Terceira câmara cível - Terceira câmara cível

Data de publicação29 Maio 2020
Número da edição2624
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Des. José Cícero Landin Neto
DECISÃO

8012819-17.2020.8.05.0000 Agravo De Instrumento
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Agravado: Gildasio Barreto Santos
Advogado: Leonardo Fernandes Fallaci (OAB:0024997/BA)
Agravado: Leda Maria De Oliveira Santos
Advogado: Leonardo Fernandes Fallaci (OAB:0024997/BA)
Agravante: Geap Autogestao Em Saude
Advogado: Eduardo Da Silva Cavalcante (OAB:2492300A/DF)
Advogado: Gabriel Albanese Diniz De Araujo (OAB:2033400A/DF)
Advogado: Gabriela Da Cunha Furquim De Almeida (OAB:3654500A/DF)

Decisão:

O presente Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, foi interposto pela GEAP AUTOGESTÃO EM SAÚDE contra decisão proferida pelo M.M. Juiz de Direito da 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais e Fazenda Pública da Comarca de Dias D´Ávila que, nos autos da Ação Ordinária de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Antecipação de Tutela n.º 8000427-17.2020.8.05.0074, ajuizada por GILDASIO BARRETO SANTOS e LEDA MARIA DE OLIVEIRA SANTOS, ora agravados, assim dispôs: “Determino, portanto, à parte ré, em 24hs, sob multa diária de R$ 500,00, autorizar a realização do procedimento indicado na inicial. Visando dar um resultado efetivo à medida, fica autorizada a parte autora a providenciar orçamento para execução do serviço por via particular, para bloqueio da verba na conta da parte autora, caso esta não cumpra a decisão no prazo determinado, interrompendo-se a apuração da multa. O cumprimento da liminar pela parte ré deve ser informado ao juízo para efeito de delimitação do cálculo de eventual multa”.

A agravante sustenta, inicialmente, que a GEAP, enquanto operadora de saúde, é uma entidade de autogestão, e que sua premissa é a inexistência de lucro como finalidade existencial, motivo pelo qual não estão presentes a figura de consumidor e fornecedor e, por sua vez, a relação estabelecida entre as partes não se enquadra nos ditames consumeristas, mas nos preceitos da legislação específica, qual seja a Lei n. 9.656/98, e do Código Civil Brasileiro”.

Por tais razões, defende que, ante a ausência das essenciais figuras de uma relação de consumo, do não cabimento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor à presente demanda, e consequentemente, do instituto da inversão do ônus da prova, em consonância com a Lei n. 9.656/98 e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mostra-se TOTALMENTE INCOMPETENTE O JUÍZO A QUO QUE PROFERIU A DECISÃO AGRAVADA, EIS QUE TRATA-SE DE VARA DE RELAÇÃO DE CONSUMO, devendo a decisão ser revogada e declinada a competência para uma das Varas Cíveis da Comarca de Salvador/BA.

Alega também que: a) todo o rol de procedimentos e eventos de saúde é regulamentado pela ANS, sendo ela o único órgão competente para editá-lo; b) no caso em comento, a Agravada solicitou à ora Agravante que lhe fornecesse e custeasse todo o tratamento/cirurgia indicados nos laudos expedidos pelo médico assistente, todavia, fora negado pelo fato do referido medicamento (sic) não constar no rol obrigatório da ANS; c) os procedimentos requestados foram negados, visto que não possuem cobertura obrigatória de acordo com a Resolução Normativa – RN n. 428/2017; d) a ampliação do rol é uma discricionariedade da operadora de planos de saúde, que pode, para conquistar o mercado, oferecer uma cobertura maior do que a já definida pela ANS.

Obtempera que, diante do perigo da irreversibilidade da medida, latente a necessidade de se atribuir efeito suspensivo à decisão agravada, uma vez que dificilmente esta Agravante restabelecerá seu status quo ante depois de verificada a improcedência do pleito autoral.

Requer, então, a concessão de efeito suspensivo à decisão guerreada até decisão final deste agravo de instrumento.

No mérito, pugna pelo provimento do agravo, a fim de que seja revogada a medida liminar.

