Sistemas Normativos x Sistemas Valorativos

AutorAlexandre Araújo Costa
CargoMestrando em Direito na UnB

Porque os pensamentos são para os desejos escoteiros e espiões que partem para longe e encontram caminhos que levam às coisas desejadas: toda a firmeza da noção da mente e sua rapidez provindo daí.

Hobbes, Leviatã

"Reason is calculative; it can assess truths of fact and mathematical relations and nothing more. In the realm of practice, it can speak only of means. About ends it must be silent."1

MacIntyre, After Virtue

A partir dessas idéias, propomos a diferenciação entre Moral e Direito, tendo como critério de distinção os seus objetos.

Normalmente, as diversas teorias que buscam diferenciar o Direito da Moral concluem pela identidade - ao menos parcial - dos objetos das normas jurídicas e morais, ou seja, das situações de fato a que essas normas se referem. A norma "é proibido matar", por exemplo, participaria tanto do sistema moral como do jurídico. Dessa forma, buscam-se diferenciações fundadas em outros aspectos, como a origem da norma e/ou a espécie de sanção ligada ao seu descumprimento.

Sustentamos, contudo, que as normas jurídicas e morais podem ser distinguidas a partir do seu objeto. Proporemos, nesse texto, uma diferenciação entre diversos sistemas - conjuntos harmônicos de enunciados - que chamaremos de Direito, Direito Positivo, Moral, Ética, Justiça e Licitude. A partir dessa diferenciação, analisaremos as relações entre esses sistemas, com o objetivo de promover um entendimento mais adequado sobre como a Ciência do Direito deve encarar o seu objeto: o Direito.

Objeto da Moral

Admitamos, inicialmente, que apenas pode ser considerado moral o ato praticado por escolha do agente. Assim, a ação praticada sem influência da vontade será amoral - não passível de qualificação moral. Nesse caso enquadram-se, por exemplo, os atos praticados por coação ou necessidade.

Admitamos, também, que uma conduta será moral apenas quando a vontade de praticá-la - seja uma ação ou omissão - envolva um juízo sobre a moralidade do ato. Não se afirma aqui que a moralidade deve ser o único fundamento para a prática do ato, mas apenas que a moralidade é ligada ao desejo, ao sentimento que faz com que a pessoa escolha se conduzir de um certo modo. Portanto, afirmar que um ato é moral implica reconhecer que ele é fundado em motivações éticas.

Teríamos, assim, que quando o predicado ser moral fosse ligado a um desejo, designaria diretamente uma qualidade da motivação - por exemplo: querer matar alguém é imoral. Porém, quando essa característica fosse atribuída a um ato - p.ex: matar alguém é imoral -, não se referiria à conduta em si, mas à volição que lhe deu origem, sendo equivalente a matar alguém é realizar um desejo imoral. Percebemos, assim, que a qualidade ser moral pode ser utilizada em dois níveis diferentes: no primeiro caso, temos uma referência direta à motivação, enquanto no segundo ocorre uma referência indireta à volição.

É preciso reconhecer que a Moral, embora disponha apenas sobre desejos, relaciona-se também com os fatos, na medida em que a conduta humana é um agir orientado por motivações. Todavia, a sua influência sobre os fatos é indireta, mediada pela sua influência sobre a vontade.

Objeto do Direito

Admitido que o Direito relaciona-se apenas com fatos, a possibilidade de classificar um ato como ilícito deveria ser independente da motivação? Se respondêssemos afirmativamente, poderíamos ser objetados pelo argumento de que a vontade é um critério essencial para qualificar certos atos como ilícitos - p.ex: a necessidade da existência de dolo para que se configure um fato típico, na área penal, ou uma obrigação de indenizar, na área cível.

Todavia, o que qualificamos como lícito ou ilícito...

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