Importação de técnicas de recursos humanos: problema ou solução?

AutorAlexandre Santos, Rafael Diogo Pereira, Daniel Calbino, Thiago Duarte Pimentel
CargoMestre em Administração pela UFMG. - Mestre em Administração pela UFMG. - Mestre em Administração pela UFMG. - Mestre em Administração pela UFMG.
Páginas144-162

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Alexandre Santos 1

Rafael Diogo Pereira 2

Daniel Calbino 3

Thiago Duarte Pimentel 4

1 Introdução

O uso de técnicas importadas de Gestão de Pessoas no Brasil se apresenta como uma espécie de paradigma, que serve de legitimação e solução de problemas diante da crença de que bom? e moderno? é gerado

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no primeiro mundo; caso contrário é anacrônico (SERVA, 1992). Nesse sentido, Tonelli e Caldas (2004) apregoam que a fonte de inspiração do RH, assim como de outras áreas no mundo acadêmico brasileiro, é o estrangeiro. Consoante com esses autores, Vergara e Pinto (2001), em seu estudo sobre a nacionalidade dos autores referenciados na literatura brasileira, demonstram que esta literatura é baseada em autores estrangeiros e, além disso, que o uso da importação de autores? vem aumentando. No ambiente dos gestores, Motta et al. (2000) dizem haver valorização de modelos organizacionais, metodologias e teorias geradas externamente – os autores defendem, inclusive, que o valor dado é em demasia e que não há preocupação com a funcionalidade desses modelos em nossa realidade.

Desse ambiente emergem algumas inquietações: quais as possíveis consequências da aplicação, em organizações, de técnicas importadas de gestão, ou, mais especificamente, de modelos estrangeiros de RH para administração de pessoal que não foram construídos tendo como base o ambiente sociocultural brasileiro? Qual o grau de eficiência dessas técnicas, ou modelos, aplicados nas empresas? Funcionariam? Conceberiam soluções, ou gerariam problemas? Notase que é um momento pertinente para se refletir sobre a eficácia de tais técnicas e suas implicações sobre a área de Recursos Humanos (RH) do Brasil.

Assim, este ensaio teórico, no qual a metodologia utilizada foi uma revisão bibliográfica da literatura referente aos modelos de gestão de pessoas, pretende incitar uma reflexão acerca da utilização, no Brasil, de técnicas importadas para gestão de pessoas – de aplicação pela área de Recursos Humanos. A discussão acontece em torno da premissa de que, devido às diferenças contextuais e socioculturais, as técnicas importadas de gestão de capital humano tendem a ser pouco efetivas no Brasil.

O princípio de que o fator humano é a materialização e reflexo do contexto e do caráter do meio social onde se vive, justifica a atenção dada ao RH, ainda mais sob a perspectiva da sensibilidade do fator humano como o termômetro do choque contextual e sociocultural causado pela base conceitual importada. Ademais, de acordo com Barbosa (2004), a área de RH tem passado por uma crise histórica de identidade, de base epistemológica e de relevância política, o que reforça a arguição, emitida por Thiollent (1987), Burrell e Morgan (1979), Sale et al. (2002), e Rey (2005), de que em todas as ciências, a reflexão sobre os pressupostos teóricos é indispensável.

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Ressaltase que este trabalho não busca mensurar ou tampouco fornecer uma resposta definitiva às indagações levantadas, mas sim refletir acerca do fato de que a implementação de técnicas importadas de RH deve ser repensada; bem como refletir a qual destino o processo de importação pode remeter o RH brasileiro; pois há sistemático subdesenvolvimento teórico e aplicado dessas teorias no Brasil, o que se traduz em resultados pouco efetivos e em uma pouca expressividade da própria área de RH, que, muitas vezes, é relegada ao segundo plano nas organizações.

Além dessa breve introdução, este artigo está organizado em mais sete partes: (1) a primeira seção [fundamento central] busca demonstrar a influência da questão contexto?, o que remete à constatação de que as técnicas importadas de gestão de pessoas, na maioria das vezes, não se adequam às peculiaridades históricosociais brasileiras, já que não foram concebidas para ela (MOTTA et al., 2000), ou que a temática do Brasil não é apropriada à sua realidade (SERVA, 1992). A funcionalidade da base importada esbarra sempre na diferença entre o ambiente da nacionalidade onde ela nasce e o ambiente da nação onde será aplicada. Essa mesma diferença é o ponto de apoio e fundamento da questão sobre a eficácia da teoria – diante das diferentes características dos contextos, que de destoantes tornamse antagônicos, nasce uma incômoda desconfiança sobre o seu funcionamento. (2) A segunda seção busca dar apoio ao pressuposto do estudo ao abordar o produto importado estereotipado e sua necessidade de adaptação. Este momento do trabalho visa destacar o uso irresponsável da importação e alguns motivos para tal ato. (3) A parte seguinte reforça a ideia da exclusividade das características do Brasil, para que, dessa forma, sejam levantadas algumas questões fundamentadas em Thiollent (1987) quando chama a atenção para o fato de que o contexto social confere validade e interpretação no bojo do estudo – a compreensão e abstração dos mais diversos temas são variáveis dependentes da cultura, uma vez que isso remonta a pontos de vista diferentes e, por conseguinte, diferenças sistemáticas de categorização e classificação dos atores sociais. De acordo com Fleury et al. (1989), a cultura tem a capacidade de ordenar, atribuir significações e construir identidade. Por conseguinte, (4) a quarta parte apresenta o pano de fundo do contexto brasileiro, que serve para legitimar o jeitinho brasileiro?. (5) Em seguida, é ressaltado, em contraposição com a postura assumida até então – justamente para incitar a reflexão – que há como adaptar o produto importado; ou então que (6) a cópia de técnicas importadas, à luz da teoria do neoinstitucionalismo

