Trabalho do preso

AutorAlexandre Pontieri
CargoAdvogado em Brasília/DF; Pós-Graduado em Direito Tributário pelo CPPG - Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU, em São Paulo; Pós-Graduado em Direito Penal pela ESMP-SP - Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo
1. Trabalho do Preso

A Constituição Federal no seu artigo 170 dispõe, "a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social". O trabalho sempre esteve inserido na vida da sociedade. O trabalho seja ele manual ou, intelectual, garante ao indivíduo dignidade dentro de seu meio familiar e social. Como não poderia deixar de ser, o trabalho do preso encontra-se inserido dentro desta ótica que vincula o trabalho à existência digna do ser humano.

Assim, o artigo 39 do Código Penal garante que: o trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social.

Nesta linha de raciocínio, as lições do Professor Celso Delmanto:

"O trabalho é direito e dever dos presos. Será sempre remunerado (em valor não inferior a três quartos do salário mínimo), mas devendo a remuneração atender à reparação do dano do crime, assistência à família etc. (LEP, art. 29). Garante-lhe, ainda, este art. 9 do CP, os benefícios da Previdência Social. Assim, embora o trabalho do preso não fique sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (LEP, art. 28, § 2º), ele tem direito aos benefícios previdenciários."[1]

A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que instituiu a Lei de Execução Penal, assim dispõe sobre o trabalho:

Art. 28 - O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.

§ 1º. Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.

§ 2º. O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

O trabalho do preso recebe muitas críticas, apesar de estar disposto na lei de execução penal e ser tratado como matéria constitucional. A parcela que critica o trabalho do preso afirma, na maioria das vezes, que o trabalho não conseguirá resgatar o preso de seu meio criminoso, ou que, o Estado não pode perder tempo ou gastar dinheiro aparelhamento uma estrutura prisional para fornecer trabalho aos detentos enquanto o desemprego fora das grades aumenta a cada dia.

Realmente chega a ser preocupante o aumento do desemprego. Mas, o que não pode existir é a confusão entre trabalho do preso e aumento do desemprego. O preso que trabalha não estará "tirando" a vaga de ninguém do mercado de trabalho. Ele, o preso, está inserido em outro contexto, que visa sua reinserção no meio social, sendo o trabalho com finalidade educativa e produtiva, com escopo de dever social e resgate da dignidade humana.

E, o que cremos ser pior, é não qualificá-lo para o mercado de trabalho, pois, aí sim, despreparado e inútil, será muito mais atraído a voltar a delinqüir.

O trabalho do preso será remunerado, conforme disposto no artigo 29 da lei nº 7.210/84:

Art. 29 - O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a ¾ (três quartos) do salário mínimo.

§ 1º. O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

  1. à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

  2. à assistência à família;

  3. a pequenas despesas pessoais;

  4. ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.

§ 2º. Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio em cadernetas de poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.

Art. 30 - As tarefas executadas como prestação de serviço à comunidade não serão remuneradas.

Os Tribunais, em flagrante desacordo com a norma insculpida na Lei de Execução Penal, vem negando o benefício do trabalho aospresos por crimes hediondos, com a alegação de que a Lei nº 8.072/90 fixou o cumprimento da pena em regime integralmente fechado.

Esta a posição do Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 16226/DF:[2]

"Execução Penal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Latrocínio.

Crime Hediondo. Trabalho Externo. Impossibilidade. O trabalho externo é um benefício incompatível com o regime prisional dos crimes hediondos, qual seja, integralmente fechado".

E continua o mesmo STJ com o Voto do Insigne Ministro Felix Fischer, ao analisar o Recurso em que o Paciente buscava oportunidade de trabalho, alegando deficiências que cabe ao Estado suprir:

"A irresignação não merece acolhida. Prevalece nesta Corte o entendimento no sentido de que o trabalho externo é um benefício incompatível com o regime prisional dos crimes hediondos, qual seja, integralmente fechado".

E, nessa linha de pensamento, citamos outro precedente:

"Trabalho externo e visita à família são benefícios incompatíveis com o regime integralmente fechado." (HC 30397/RJ).

Data maxima venia, não entendemos coerente o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, pois o trabalho serve para dignificar a vida de qualquer ser humano, principalmente dentro de uma sociedade capitalista e cada vez mais consumista. Privar o ser humano do trabalho é privá-lo de seus sonhos e construção de perspectivas presentes e futuras. Privar o preso do trabalho é condená-lo a uma morte lenta e gradual, sem perspectivas de imaginar-se vivendo novamente fora das grades.

Doutrinariamente existe até o entendimento de que, caso o preso queira trabalhar e o Estado não lhe proporcione condições, será possível até mesmo que se aplique o instituto da remição. Assim, o entendimento do Professor Celso Delmanto, tratando que "dadas as nossas péssimas condições carcerárias, não será incomum o condenado querer trabalhar e o Estado não lhe dar condições para isso. Nesta hipótese, desde que comprovadas essas circunstâncias, entendemos que o condenado fará jus à remição."[3]

Indagamos: o trabalho penitenciário existe em nosso sistema? Pelo menos em tese sim. A prática é bem diferente. Heleno Cláudio Fragoso, chegou a tratar a matéria, concluindo que, "infelizmente, devemos dizer que as disposições da lei sobre o trabalho penitenciário constituem uma bela e generosa carta de intenção que não está, e dificilmente estará algum dia, de acordo com a realidade. A ociosidade é comum e generalizada em nossas prisões."[4]

Continuamos acreditando que o trabalho e a educação aos presos são os melhores meios para propiciar sua reeducação e recuperação, sendo considerado por muitos estudiosos como "passaporte" para a reinserção social.

Seguindo a análise do tema relativo ao trabalho do preso, surge a questão da remição, que passa a abreviar parte da pena do condenado por meio de seu trabalho.

Neste diapasão a Lei de Execução Penal trata do instituto da remição através do trabalho, ao dispor em seu artigo 126: "o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena".

Nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete, "a remição é uma nova proposta inserida na legislação penal pela Lei nº 7.210/84, que tem como finalidade mais expressiva a de abreviar, pelo trabalho, parte do tempo da condenação."[5]

E, continua o mesmo autor: "como a remição é instituto criado pela Lei de Execução Penal, tem ela caráter geral, abrangendo todos os condenados sujeitos a esse diploma legal. Como na Lei nº 8.072/90, não existe restrição à possibilidade de o condenado por crime hediondo ou equiparado obter esse benefício."[6]

Desta forma, entendemos plenamente a aplicação do trabalho ao preso, mesmo que condenado com base na lei dos crimes hediondos. Como ressocializar ou reintegrar um egresso do sistema penal ao convívio social se não se lhe proporcionar meios de reingresso? Assim, as lições que podemos extrair de José Antônio Paganella Boschi e Odir Odilon Pinta da Silva, in "Comentários à Lei de Execução Penal", citado em Agravo do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais:[7]

"Todo ser...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT