O sigilo bancário e a autoridade fiscal - Constitucionalidade da Lei Complementar Nº 105, de 10 de janeiro de 2001

AutorOlavo Augusto Vianna Alves Ferreira
Páginas1-12

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1. Introdução

Discute-se na doutrina e no Supremo Tribunal Federal12 a constitucionalidade dos dispositivos da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, que prevêem o acesso às informações bancárias, por parte de autoridades administrativas da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, desde que observados determinados requisitos3.

O objetivo deste breve estudo é abordar a questão da compatibilidade dos dispositivos infraconstitucionais citados com o Texto Constitucional vigente, citando algumas posições existentes, externando ao final nosso entendimento.

Embora o precitado diploma legislativo tenha mais de dois anos de vigência, sua constitucionalidade não foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, até o encerramento deste estudo.

Trata-se de tema tormentoso, segundo Tércio Sampaio Ferraz Júnior:

"O tema sigilo bancário, como outros temas relativos a segredos, é um tema humano muito forte, portanto nós não podemos afastá-lo com tranqüilidade" 4.

Cabe ressaltar que o ponto central deste trabalho consiste em definir se o sigilo bancário constitui direito absoluto previsto no Texto Supremo, e se foi adotado ou não, pelo ordenamento constitucional, o princípio5 da reserva jurisdisdicional quanto a esta matéria . Page 2

O princípio da reserva constitucional de jurisdição :

"Importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive aqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de 'poderes de investigação próprios das autoridades judiciais' " 6.

Não pretendemos dar a última palavra sobre o tema, apenas fomentar o estudo deste relevante assunto, citando as correntes doutrinárias existentes, e externar nosso entendimento ao final, lembrando que no Direito "inexiste a valência verdadeiro/falso, pertencente às ciências exatas"7. O intérprete faz uma escolha dentre várias opções, todas válidas perante o Direito8, o que justifica a existência de entendimentos diversos.

2. Inconstitucionalidade

Os defensores desta corrente argumentam que o sigilo bancário constitui expressão do direito à intimidade, tratando-se de matéria sujeita à reserva de jurisdição.

Miguel Reale e Ives Gandra da Silva Martins asseveram:

"Exceção às CPIs, para as quais são inerentes poderes próprios de investigação judicial por outorga constitucional, não podem outros órgãos, poderes ou entidades não autorizados pela Lei Maior quebrar o sigilo bancário e, pois, afastar o direito à privacidade independentemente de autorização judicial, a pretexto de fazer prevalecer o interesse público, máxime quando não têm o dever de imparcialidade por serem PARTE na relação mantida com o particular" 9.

Os precitados professores concordam com os argumentos expendidos pelo ministro Marco Aurélio de Mello, no sentido de que a Receita não é um órgão eqüidistante, pelo contrário, é parte da relação jurídica substancial em jogo10.

André Ramos Tavares assevera que somente o Poder Judiciário poderá requisitar às instituições financeiras a quebra do sigilo, impondo-se o reconhecimento de tal prerrogativa como cláusula pétrea, complementando que os agentes do Fisco não estão autorizados constitucionalmente a invadir11 os dados bancários.

Em estudo específico sobre o assunto, diversos doutrinadores, antes do advento da Lei Complementar nº 105/2001, manifestaram-se pela inconstitucionalidade.

Américo Masset Lacombe ponderava:

"O sigilo bancário constitui um direito e garantia individual, uma espécie do conceito genérico da intimidade, amparado constitucionalmente por norma de eficácia plena e imediata (§ 1ºdo art. 5º da CF). Por conseguinte, nenhuma lei complementar poderá limitar o alcance desta garantia constitucional para permitir a sua quebra por determinação do Ministério Público ou de autoridade administrativa. A quebra de sigilo bancário só poderá ser feita por autorização judicial, em razão da supremacia do interesse público. É portanto, cláusula pétrea" 12. Page 3

Nesta esteira, Cecília Maria Marcondes Hamati :

"De acordo com a forma colocada pela Constituição Federal, a quebra de sigilo bancário é vedada, não podendo, desta feita, a autoridade administrativa requisitar informações desta natureza, ainda que para investigação de prática de sonegação que enseja crime tributário" 13.

No mesmo sentido, antes do advento da Lei em estudo, é o entendimento de José Eduardo Soares de Melo14, Wagner Balera 15 e José Augusto Delgado16, todos na mesma obra.

Já na vigência da precitada norma, Sacha Calmon Navarro Coelho manifestou-se pela inconstitucionalidade do acesso aos dados bancários pela autoridade fiscal, sem intervenção judicial17.

Pedro Lenza perfilha deste entendimento, aduzindo que se trata de matéria não estabelecida pelo poder constituinte originário18.