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sobre processos isomórficos, pode resultar em inovações não intencionais, cuja eficiência tem caráter constante. (7) Por fim, são tecidas algumas considerações às quais este ensaio teórico permitiu chegar.

2 Uma Questão de Contexto

O sentido que o termo contexto assume é o de um ambiente externo à determinada sociedade – classe, grupo, nacionalidade, etc. – dotado de nuances subjetivas que modelam o formato dessa sociedade, tais como modos de pensar, de agir, de se organizar, de relacionamento, etc. Está intimamente relacionado com a designação de cultura, que segundo Fleury et al. (1989) tem a capacidade de ordenar, atribuir significações e construir identidade. Assim como tal, o contexto é um conjunto de elementos – valores, crenças e pressupostos, ritos, rituais, cerimônias, histórias, mitos, tabus, heróis, normas e comunicação – que proporcionam diferentes comportamentos e interpretações, ao mesmo tempo em que influenciam e moldam esses comportamentos e interpretações. Uma sutil diferenciação é que o contexto, para entendimento deste trabalho, se liga a um período de tempo, a um determinado momento histórico – mesmo que seja o presente. Nesse ponto, distinguese da cultura, considerando que a última é construída ao longo de um processo histórico. Desse modo, o contexto é elemento construtivo da cultura.

A discussão sobre o contexto vivido por determinada sociedade e suas implicações remete à discussão presente no embate da evolução do processo epistemológico em torno da objetividade nas ciências humanas. Entretanto, um parêntese é necessário: a discussão do processo epistemológico é demasiadamente mais profunda e complexa do que a abordada. As ideias aqui apresentadas, embora sejam expressas pelos autores, têm sua relevância relegada a segundo plano ao longo de suas retóricas.

Mannhein (1982) trata da importância do contexto para a construção de um efetivo conhecimento ao discorrer sobre o vínculo entre ciência e ideologia. A ideologia, tratada aqui no âmbito total, referese ao modo de uma classeI – sociedade – ver o mundo. Cada classe possui uma ideologia, que não é falsa nem verdadeira, mas descreve a composição total da mente de um grupo, i.e., as ideias – por serem função de quem as têm, indicam que estratos sociais diferentes pensam categorias diferentes, através de modos de experiência e interpretação amplamente diferentes. Nesta linha de raciocínio,

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Schaff (1983) fala em fator subjetivo – cultura, contexto histórico, realidade social, etc. Esse autor argumenta que o quadro da realidade de cada classe é diferente, possui peculiaridades que são agentes de diferenciação individual, portanto implica um plano de estereótipos. Corroborando com a construção desse cenário, Weber (1973), com sua ideia de juízos de valorII, afirma que os significados variam de acordo com o caráter da cultura e do pensamento, ou seja, são dotados de subjetividade. A significação tornase um fenômeno que adquire sentido lógico apenas à uma parte finita [a sociedade]. Neste sentido, os elementos da realidade são valores de uma dada cultura, i.e., um segmento finito e destituído de sentido próprio do mundo, onde o pensamento confere ao indivíduo um sentido e uma significação.

O aspecto mais discutido pelos autores presentes nesse debate é a influência que o pesquisador sofre da sua sociedade e, portanto, dos contextos nos quais está inserido. A preocupação navega na busca pelo conhecimento, onde o cientista, mesmo inconscientemente, visa atender às exigências e necessidades de seu contexto particular; sua ciência e seu conhecimento são norteados para as respostas das inquietações de suas classes? específicas, seu aspecto sociocultural. A grande questão levantada é: as proposições e assertivas são universais? Respondem tão eficazmente às indagações de outros contextos?

Ao que parece, a resposta énão?, pois os autores postos buscam constantemente chamar a atenção à tendência de que o conhecimento construído seja fundamentado em proposições e hipóteses em acordo com os caracteres do contexto sociocultural vivido pelo cientista, visto...

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