A conversação sobre temas políticos em contextos comunicativos do cotidiano

AutorÂngela Cristina Salgueiro Marques, Rousiley Celi Moreira Maia
CargoDoutora em Comunicação Social pela UFMG. - Professora Adjunta do Departamento de Comunicação Social da UFMG
Páginas143-175
Artigo
A conversação sobre temas políticos em
contextos comunicativos do cotidiano
Ângela Cristina Salgueiro Marques*
Rousiley Celi Moreira Maia**
1. Introdução1
Estudos desenvolvidos por pesquisadores – notadamente das
áreas de Ciência Política, Filosofia Política e Comunicação Social
– têm demonstrado especial interesse pelo papel que as interações
comunicativas desempenham em contextos em que os indivíduos
buscam desenvolver, rotineiramente, capacidades e habilidades
vinculadas à participação política e à construção da cidadania (GA-
MSON, 1992; HABERMAS, 1997; MANSBRIDGE, 1999; SCHEUFELE,
2000; WYATT, KATZ & KIM, 2000; CONOVER, SEARING & CREWE,
2002). Esses trabalhos mostram que formas específicas de interação
discursiva, como a conversação e a discussão, são essenciais para a
* Ângela Cristina Salgueiro Marques é Doutora em Comunicação Social pela
UFMG. Atualmente, realiza um estágio pós-doutoral no Groupe de Recherche
sur les Enjeux de la Communication (Gresec), na Université Stendhal Grenoble III
(França). Atua também como pesquisadora do Grupo de Pesquisa sobre Mídia
e Esfera Pública (EME) do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
da UFMG. Endereço eletrônico: angelasalgueiro@gmail.com.
** Rousiley Celi Moreira Maia é Professora Adjunta do Departamento de Co-
municação Social da UFMG, Doutora em Ciência Política pela University of
Nottingham (Inglaterra) e Coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Mídia e
Esfera Pública (EME) do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
da UFMG. Endereço eletrônico: rousiley@fafich.ufmg.br.
1 Este trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes). Agradecemos as contribuições e obser-
vações feitas pelo Professor Wilson Gomes e pelos pesquisadores do Grupo de
Pesquisa sobre Mídia e Esfera Pública (EME) da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) à primeira versão do texto, especialmente a Ricardo Mendonça,
Hellen Castro e Dilvan Azevedo.
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Nº 12 – abril de 2008
criação de modos mais complexos de entendimento de situações,
políticas públicas, programas ou questões problemáticas relativas à
vida cotidiana dos cidadãos. Tais estudos, contudo, ao procurarem
evidenciar as contribuições da discussão política ou da conversação
cotidiana à democracia deliberativa, não exploram a dinâmica das
trocas comunicativas que se dão entre parceiros dialógicos localiza-
dos em esferas de maior invisibilidade social com a devida atenção.
O foco ainda persiste nos discursos que compõem o fluxo principal
(mainstream) das questões de ampla publicidade.
Vários autores evidenciam que as capacidades cognitivas
e críticas, além das oportunidades participativas, necessárias à
deliberação política em esferas públicas são restritas a grupos
e indivíduos desfavorecidos com relação a questões de gênero,
classe social, idade e raça (FRASER, 1992; BOHMAN, 1996; YOUNG,
1996). Nesse sentido, as mulheres, os pobres e as pessoas idosas
demonstrariam preferência por estabelecer conversações em
espaços protegidos e privados, de modo que se identificassem
conflitos e melhor se entendessem suas necessidades (CONOVER,
SEARING & CREWE, 2002). Esses indivíduos, justamente por não
conseguirem enviar suas demandas a espectros mais visíveis da
esfera principal de debate, são considerados, de antemão, inap-
tos às atividades políticas e, portanto, incapazes de construir um
tipo de autonomia que os permita ser considerados igualmente
capazes de formular, expressar e defender seus argumentos diante
dos outros (MARQUES & MAIA, 2007).
Ao partirmos dessa premissa, tínhamos como propósito
investigar o modo como mulheres pobres produzem sentido coleti-
vamente acerca de questões políticas sobre as quais, supostamente,
teriam pouca informação. Se, a princípio, as conversações travadas
em contextos rotineiros de interação são apontadas como ativida-
des essenciais para a formulação e o aprimoramento de atitudes
democráticas e cívicas, seria possível esperar um comportamento
crítico e reflexivo dessas mulheres? Em que contextos elas teriam
oportunidades de desenvolver conjuntamente seus interesses e
chegar a entendimentos acerca de temas políticos que as afetam
diretamente? Instigou-nos, ainda, investir em uma pesquisa empírica
que reunisse mulheres que, além de pobres, fossem beneficiárias de
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políticas sociais de transferência de renda, como o Programa Bolsa-
Família2. A nosso ver, além de inaptas para a política, essas mulheres
também são consideradas “inúteis” para a produção econômica, uma
vez que não trabalham (PAUGAM, 1993; TELLES, 1999).
Diante do quadro acima esboçado, realizamos grupos de
discussão em duas cidades da Região Sudeste do Brasil – Belo Ho-
rizonte (MG) e Campinas (SP) –, nas quais o Programa Bolsa-Família
encontra-se em diferentes estágios de implementação. Neste artigo,
nosso interesse está menos na realização de uma análise do referido
Programa do que no entendimento da dinâmica da troca discursiva
na qual as beneficiárias, reunidas em espaços que freqüentam roti-
neiramente, estabelecem momentos em que a conversação sobre
temas rotineiros e dramas pessoais dão lugar à atividade crítica de
defesa de posições e identificação de divergências que são assumi-
das ou silenciadas. Buscamos explorar, em particular, o modo pelo
qual essas características da troca dialógica apresentam importantes
contribuições para os processos democráticos de formação de cida-
dãos autônomos e aptos a tematizarem suas questões em esferas
públicas deliberativas mais amplas.
Este artigo está estruturado em três partes: na primeira,
recuperamos as discussões entre diferentes autores a respeito da
distinção entre as noções de “conversação política” e “discussão
política” e suas respectivas contribuições e obstáculos à delibera-
ção pública. Na segunda, exploramos a metodologia de grupos de
discussão como um instrumento capaz de revelar de que maneira
as conversações em contextos cotidianos e as discussões políticas
2 Criado em outubro de 2003, o Bolsa-Família representa hoje o principal sus-
tentáculo da política social do atual governo. Seus técnicos e idealizadores
apontam que o Programa foi concebido para atuar em duas frentes: distribuição
de recursos àqueles em situação de e xtrema pobreza e, num segundo passo,
incentivo à implementação municipal de alternativas emancipatórias ligadas
às condicionalidades do Programa, como cursos profissionalizantes, de alfa-
betização, manter as crianças na escola, motivar visitas aos postos de saúde,
incentivar a agricultura familiar etc. Não ignoramos que cada município brasi-
leiro possui modos distintos e dificuldades próprias de implementação dessas
alternativas, o que faz com que existam poucas experiências caracterizadas
como bem-sucedidas e muitos casos de fraudes e desvio de verbas. Para mais
detalhes acerca desse Programa, ver: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia.

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