Terceira câmara cível - Terceira câmara cível

Data de publicação04 Outubro 2021
Gazette Issue2954
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Des. José Cícero Landin Neto
DECISÃO

8062043-52.2019.8.05.0001 Apelação Cível
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Apelante: Sueidy Mascarenhas Do Nascimento
Advogado: Gabriela De Jesus Silva Santos (OAB:0052487/BA)
Apelado: Fundo De Investimento Em Direitos Creditorios Nao Padronizados Npl Ii
Advogado: Thiago Mahfuz Vezzi (OAB:0042873/BA)

Decisão:

Cuida-se de Apelação Cível interposta por SUEIDY MASCARENHAS DO NASCIMENTO contra sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 6ª Vara de Relações de Consumo da Comarca de Salvador que, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Indenização por Danos Morais e Pedido de Tutela de Urgência nº 8062043-52.2019.8.05.0001, julgou o feito, nos seguintes termos: Isto posto, e considerando o que mais dos autos consta, julgo IMPROCEDENTE a presente ação. Vencida, responderá a autora pelas custas processuais e honorários advocatícios, que ficam arbitrados em 10% sobre o valor corrigido da causa, o que faço com fulcro no artigo 82, § 2º do Código de Processo Civil. Todavia, por ser ela beneficiária da justiça gratuita, fica sobrestado o pagamento correspondente aos ônus da sucumbência, de acordo com o art. 98, § 3º, também do referido diploma. Por último, embora seja a parte autora beneficiária da justiça gratuita, reputo-a litigante de má fé, condenando-a ao pagamento de 2% sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no artigo 81 do vigente Código de Processo Civil. Nada mais a ser examinado, declaro extinto o processo, com resolução do mérito, na forma do artigo 487, I do Código de Processo Civil”.

Ab initio, a recorrente pugna pela manutenção, na esfera recursal, da gratuidade da justiça deferida em primeiro grau de jurisdição, assim como pelo recebimento do apelo no duplo efeito.

Em suas razões recursais (ID 9674322), aduz que: a) a recorrida não trouxe qualquer prova acerca da exigibilidade do débito que originou a negativação do nome da recorrente nos órgãos de proteção ao crédito, configurando a conduta ilícita ensejadora do dano moral; b) a apelada não juntou qualquer documento de natureza bilateral, tendo apresentado tão somente telas sistêmicas, produzidas de forma unilateral, para embasar sua tese defensiva; c) tendo sido imputado débito à apelante de forma indevida, faz jus à indenização por danos morais; d) a existência de outras anotações restritivas em nome da apelante não tem o condão de afastar a condenação a título de danos morais, pois tal circunstância tem repercussão na fixação do valor condenatório; e) a negativação indevida gera dano moral in re ipsa, independente da demonstração do efetivo dano, que é presumido; f) ante todo o exposto, não há suporte fático-jurídico a ensejar a condenação da apelante por por litigância de má-fé, pois a conduta da recorrente não se enquadra nas hipóteses dos artigos 80 e 81 do CPC.

Apoiada em tais razões, pleiteia o provimento deste recurso, “no sentido de: I) declarar inexistente as dívidas questionadas; II) eximir a apelante do pagamento de multa por litigância de má-fé; III) obrigar a apelada a retirar o nome da apelante dos órgãos de proteção ao crédito; IV) Fixar os danos morais; V) alternativamente, acaso entenda incabível o dano moral, requer apenas que seja declarada a inexistência do débito, vez que comprovada sua insuficiência para exigibilidade. VI) condenar a recorrida ao pagamento de honorários advocatícios em 20% do valor da causa, em prol do profissional que subscreve esta peça pelo zelo e dedicação esboçados nesta ação”.

A parte apelada apresentou contrarrazões (ID 9674325), refutando os argumentos apresentados pela recorrente, pugnando pela manutenção da sentença.

Em primeiro plano, considerando que a gratuidade da justiça foi deferida em primeiro grau de jurisdição e, não tendo sido noticiada qualquer alteração no estado de hipossuficiência da requerente, mantenho a gratuidade da justiça na esfera recursal, com base nos arts. 98 e 99 do CPC, e também no ATO CONJUNTO N. 16, da Presidência do TJBA, de 08 de julho de 2020, onde esse Tema é analisado de forma pormenorizada.

No que tange aos efeitos em que a apelação será recebida, cumpre registrar que a regra é a de que o recurso seja recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo; excepcionalmente, porém, pode ser recebido apenas no efeito devolutivo.

