Superendividamento e gênero: entre números, problemas e soluções

AutorDaniel Bucar, Caio Ribeiro Pires e Carolina Kosma Krieger
Páginas245-266
227
Capítulo 9
SUPERENDIVIDAMENTO E GÊNERO:
ENTRE NÚMEROS, PROBLEMAS E SOLUÇÕES
Daniel Bucar1
Caio Ribeiro Pir es2
1. Introdução
O fenômeno que diz respeito às altas cargas de dívidas incidentes
sobre o patrimônio da pessoa humana -e suas mais variadas feições - é fato
cotidiano na realidade brasileira. Da mesma forma, destacam-se, cada vez
mais, discussões relativas ao seu impacto no direito, devido ao consequente
inadimplemento das obrigações e sua repercussão jurídica.
Quando a situação se desenvolve em estágio de insolvência, o qual
se caracteriza por um patrimônio com passivo maior que os ativos,
apresenta-se o superendividamento. Diante deste “estado de coisas”,
caberá ao judiciário encontrar soluções de efetiva desoneração do
insolvente, evitando impedir o exercício de sua capacidade e da liberdade
negocial.
Diante desta tarefa, identificar as causas do superendividamento
guarda certa importância, embora, para aplicação de remédios adequados,
não seja exigível um juízo de “culpado” ou “inocente”. Não se trata aqui
de justificar o tratamento da insolvência e determinar quem receberá, ou
não, a benesse de livrar-se das sanções para além da excussão de seu
patrimônio. Afinal, fomentar esta hermenêutica constituiria inadmissível
1 Doutor pela Universidade do Estado do Rio d e Janeiro UERJ. Professor Titular de
Direito Civil no IBMEC/RJ.
2 Mestrando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ.
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ressureição dos castigos ao corpo, apenas afetando agora outras liberdades
fundamentais, orientação vedada em sede constitucional3.
Em verdade, cuida-se de análise cujo objetivo é promover o melhor
adimplemento das obrigações existentes e a estabilidade da reabilitação
patrimonial. Por meio deste expediente é possível auferir a persistência de
fator, único ou preponderante, o qual poderá originar sucessivas ocasiões
de insolvência, além de obstar a otimização no pagamento da coletividade
de credores. Neste sentido, são exemplos de origem do endividamento
crítico a contínua concessão abusiva de crédito ou o cumprimento de
contratos excessivamente onerosos.
Ato contínuo à localização deste elemento, será imprescindível
utilizar-se de alguns institutos jurídicos como reação às consequências dele
advindas, as quais dificultam um tratamento eficaz dispensado ao
superendividamento. Nos casos anteriormente citados destaca-se a
responsabilização das instituições financeiras e o dever de renegociar as
prestações desequilibradas.
Porém, tais estudos não encobrem todas as hipóteses de influência
negativa sobre o patrimônio da pessoa humana contra as quais o direito
oferece instrumentos de proteção. O perfil traçado pelo Serviço de
Proteção ao Crédito (SPC), anualmente, a partir de dados sobre o
endividamento no Brasil, anuncia outros cenários onde esta perspectiva se
desenha.
Sob este prisma, o presente trabalho pretende investigar a razão de,
nestes relatórios, constatar-se a existência de uma maior quantidade de
pessoas pertencentes ao gênero feminino superendividadas, em relação ao
gênero masculino. Desta forma, mediante o cruzamento de dados
questionou-se qual a relação destes números com o desemprego, o
divórcio, e os efeitos de ambos.
No sentido desta questão, o exame de estatísticas fornecidas pelo
Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE) e também da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre pedidos de alimentos,
poderá demonstrar o ponto de encontro que esta pesquisa apurou. Com
base nestas informações, permite-se enxergar a concreta posição da mulher
3 BUCAR, Daniel. Superendividamento: reabilitação patrimonial da pessoa humana. São
Paulo: Saraiva, 2017, p. 169.

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