Sindicância patrimonial: sobre a apuração de enriquecimento ilícito pela administração pública

AutorPaulo Enrique Mainier
Ocupação do AutorProcurador do Estado e Mestre pela Universidade de Lisboa.
Páginas111-136
SINDICÂNCIA PATRIMONIAL:
SOBRE A APURAÇÃO DE ENRIQUECIMENTO
ILÍCITO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Paulo Enrique Mainier
Procurador do Estado e Mestre pela Universidade de Lisboa.
Sumário: 1. Introdução – 2. Sobre o enriquecimento ilícito presumido – 3. A coleta de informações
na investigação preliminar – 4. A sindicância patrimonial – 5. Coleta de informações scais e
bancárias na sindicância patrimonial – 6. Métodos de análise patrimonial; 6.1 Método do uxo de
caixa; 6.2 Método de rastreio patrimonial; 6.3 Análise comparativa – 7. Conclusão – 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO1
Algum tempo atrás, os jornais noticiaram que um jovem agente público, com salário
de aproximadamente 4 mil reais, estava dirigindo seu veículo, avaliado em 200 mil reais,
quando atirou com sua arma em um outro carro por suspeitar que ele seria vítima de
um roubo. Independente dos tiros, a notícia chamou a atenção pelo fato de um agente
público conseguir ter e manter um veículo que custaria 50 vezes o seu salário mensal.
Evidente que o Ministério Público poderia instaurar uma investigação e apurar
esses fatos. Não só os tiros, mas também esse possível enriquecimento ilícito. Porém, a
Administração Pública não precisa esperar a apuração de enriquecimento em ação de
improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público (ou pela Advocacia Pú-
blica2). Chegando ao conhecimento do órgão correcional da Administração Pública3
uma suspeita de enriquecimento em valor desproporcional à evolução do patrimônio
ou da renda de um agente público4, o órgão tem o poder-dever de apurar tais fatos5.
1. Neste espaço, gostaria de agradecer às contribuições de Claudio Roberto Paz Lima, Marco A. S. Ricciardi
Jr., Jaime Berbat Filho, Gustavo Henrique de Vasconcellos Cavalcanti, Victor Marcell Almeida de Melo,
Thayza dos Reis Costa, Leonardo Amaro Monte de Almeida, Guilherme Jorge de Souza Corrêa, Mayra Lygia
Andery Fanuchi, Camila Silva Melo e Isabel Pernambuco para produção desse artigo.
2. Essa atuação depende do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a legitimidade dos órgãos de
advocacia pública promoverem ações de improbidade administrativa.
3. Estão incluídos aqui não só os órgãos do Poder Executivo, mas também os órgãos do Poder Judiciário, do
Poder Legislativo, do Ministério Público, do Tribunal de Contas e Defensoria Pública, no exercício das suas
atividades administrativas.
4. Por vezes, a suspeita de enriquecimento surge no curso de investigações de outras infrações administrativas
praticadas no exercício da função. Não raro a apuração se depara com sinais exteriores de riqueza capazes
de motivar a instauração da investigação patrimonial.
5. É f‌irme o entendimento no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça acerca
da competência da autoridade administrativa para impor pena de demissão a servidor público em razão da
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2. SOBRE O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO PRESUMIDO
A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), em sua redação original,
estabelecia em seu art. 9º, VII:
Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir
qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função,
emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta lei, e notadamente:
(...)
VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública,
bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda
do agente público;
A Lei 14.230/2021 alterou as redações do caput do art. 9º e do inciso VII e passou
a prever o seguinte:
Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir,
mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do
exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas
no art. 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, de cargo, de emprego ou de função
pública, e em razão deles, bens de qualquer natureza, decorrentes dos atos descritos nocaputdeste
artigo, cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público,
assegurada a demonstração pelo agente da licitude da origem dessa evolução;
Basicamente, a norma extraída da redação anterior dos dois dispositivos (caput e
inciso VII), tanto na versão anterior, quanto na versão atual, estabelece que o ato doloso
de adquirir, para si ou para outrem, em razão do exercício de mandato, cargo, emprego ou
função pública, bens de qualquer natureza, cujo valor fosse desproporcional à evolução
do patrimônio ou à renda do agente público (vantagem patrimonial indevida) constitui
uma presunção relativa de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito.
A primeira dúvida que pode surgir é: mudou algo com a nova lei? Apesar dos
acréscimos na redação dos dispositivos, entende-se que não houve alteração do
conteúdo da norma como será demonstrado a seguir.
Iniciando a análise do texto legal, verif‌ica-se que para caracterização dessa
hipótese de improbidade administrativa, é preciso, em primeiro lugar, que haja a
aquisição de bem de qualquer natureza, portanto imateriais ou materiais, como imó-
veis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens
e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior.
prática de ato de improbidade administrativa, independentemente de provimento jurisdicional, porque a
penalidade administrativa não se confunde com a pena de perda da função pública prevista no art. 12 da
Lei 8.429/1992, esta sim aplicável exclusivamente pela autoridade administrativa. Neste sentido: STJ, MS
12.828/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 09.03.2016; STF, RMS 33.666,
Rel. Min. Marco Aurelio, Primeira Turma, julgado em 31.05.2016.
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