Toga vazia

AutorAna Amarylis Vivacqua de Oliveira Gulla
CargoDesembargadora Federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 15ªRegião
Páginas177-180

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Agora tudo era silêncio. Já concluíra todos os afazeres do dia, todos os despachos, todas as audiências e o tumulto daquela Vara de Família movimentada se aplacara.

Todos já tinham ido embora para suas casas, só ela ficara ali, com suas casas, só ela ficara ali, com suas fortes lembranças.

Tinha um antes, e um depois...

Ela que sempre aconselhava as mulheres em processo de divórcio, “olhe para frente”, “refaça sua vida”, só queria olhar para trás, pelo menos naquele momento, e olhou.

Fez um flashback.

Dia 10 de maio de 1995. O dia do sonho, mais que isso — o dia do êxtase, seu casamento com Luca — um músico inteligente, esotérico, diferente dos homens comuns racionais — Luca era passional, romântico e inebriado com a vida, sentimentos que impregnava quando sentava-se ao piano e arrancava suspiros da alma da plateia...

Ela encantou-se até o profundo de seu coração, de seu ser. Via-o tocar Bach, Beethoven, Chopin com a mais pura admiração, não cabia em si de contentamento, transbordava de alegria, e isso não era nenhum sofisma...

Quando Luca lhe disse solenemente — vamos nos casar, apressou-se em realizar a mais bela cerimônia e quis que o pôr do sol presenciasse a união de dois seres em uma radiosa tarde, quando nuvens púrpuras estampavam o céu.

Acreditava que sua metade da alma que estava vagando pelo cosmo tinha chegado “para sempre” e esse “para sempre” compreendia o eterno e o imortal.

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Fez questão em sua memória de “colorir” aquele dia...

Contra todas as previsões meteorológicas o dia foi de sol (até porque se não houvesse sol, não poderia haver o “pôr” do sol...) tudo estava perfeito. Tudo propício para a festa e a festa não era só no exterior; a maior e mais linda festa era dentro de seu ser, que não resistia de tanto contentamento, da mais pura e genuína alegria que um ser humano poderia vivenciar...

No final da cerimônia do casamento, para coroar a festa, Luca sentara-se ao piano e tocara “Clair de Lune” de Chopin. Arrepios que percorriam o corpo e lágrimas de mais pura emoção escorriam fluídas pela sua face...

Bem, o tempo implacável passou e o cotidiano se instalou — todo em preto e branco, todo sem as cores da emoção. Os afazeres diários consumiam o elo
eloelo
elo
elo romântico e etéreo que os unia.

Eram só tarefas. Vieram os filhos. Ela feliz com a chegada do primeiro filho que lhe trouxe a sensação confortável de completude, e ele — nem tão encantado assim...

Descobriu então com tristeza sua faceta...

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