Eis o inteiro teor do art. 1.012, do CPC:

Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.

§1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:

I - homologar a divisão ou a demarcação de terras;

II - condena a pagar alimentos;

III - extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado;

IV - julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;

V – confirma, concede ou revoga tutela provisória ”

Na espécie, o comando judicial não se enquadra em nenhuma das hipóteses elencadas no §1º, do art. 1.012 do CPC, ensejando, destarte, o recebimento da apelação no duplo efeito.

Tecidas tais considerações, cumpre analisar o mérito recursal.

A controvérsia estabelecida nos autos concerne em apurar se houve dano de ordem moral, proveniente de suposta inscrição indevida do nome da recorrente nos órgãos restritivos de crédito.

Em primeira ordem, deve-se esclarecer que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista e, portanto, deve ser solucionada à luz do Código de Defesa do Consumidor.

Desta forma, devem ser observadas as normas que criaram mecanismos de proteção ao consumidor, bem como de prevenção e repressão às costumeiras condutas abusivas.

Ademais, a legislação consumerista dispõe que a responsabilidade dos fornecedores é objetiva, razão pela qual, independentemente da existência de culpa, cabe a eles reparar os danos causados aos consumidores em razão de defeitos na prestação dos serviços. Estatui o art. 14 do CDC que:

Art. 14. O fornecedor de serviço responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre a fruição e riscos.”

E, no que concerne ao dano moral, ressalte-se que, para que haja obrigação de indenizar, necessária é a presença de três requisitos: a prática de um ato ilícito, um dano e o nexo de causalidade entre eles.

Realizadas tais considerações, é importante destacar que o pedido de indenização por danos morais fundamenta-se na inscrição do nome da apelante nos serviços de proteção ao crédito, em razão de dívida cuja origem ela alega desconhecer. Ora, diante da afirmação de que não reconhece o débito a ela atribuído, caberia a instituição financeira trazer aos autos elementos probatórios que atestassem a legitimidade da negativação do nome daquela.

Ora, seria impossível a recorrente comprovar que não contratou, ou que não possui dívida com a referida instituição, pois, além da hipossuficiência técnica de não ter como prová-lo, seria exigir dela prova de fato negativo absoluto, ou seja, impossível ou excessivamente difícil de ser provado, isto é, como daquelas provas descritas pelo direito canônico com o rótulo de "prova diabólica".

A respeito da matéria, leciona Celso Agrícola Barbi:

Com a ação declaratória negativa, verificou-se que nem sempre o autor afirma ter um direito, porque nela, pelo contrário, o autor não afirma direito algum, e apenas pretende que se declare a inexistência de um direito do réu. Assim, a distribuição do ônus da prova não pode ter como referência a posição processual de autor ou de réu, mas sim a natureza do fato jurídico colocado pela parte como base de sua alegação. Desse modo, na ação declaratória negativa da existência de um débito, o autor não tem o ônus de provar a inexistência do fato constitutivo do aludido débito. O réu, pretenso credor, é que deverá provar esse fato. Ao autor, nesse caso, incumbirá provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do mesmo débito, que porventura tenha alegado na inicial” (Comentários ao Código de Processo Civil, 1ª ed., v. I, Tomo I, Forense, Rio de Janeiro: 1975, p. 90).

Cumpre repisar que a irresignação da apelante cinge-se a existência de suposto débito, cobrado por empresa até então desconhecida, que inseriu seu nome no cadastro de inadimplentes.

Em nenhum momento a apelante nega a existência de relação jurídica com a empresa Natura Cosméticos. Todavia, não reconhece o débito em questão.

Ressalte-se que a apelada, no corpo da contestação, apresenta prints de telas de computador correspondentes a cessão de crédito efetuada com a Natura Cosméticos, concernente ao suposto débito. Porém, em nenhum momento comprova a origem da dívida, muito menos que foi dada ciência à apelante acerca da cessão de crédito.

Na hipótese, cumpria a apelada colacionar nos autos outros elementos de prova consistentes, não sendo crível dar validade às aludidas telas, por ela produzidas unilateralmente.

Ou seja, caberia à empresa comprovar a existência do fato que gerou mencionada dívida, o que não ocorreu na espécie, uma vez que não se poderia exigir de quem aponta um fato negativo comprovar negativamente esse fato. Portanto, deixou de apresentar conteúdo probante capaz de...

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