Inicialmente, cumpre pontuar que a arguição de incompetência do juízo a quo é inócua, vez que a demanda encontra-se em trâmite na 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais e Fazenda Pública da Comarca de Dias D´Ávila. Destarte, o juízo de origem possui competência para apreciar e julgar pretensões de ordem cível e consumeristas.

Superada a arguição de incompetência, passa-se a análise do efeito suspensivo requerido.

A concessão de efeito suspensivo a recurso de agravo é possível, desde que relevante o fundamento invocado e quando do não atendimento possa resultar lesão grave e de difícil reparação ao requerente.

Para o professor Luiz Rodrigues Wambier, "o provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal”.

Na espécie, GILDASIO BARRETO SANTOS, 82 anos de idade, mantém vínculo contratual com a GEAP há 32 anos, desde que se casou com a 2ª agravada, passando a ser seu dependente no plano de assistência à saúde.

O agravado foi diagnosticado com C16 Neoplasia Maligna do estômago, com ecoendoscopia de janeiro/20 – ut1N0, como prova os relatórios médicos anexados ao processo de origem.

Avaliado por médico especialista (gastroendoscopista especializado em ressecção endoscópica de tumores), foi diagnosticado que o recorrido não pode se submeter a cirurgia convencional de gastrectomia total (abertura total do abdômen do paciente com bisturi), em razão de sua idade avançada e suas comorbidades, o que ensejará incomensurável risco de complicações pós-operatórias e sequelas como infecção, perda ponderal importante (perda de peso involuntário), desnutrição, anemia, colostomia, etc., como demonstram os relatórios médicos anexados ao feito.

Acresça-se que os médicos atestaram a necessidade de realização do procedimento requerido na maior brevidade possível, por dois motivos preponderantes: em primeiro plano, a iminência de crescimento do tumor, a impossibilitar a realização do procedimento menos invasivo e, em segunda ordem, a disseminação da doença para outros órgãos.

Solicitado ao plano de saúde autorização para realização do procedimento, este fora negado, sob a alegação de que não há previsão de cobertura pelo Rol da ANS vigente para intervenção menos invasiva.

É consabido que, ao contratar um plano ou seguro saúde o usuário visa garantir atendimento médico-hospitalar até sua plena recuperação. O plano de saúde, através do sistema aberto ou fechado, tem por objeto a cobertura do risco à saúde do beneficiário, ou seja, o evento futuro e incerto. Outro elemento essencial desta espécie contratual é a boa-fé, na forma do art. 422 do Código Civil, caracterizada pela lealdade e clareza das informações prestadas pelas partes.

De fato, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor (CDC) à hipótese vertente, consoante Súmula 608 do STJ, mas a solução da questão posta a juízo perpassa pela aplicação da teoria geral dos contratos civis, especialmente os artigos 422 à 424 do Código Civil Brasileiro (CCB/2002), in verbis:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Sendo o contrato firmado com a finalidade de se obter amparo geral de assistência médica e hospitalar a riscos futuros à saúde, sobretudo em situações de necessidade, urgência ou iminente risco de vida, como verifica-se in casu, é de se reputar como abusiva e, nesse sentido nula a cláusula contratual que importe em vedação ao procedimento menos invasivo, ex vi, artigo 424 do CCB/2002.

Assim, a mera inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor não é suficiente para autorizar qualquer limitação ou exclusão contratual nos planos de autogestão, sendo submetidos os planos de autogestão aos ditames da Lei 9.656/98 e demais dispositivos legais relativos à matéria, inclusive às normas da teoria geral dos contratos cíveis (artigos 422 à 424 do CCB/2002).

De qualquer sorte, a prova contida nos autos demonstra a necessidade da realização do procedimento requerido, nas condições e parâmetros especificados pelo médico assistente.

Ou seja, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que o médico ou o profissional habilitado – e não o plano de saúde – é quem estabelece, na busca da cura, a orientação terapêutica a ser dada ao usuário acometido de doença coberta. Assim, não cabe à GEAP negar a cobertura sob o argumento de que a prestação do tratamento não é obrigatória, ou que não teria previsão contratual, visto que tal instrumento assistencial, como último recurso, é fundamental à sobrevida do agravado.

Neste sentido:

PLANO DE SAÚDE. REGIME DE AUTOGESTÃO. NEGATIVA DE...

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