Em síntese, de acordo com os ensinamentos dos professores citados, há irremissível inconstitucionalidade na previsão do acesso aos dados bancários pela autoridade fazendária, já que a intimidade e a privacidade constituem direitos fundamentais, veiculados por norma constitucional de eficácia plena, afigurando-se como cláusula pétrea.

3. Constitucionalidade

Para os defensores desta corrente, o Legislador pode validamente prever a possibilidade de acesso pela autoridade fiscal dos dados bancários, sem intervenção do Poder Judiciário, não havendo qualquer incompatibilidade vertical da previsão legal em testilha com a Constituição Federal.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior ressalta que não há previsão expressa no Texto Fundamental do sigilo bancário, que tem relação com o inciso X, do artigo 5º 19, envolvendo questões de intimidade e de vida privada, acrescentando que não há parcialidade do Fisco20:

"A Receita não se enquadra no critério da parcialidade. Acho que é possível entender, portanto, que ela pode, e pode até por que há um certo apoio para ela ostensivo, no artigo 145, parágrafo primeiro da Constituição Federal, que é aquele artigo que fala da capacidade contributiva".

Conclui o citado Professor que:

"Embora não seja um artigo específico para autorizar a fiscalização, está implícito ali. A Constituição Federal percebe isso. O que a Receita faz é fiscalizar" 21.

No Supremo Tribunal Federal, antes da edição da Lei Complementar em comento, o ministro Francisco Rezek decidiu:

"Parece-me, antes de qualquer outra coisa, que a questão jurídica trazida à Corte neste mandado de segurança não tem estrutura constitucional. Tudo quanto se estampa na própria Carta de 1988 são normas que abrem espaço ao tratamento de determinados temas pela legislação complementar. É neste terreno, pois, e não daquele da Constituição da República, que se Page 4 consagra o instituto do sigilo bancário - do qual se repetiu ad nauseam, neste país e noutros, que não tem caráter absoluto. Cuida-se de instituto que protege certo domínio - de resto nada transcendental, mas bastante prosaico da vida das pessoas e das empresas, contra curiosidade gratuita, acaso malévola, de outros particulares, e sempre até o exato ponto onde alguma forma de interesse público reclame sua justificada prevalência...

E a mesma lei de 31 de dezembro de 1964, sede explícita do sigilo bancário, disciplina no seu art. 38 exceções, no interesse não só da justiça, mas também no do parlamento e mesmo no de repartições do próprio governo...

Numa reflexão extralegal, observo que a vida financeira das empresas e das pessoas naturais não teria mesmo porque enclausurar-se ao conhecimento da autoridade legítima - não a justiça tão-só, mas também o parlamento, o Ministério Público, a administração executiva, já que esta última reclama, pela voz da autoridade fiscal, o inteiro conhecimento do patrimônio, dos rendimentos, dos créditos e débitos até mesmo do mais discreto dos contribuintes assalariados. Não sei a que espécie de interesse serviria a mística do sigilo bancário, a menos que se presumam falsos os dados em registro numa dessas duas órbitas, ou em ambas, e por isso não coincidentes o cadastro fiscal e o cadastro bancário das pessoas e empresas...

Não vejo inconstitucionalidade alguma no § 2º do art. 8º da Lei Complementar nº 75, cujo texto só faz ampliar, dentro da prerrogativa legítima do legislador, o escopo da exceção já aberta ao sigilo bancário no texto da lei originalmente comum que o disciplinou nos anos 60. E o faz em nome de irrecusável interesse público, adotando um mecanismo operacional que em nada arranha direitos, ou sequer constrange a discrição com que se portam os bancos idôneos e as pessoas de bem"22.

Yoshiaki Ichihara, antes do advento da Lei Complementar nº 105/2001, apontava para a possibilidade de norma infraconstitucional autorizar a quebra do sigilo bancário, sendo prescindível autorização judicial, desde que fundamentada e presentes os pressupostos desencadeadores23.

Douglas Yamashita afirmava em 2000:

"Uma lei pode autorizar o sacrifício de sigilo por decisão exclusiva de autoridade administrativa, independentemente de autorização judicial, mas está sujeita a exigências adicionais, além da observância dos princípios da legalidade e da proporcionalidade ou da proibição do excesso"24.

No Tribunal Regional Federal da Terceira Região há diversos julgados no sentido da compatibilidade vertical dos dispositivos em estudo, os quais pedimos venia para trascrever:

"CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À PRIVACIDADE E À INTIMIDADE. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. IRRETROATIVIDADE DA LEI. CONSTITUCIONALIDADE.

  1. O alegado SIGILO bancário não pode ser interpretado como direito absoluto, desvinculado de outras garantias constitucionais, havendo de compatibilizar-se, pois, com os demais princípios, voltados à consecução do interesse público.

  2. É plenamente legítimo que a...

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