A temática do candomblé no processo de ressignificação no grafite em Salvador

AutorValfrido Moraes Neto
Páginas47-56
A TEMÁTICA DO CANDOMBLÉ NO PROCESSO DE RESSIGNIFICAÇÃO NO GRAFITE
EM SALVADOR
Valfrido Moraes Neto*
1. INTRODUÇÃO
É possível que, transitando nas ruas da cidade de Salvador, você já tenha notado
algum desenho de grafite com um orixá imponente segurando uma lança, um espelho ou
um machado ornamentado por símbolos que remetem os transeuntes a objetos
característicos da religião afro-brasileira dos candomblés. No meio urbano de símbolos
visuais impregnados de imagens espalhados pelas avenidas urbanas, os grafites com os
orixás chamam a atenção pela exuberância dos seus personagens, pelo colorido das
suas vestimentas, adereços e objetos ligados à natureza e pelo tamanho que ocupam
nos muros em lugares centrais da cidade. Eles se impõem à sua frente, seja na figura de
Exu, Ogum, Oxum, Oxossi, ou mesmo na representação de todos juntos formando o
Panteão dos Orixás, composta pelas mais conhecidas entidades, tendo ao centro a
imagem de Oxalá, considerado o mais velho e respeitado entre todos.
Os orixás aparecem sempre com posturas imponentes, esguios, fortes e joviais, de
porte atlético, símbolo de força, vitalidade e beleza, semelhantes aos personagens das
estórias em quadrinhos, que são humanos, mas, ao mesmo tempo, possuem poderes
que os distinguem dos demais mortais. As imagens dos orixás grafitados nos muros da
cidade certamente passam por um significativo processo criativo, conservando
determinados traços que os caracterizam e (re)elaborando outros, modernizando-os,
através dos traços delineados pela lata do spray manuseada pelas hábeis mãos dos
grafiteiros. As entidades ostentam nos seus cabelos black (cheios, negros e crespos),
principalmente as figuras femininas, ornamentos que lhes conferem uma altivez de
realeza, de divindades, de deusas e deuses negr@s que dialogam com os seus
referenciais de ancestralidade africana, com as forças da natureza e com as
necessidades humanas de (re)ligar-se ao sagrado, às forças sobre-humanas, criadoras
do Universo através das religiões (Figura 1).
Os desenhos do grafiteiro Lee 27 que aqui serão analisados têm como tema
central a simbologia da cultura afro-brasileira, mas fortemente emblemática no que se
refere à população baiana, considerada o “berço” das tradições das religiões de matrizes
africanas no Brasil. É nesse fluxo e refluxo entre Bahia e África, e principalmente entre a
cidade de Salvador e a região do Recôncavo baiano, que a presença de elementos
oriundos da religião do candomblé se configurou aqui na Bahia, particularmente devido
ao grande número de escravos transportados para essas terras, originários de diversas
nações africanas durante mais de três séculos de escravidão no país.
2. CANDOMBLÉ E TRADIÇÃO
Mesmo após a abolição da escravidão em 13 de maio de 1888, o “povo de santo”
(como são conhecidos os adeptos do candomblé na cidade) ainda sofria perseguições e
represálias por realizar seus rituais e cultuar suas entidades, consideradas na época
como “atrasadas” e “primitivas”. Certamente, esta condição vem mudando ao longo dos
anos, com o reconhecimento dos seus princípios religiosos e liberdade de culto e das
práticas dos seus rituais em lugares adequados sem serem sistematicamente
discriminados ou até mesmo perseguidos pela polícia.
Muitos símbolos da tradição ligada aos cultos de religiões de matriz africana vêm
passando por transformações, modificados por seus adeptos e não adeptos através de

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