Limites subjetivos da coisa julgada e os reflexos em relação a terceiros

AutorAnna Luisa Walter de Santana
CargoBacharel em Direito pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Mestranda em Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Páginas63-69

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1 Introdução

Os limites da coisa julgada têm origem no direito romano. No que se refere aos limites subjetivos da coisa julgada, o Código de Processo Civil possui regra expressa em seu artigo 472, afirmando que a formação da coisa julgada se limita às partes envolvidas no processo, não prejudicando nem beneficiando terceiros. Contudo, tal disposição não é suficiente para se enfrentar os problemas práticos advindos da limitação subjetiva da coisa julgada. Isto porque as relações jurídicas não são independentes; diversas vezes estar-se-á diante de casos onde terceiros serão atingidos pelos efeitos da sentença. Para resolver tais questões, a doutrina se dedicou ao estudo dos limites subjetivos da coisa julgada e seus reflexos em relação a terceiros.

Diante das mais diversas interpretações sobre o problema dos limites subjetivos da coisa julgada e os reflexos em relação a terceiros, pretende-se trazer, ao presente artigo, o escólio dos mais expoentes autores, fazendo, ao final, uma análise de cada corrente defendida.

2 Limites Subjetivos -Alguns Dados Históricos

Conforme escólio de Vicente Greco Filho (1995), nas primeiras fases do direito processual romano, isto é, no período das legis actiones e per formulas, não havia preocupação com os limites subjetivos da coisa julgada. Resolver a problemática de quem era atingido pela imutabilidade da sentença era desnecessário, já que as sentenças eram um acordo extraprocessual de submissão à decisão do magistrado. É no período da cognitio extraordinária que começam a surgir problemas envolvendo a repercussão da coisa julgada perante terceiros. Isto porque se verifica, neste período, uma total intervenção do Estado para resolução dos conflitos de interesse. Surge então a fórmula res inter alios acta nec nocet prodest (a decisão proferida perante outros nem prejudica nem beneficia).

O principio se justifica no mais elementar sentimento de justiça. A sentença proferida no processo, traduzinduz à vontade da lei para as partes envolvidas na lide. Terceiros, estranhos ao processo, entretanto, os quais até mesmo podem ignorar a existência deste, e cujos direitos são regulados e tutelados pela lei, estão livres de subordinação à sentença, que é lei entre as partes, e contra a qual poderão reagir quando esta os prejudicar (SANTOS, 2001).

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Explica ainda Greco Filho (1995) que, no direito germânico que dominou a Europa após a queda da Roma Ocidental, as decisões eram, tão-somente, interpretações da vontade divina. Assim, alcançavam todos. No final da Idade Média, o problema passa a ser tratado de acordo com os casos levados à apreciação. Se a relação jurídica decidida atingisse os terceiros acessoriamente, estes seriam atingidos pela coisa julgada.

Diante da inconsistência da doutrina medieval, Savigny desenvolve a teoria da representação, na qual aduz que a coisa julgada seria estendida àqueles terceiros que, através da representação, estivessem como partes ou tivessem seus interesses representados no processo por uma das partes (SANTOS, 2001).

Em face das críticas tecidas à teoria da representação, Ihering desenvolve a teoria dos efeitos reflexos da coisa julgada. Para Ihering, todo ato jurídico produz efeitos diretos e indiretos. Valendo-se destas lições, os estudiosos alemães desenvolveram a teoria dos efeitos reflexos da coisa julgada, afirmando que além dos efeitos diretos, a coisa julgada produz efeitos indiretos em relação a terceiros que, embora não previstos, são inevitáveis (SANTOS, 2001).

3 Apontamentos sobre a Doutrina Nacional e seu Posicionamento

A doutrina brasileira ainda parece reticente no que se refere aos limites subjetivos da coisa julgada e seus reflexos em relação a terceiros.

A regra no processo civil está disposta no artigo 472 do CPC:

A sentença faz coisa julgada entre as partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Os vocábulos parte e terceiros, neste texto, são empregados em sentido puro, para designar aquele que esteve e aquele que não esteve integrado à relação processual em que foi dada a sentença. (DINAMARCO, 2002, p. 317).

