Consumo, ética e natureza: o veganismo e as interfaces de uma política de vida

AutorAline Trigueiro
CargoDoutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Páginas237-260
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2013v10n1p237
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
CONSUMO, ÉTICA E NATUREZA: O VEGANISMO E AS INTERFACES DE UMA
POLÍTICA DE VIDA
Aline Trigueiro
1
Resumo:
Este trabalho busca refletir sobre um tipo de ativismo que está ganhando amplitude,
embora de modo silente, e que integra no corpo de suas reivindicações uma
proposta ousada de ressignificação da relação entre humanos e animais: trata-se do
veganismo. Em linhas gerais, o veganismo almeja a construção de um postulado
ético que reconheça os direitos dos animais e a inclusão dos mesmos à comunidade
moral, e um modus vivendi que projeta para o centro do debate uma
responsabilidade para com o ato de consumo (mudanças de estilo de vida e de
hábitos alimentares). Estes são os aspectos analisados neste artigo, os quais são
investigados a partir de um viés teórico e também de uma abordagem empírica:
pesquisas realizadas em alguns sites da internet, por meio de um mapeamento e
investigação dos grupos reconhecidamente veganos e dos fóruns direcionados à
discussão sobre os direitos dos animais e o veganismo. Acrescenta-se que a
escolha de tal objeto de pesquisa deve-se ao fato de percebermos, na constituição e
na proposta dessa forma de ativismo, uma manifestação social sui generis,
reveladora de como diferentes grupos sociais estão respondendo aos dilemas que
conformam e impactam a sociedade hodierna, principalmente no que concerne ao
posicionamento ético: como devemos viver?
Palavras-chave: Veganismo. Consumo. Direitos animais. Ética. Política de vida.
Introdução
Soa oportuno e instigante para o debate acadêmico contemporâneo trazer à
tona uma reflexão acerca de um movimento que tem por base uma nova proposta
ética: a defesa dos direitos dos animais. Os veganos (ou vegans) são
reconhecidamente aqueles indivíduos que se posicionam contra qualquer modo de
exploração animal, incluindo-se aí as formas de trabalho forçado, o seu consumo
como fonte alimentícia e, também, como componentes de processos ou produtos
1 Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Professora Adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo,
Vitória, ES, Brasil, integrante do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e uma das
coordenadoras do Grupo de Estudos e Pesquisas em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento no
Espírito Santo (GEPPEDES), nesta mesma Universidade. E-mail: aline.trigueiro@uol.com.br
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.10, n.1, p. 237-260, Jan./Jun. 2013
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manufaturados (cosméticos, roupas, material de limpeza, etc.). São grupos
contrários também à vivisseção de animas em laboratórios e ao uso dos mesmos em
prol do chamado progresso da ciência. Não toleram, além disso, qualquer forma de
entretenimento que faça uso da exposição e/ou maus-tratos de animais (zoológicos,
circos, touradas, rodeios, etc.).
Esse tipo de posicionamento ético projeta para o cerne desse movimento uma
responsabilidade para com o ato de consumo, sendo o mesmo reconhecido
enquanto parte importante da construção de um modus vivendi vegano. Sob rígidas
formas de controle de si (certas técnicas corporais a la Mauss), a prática do
consumo passa a se constituir como um espaço para a ação reflexiva e a construção
identitária (GIDDENS, 2003). Trata-se do que consideramos nomear como um tipo
de consumo reflexivo, principalmente quando são analisados os interesses e as
ações que o produzem: a) uma avaliação crítica da relação humanidade-animalidade
na atualidade; b) uma mobilização política, sob a forma de ativismo, que incorpora
novos processos de subjetivação e redefinição de estilos de vida e consumo, e, por
fim, c) um posicionamento ético que busca repensar as formas segundo as quais
devemos viver.
O presente artigo tem, portanto, o objetivo de analisar esse movimento a
partir de três enfoques específicos: a sua bandeira de luta (formas de ativismo e
ação política); o postulado ético inerente às suas reivindicações (base filosófica) e o
estilo de vida exigido de seus adeptos (as práticas de consumo). Utilizar-se-á, ainda,
como fonte de pesquisa um farto material coletado através de sites da internet
(mapeamento dos grupos reconhecidamente veganos em alguns fóruns
direcionados à discussão sobre os direitos dos animais e o veganismo), trazendo
para o debate as ideias desses grupos e seus modos de ação.
Alguns condicionantes históricos em prol do cuidado para com os animais não
humanos
Na impossibilidade de aprofundar em termos históricos os complexos e
difusos modos de aproximação e afastamento que marcam a relação entre os
grupos sociais humanos e o mundo natural ao longo de toda a história, vamos aqui
nos ater, privilegiadamente, à análise paradigmática realizada por Keith Thomas

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