbers are considered small, a
correlation between gender and regionality markers is a more reliable way to
analyze records. We noted that the region presents a low number of requests
for urgent protective measures in relation to the numbers of occurrences
registered regarding domestic and family violence against women.
Keywords: Violence against women; gender; regionality.
Introdução
Segundo Minayo (2007, p. 23), não há conhecimento de nenhuma
sociedade em que não existiu violência, sendo que algumas são mais violen-
tas do que outras, e o fenômeno “consiste no uso da força, do poder e de
privilégios para dominar, submeter e provocar danos a outros: indivíduos,
grupos e coletividades”. Para a autora, existem determinadas violências
1 Psicóloga. Doutoranda em Psicologia Social na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
kalline_lira@hotmail.com. Orcid: 0000-0002-2927-4748
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que perduram mais do que outras e que existem em praticamente todas as
sociedades: é o caso da violência de gênero, principalmente aquela perpe-
trada pelo homem contra a mulher.
A violência de gênero se apresenta como uma forma de domina-
ção que existe numa sociedade, sem fazer distinção de classe social, cor,
etnia, faixa etária, religiosidade e orientação sexual ou política. Segundo
Minayo(2007), sua expressão maior é o machismo naturalizado nas socia-
lizações realizadas entre homens e mulheres. Assim, a violência contra as
mulheres que acontecem sobretudo no âmbito familiar e conjugal é uma
das maiores expressões da violência de gênero.
Conforme Santos e Izumino (2005), a expressão “violência contra a
mulher” começou com a segunda onda do movimento feminista na década
de 1960, que tinha como principais bandeiras a autonomia do corpo e o
direito à sexualidade e ao prazer. No Brasil, as produções acadêmicas come-
çaram apenas na década de 1980, colocando a violência contra a mulher
como tema importante nos estudos feministas.
Minayo (2007) alerta que, muitas vezes, algumas violências são “natu-
ralizadas” e, por isso, as pessoas que as cometem acreditam que estão
fazendo algo normal. No entanto, como a violência é uma construção his-
tórica e que muda de acordo com cada sociedade que a produz, ela pode
aumentar ou diminuir, em conformidade com sua construção social. Neste
sentido, é necessário refletir as questões históricas sobre os direitos das
mulheres, que durante muito tempo tiverem seu papel na sociedade limi-
tado aos cuidados com o lar e com a família, tendo direitos básicos, como
direitos políticos, educação e a liberdade de ir e vir cerceados.
De acordo com Blay (2003), desde a metade do século XIX até depois
da Primeira Guerra Mundial, as mulheres foram conquistando direitos
importantes, em consequência da mudança econômica e cultural ocorrida
no Brasil. O aumento da industrialização e da urbanização trouxe a pos-
sibilidade das mulheres ocuparem o espaço público, por meio do acesso
à educação e ao trabalho, exercendo, portanto, maior autonomia e assu-
mindo papéis mais ativos no meio social. No entanto ainda continuavam
subordinadas à avaliação masculina.
Blay (2003) lembra que o Código Civil Brasileiro de 1916 conside-
rava as mulheres como relativamente capazes, e não era permitido traba-
lhar sem a autorização de seus maridos, já que se afirmava que o trabalho
fora de casa acarretaria uma desagregação da família. Importante também

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