(Con)tradições do discurso de invenção da amazônia sulocidental

AutorPaulo Jorge Martins Nunes - Carla Soares Pereira - José Maria Damasceno Ferreira
CargoDoutor em Letras, Literaturas de Língua Portuguesa, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura, da Universidade da Amazônia, Belém - Mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura, pela Universidade da Amazônia, Belém
Páginas133-151
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2017v14n1p133
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.14, n.1, p.133-151 Jan.-Abr. 2017
(CON)TRADIÇÕES DO DISCURSO DE INVENÇÃO DA AMAZÔNIA SUL-
OCIDENTAL
Paulo Jorge Martins Nunes
1
Carla Soares Pereira2
José Maria Damasceno Ferreira3
Resumo:
Este artigo trata da construção de tradições por meio do discurso, as quais
contribuem para a formação identitária de sujeitos históricos. Nosso objetivo é
problematizar a invenção de tradições no Estado do Acre, relacionando e
confrontando as versões elaboradas pela historiografia e os enunciados produzidos
pelos agentes políticos do Estado. Na análise desse tema, Hobsbawm (2006) é
citado por abordar a questão da invenção das tradições; Halbwachs (2006) e Pollak
(1989), as memórias coletivas e sociais, bem como a formação de comunidades e
tradições derivadas dessa categoria; Bakhtin (2003), a construção de enunciados
discursivos e Ranzi (2008), as raízes sociais da formação do Acre. Por fim, citam-se
exemplos concretos para explicar os processos que influenciam a constituição de
um discurso massificado sobre uma das tantas Amazônias que existem: a acreana.
Palavras-chave: Tradição. Discurso. Invenção. Amazônia. Acre.
1 DAS ORIGENS
O Estado do Acre situa-se na Amazônia brasileira sul-ocidental. A história da
anexação de seu território ao Brasil vincula-se ao fenônemo econômico de
exploração da borracha amazônica a partir da segunda metade do século XIX. Este
artigo analisa como o discurso do mito fundador do Acre fomentou a instituição de
uma tradição e, consequentemente, a construção de identidades sociais.
Para analisarmos esse discurso que inventou uma tradição acreana, é preciso
observar o contexto histórico que engendrou o sujeito social na teia de enunciados
discursivos, para, ao final, compreender como o campo de poder discursivo
repercute até a atualidade naquele Estado. Desse modo, vamos às origens.
1 Doutor em Letras, Literaturas de Língua Portuguesa, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Professor titular da Universidade da Amazônia, Belém, PA, Brasil. E-mail:
pontedogalo3@gmail.com
2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura, da
Universidade da Amazônia, Belém, PA. Professora de língua portuguesa do Comando da Aeronáutica
em Belém, Belém, PA, Brasil. E-mail: carlasp21@hotmail.com
3 Mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura, pela Universidade da Amazônia, Belém, PA.
Professor de Língua Portuguesa na Secretaria de Educação do Estado do Pará e da Carreira do
Magistério Básico, Técnico e Tecnológico do Ministério da Defesa, Comando da Aeronáutica lotado
na Escola Tenente Rêgo Barros em Belém, PA, Brasil. E-mail: zema_damasceno@hotmail.com
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.14, n.1, p.133-151 Jan.-Abr. 2017
Para se falar da constituição de uma sociedade, deve-se levar em conta o
elemento humano que a compõe, já que é nela que se encontra o cerne das práticas
socioculturais. Dessa forma, para dizer um pouco sobre a sociedade acreana,
buscando construir um saber acerca do amazônida brasileiro, Ranzi (2008) aponta a
presença de indígenas, nordestinos, negros e sírio-libaneses na formação
sociocultural do Acre, desde o século XIX.
Segundo essa historiadora, presença marcante na Amazônia foi a dos
indígenas, os quais tiveram participação decisiva na constituição étnica do acreano.
Além disso, o processo de ocupação das terras do Acre pelos nordestinos permite
entrever que muitas práticas culturais indígenas foram traduzidas pelo seringueiro
como forma de sobreviver ante as dificuldades do espaço geográfico. Dentre elas,
Ranzi (2008, p. 91) cita a extração dos produtos da flora, o respeito pelo
sobrenatural e algumas técnicas de trabalho que possibilitaram o êxito da economia
gomífera na mata amazônica na virada do século XIX para o XX.
Figura 1 “Homem defumando”, pintura de Hélio Melo
4.
Disponível em <http://almaacreana.blogspot.com.br/2009/10/helio-melo-arte-imita-vida.html>.
Acesso em: 2 mar. 2013.
Ranzi (2008) leva-nos a concluir que o indígena desempenhou papel
fundamental durante o processo de formação territorial, histórica, política, social e
também cultural do Acre. No entanto, ainda subsiste um silêncio que promove o
apagamento do indígena da memória social, prática que contrasta com o movimento
contemporâneo de valorização das culturas ancestrais.
Por isso, é preciso repensar a história da atuação indígena na construção do
Acre, que se cristalizou em parte da historiografia clássica como conflituosa, na
disputa pela terra com seringalistas e seringueiros e que praticamente desaparece
4 Hélio Melo (1926-2001) foi um dos maiores artistas plásticos acreanos. Autodidata, nascido e criado
em um seringal, era também compositor, músico e escritor. Seus quadros geralmente representam
o cotidiano do homem da floresta e inicialmente eram pintados com pigmentos naturais.

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