Neste sentido, Dinamarco (2002, p. 317) afirma que se consideram vinculados ao processo autor, réu, litisconsortes ativos ou passivos, aquele que haja feito intervenção litisconsorcial voluntária, opoente, litisdenunciado, chamado e nomeado.

Embora seja unânime na doutrina que a coisa julgada só atinge as partes, em função de regra expressa do Código, não se pode negar que, em razão das conexidades das relações jurídicas, terceiros poderão ter suas esferas atingidas por determinadas decisões. Portanto, na vida prática, a regra do artigo 472 do CPC não basta para resolver todas as questões envolvendo o tema.

Como se observou, desde o direito romano, a doutrina vem criando fórmulas para resolver a problemática dos limites subjetivos da coisa julgada, classificando terceiros e desenvolvendo a idéia de eficácia da sentença. De fato, a resolução para esta questão passa, necessariamente, pela eficácia da sentença.

Na doutrina brasileira, não foi diferente, todos os processualistas se ocuparam do tema, emprestandolhe as mais variadas interpretações.

Liebman (1981), ao tratar dos limites subjetivos da coisa julgada, fundamenta todo seu pensamento na diferença entre eficácia da sentença e autoridade da sentença. Para o autor, eficácia da sentença é tãosomente sua capacidade de produzir os efeitos advindos da decisão e autoridade da coisa julgada é aquilo que se acrescenta aos efeitos da sentença para torná-los imutáveis.

Para abordar o tema, Liebman (1981) enfrenta duas questões: a da eficácia da sentença perante terceiros e a coisa julgada em relação a terceiros. Toda resolução do problema que visa demonstrar os efeitos reflexos da coisa julgada perante terceiros tende ao insucesso, porque, se a própria coisa julgada não é efeito da sentença, não poderá ser para terceiros nem por via direta nem por via reflexa.

O autor analisa o problema dos limites subjetivos reafirmando sua distinção entre eficácia natural da sentença e coisa julgada: a primeira resulta da idoneidade natural dos atos estatais e a segunda é a qualidade da sentença - restrita às partes.

As partes, como sujeitos da relação, são as primeiras que sofrem a eficácia da decisão, mas não existem motivos para excluir terceiros que também podem sofrer a eficácia da decisão. Isto porque o juiz, ao prolatar a decisão, atua em nome do Estado declarando a vontade da lei ao caso concreto.

[...] desde que recebe a sentença a sua eficácia do poder soberano da autoridade em cujo nome é pronunciada, da qualidade pública e estatal do órgão que a prolata (visto que já se logrou a plena consciência desta verdade), seria de todo em todo inexplicável que valesse ela só para um e não para todos como formulação da vontade do Estado no caso concreto. (LIEBMAN, 1981, p. 125).

Para Liebman, já que o processo não é negócio combinado em família e produtor de efeitos somente para as partes indicadas e, sim, atividade pública para garantir a observância da lei, devem todos se sujeitar à sentença. Assim, abstratamente, todos estão sujeitos à eficácia da sentença, mas praticamente só sofrerão seus efeitos aqueles em cuja esfera jurídica têm alguma relação com o objeto da sentença.

As partes serão de logo atingidas pelos efeitos da sentença, e depois, gradativamente, todos cujos direitos estão de certo modo em relação de conexão, dependência ou interferência prática ou jurídica com a relação decidida.

Para Liebman (1981, p. 126), entre as partes e terceiros só há esta grande diferença: que para as partes, quando a sentença passa em julgado, os seus efeitos se tornam imutáveis, ao passo que para os terceiros isto não acontece (grifo do autor).

Ocorre, porém, que, embora a sentença seja um comando estatal que afirma a vontade da lei, o juiz, ao decidir, pode cometer erros. Assim, a eficácia natural da sentença, quando for considerada independente da coisa julgada (relativa a terceiros), está subordinada à sua conformidade com o direito. Tal conformidade se presume e o contrário deve ser demonstrado.

Assim, segundo Liebman (1981, p. 141), os efeitos da sentença para terceiros se produzem com menor intensidade, "porque podem ser em cada caso repelidos

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pela demonstração de que a vontade do Estado é, em realidade, diferente da declarada".

Nem todos os terceiros podem repelir os efeitos da sentença, demonstrando a injustiça da decisão. Só é possível que terceiros que tenham interesse jurídico se...

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