Superando barreiras e preconceitos: trajetórias, narrativas e memórias de mulheres esportistas

AutorCláudia Maria de Farias
Páginas79-99
Niterói, v. 10, n. 1, p. 79-99, 2. sem. 2009 79
SUPERANDO BARREIRAS E PRECONCEITOS:
TRAJETÓRIAS, NARRATIVAS E MEMÓRIAS
DE MULHERES ESPORTISTAS
Cláudia Maria de Farias
Universidade Federal Fluminense
E-mails: cmdfarias@yahoo.com.br
cdfarias@ig.com.br
Resumo: O trabalh o reafirma a impor-
tânc ia d os e studos de gênero pa ra a
compr eensão dos proces sos históric os
contemporâneos por meio dos quais se
deu a inserção, permanência e ampliação
da participação das mulheres no campo
esportivo brasileiro, entre os anos de 1960
e 1970. Por meio das narrativas orais de
duas atletas – Eliane Pereira de Souza e
Aída dos Santos –, são examinadas as múl-
tiplas intersecções do gênero com outros
compon entes de di ferenci ação social ,
tais como: classe, raça/etnia e geração,
fundamen tais pa ra a reconstruç ão das
experiências que marcaram os projetos,
as carreiras, trajetórias e memórias dessas
mulheres durante a vigência da ditadura
militar brasileira.
Palavras-chave: mulheres esportistas; rela-
ções de gênero; emancipação feminina.
Considerações iniciais
Marcada por um distanciamento crítico em relação à abordagem ma-
crossocial que, com seus modelos estruturalistas e globalizantes, dominou por
muito tempo o cenário da pesquisa em história e em ciências sociais, a escala
microanalítica inscreve-se hoje como orientação metodológica necessária para
restaurar o papel dos indivíduos na construção dos laços sociais. De acordo com
Chartier (1994, p. 102), o objeto da história, portanto, não são, ou não são mais,
as estruturas e os mecanismos que regulam, fora de qualquer controle subjetivo,
as relações sociais, e sim as racionalidades e as estratégias acionadas pelas
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comunidades, as parentelas, as famílias, os indivíduos. Dessa forma, ao revelar
os desvios, as tensões, as negociações e discordâncias existentes entre os indi-
víduos e os grupos e os sistemas normativos de uma sociedade, a micro-história
pretende trazer à tona a experiência de sujeitos sociais até então excluídos da
investigação histórica, como as mulheres e os segmentos populares, ampliando
o foco sobre as múltiplas faces das desigualdades e redefinindo os clássicos
paradigmas sobre os sistemas de poder e subordinação. Com efeito, a grande
reviravolta da história nas décadas de 1970/1980 – favorecida também pelo
boom da história cultural –, contribuiu para o desenvolvimento da história das
mulheres, acirrado ainda mais pelo recrudescimento do movimento de liberação
das mulheres, a partir dos anos 1960/1970.1
Como reflexo da ampliação dos horizontes da disciplina e dos debates
instalados no interior do próprio movimento feminista, a partir do final da dé-
cada de 1970, a categoria gênero surgiu como “uma maneira de indicar as
construções sociais: a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis
próprios aos homens e às mulheres”, refutando, portanto, as explicações bioló-
gicas que legitimavam o caráter essencialista, a-histórico, fixo e permanente da
diferença e hierarquização entre os sexos (SCOTT, 1996). Sublinhando o aspecto
relacional entre as mulheres e os homens, na medida em que a compreensão
de qualquer um dos dois não pode ser realizada em separado, bem como
reavaliando a perspectiva dos enfoques que enfatizavam a vitimização ou a
rebeldia feminina, a questão do gênero contribui sobremaneira para se buscar
a complexidade da atuação das mulheres ao introduzir também as diferenças,
os conflitos e os deslocamentos de poder provocados pelas articulações com
outras categorias, como classe, raça/etnia e geração (SOIHET, 1997, p. 277-79).
Assim, a fragmentação de uma identidade universal entre as mulheres pôde
revelar outras relações sociais de hierarquização e dominação, para além das
divisões de poder entre os sexos.2 Segundo as historiadoras Rachel Soihet e
Joana Pedro,
inúmeras foram as contradições que se manifestaram, demonstrando a impossibilidade
de se pensar uma identidade comum [...] de uma postura inicial em que se acreditava
na possível identidade única entre as mulheres, passou-se a outra, em que se firmou a
certeza na existência de múltiplas identidades. (SOIHET; PEDRO, 2007, p. 287)
Com efeito, as contribuições recíprocas entre a história das mulheres e
o movimento feminista deram lugar às pesquisas de novos temas ligados ao
1 Para maiores informações sobre os fatores científicos, sociológicos e políticos envolvidos no
nascimento de uma história das mulheres, ver PERROT, Michelle. “Escrever a história das mulheres”.
Minha história das mulheres. São Paulo: Editora Contexto, 2007. p. 19-20
2 COSTA, Suely Gomes. Gênero e história. In: ABREU, Martha e SOIHET, Rachel. (orgs.). O ensino de
história: conceitos, temáticas e metodologias. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2004, p. 196
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