Transfeminicídio no Brasil: uma reflexão ecotransfeminista

AutorVanrochris Helbert Vieira
CargoMestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Páginas53-69
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GÊNERO | Niterói | v. 22 | n. 1 | p. 53-53 | 2. sem 2021
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TRANSFEMINICÍDIO NO BRASIL:
UMA REFLEXÃO ECOTRANSFEMINISTA
Vanrochris Helbert Vieira1
Resumo: Este artigo tem por objetivo precípuo convidar o(a) leitor(a) a
uma reflexão ecotransfeminista sobre os “não direitos de travestis” e o não
reconhecimento de seu caráter de sujeito na sociedade contemporânea. A
partir de Haraway (2011), é construída uma perspectiva ecotransfeminista
quanto à caracterização do papel social das travestis no Brasil contemporâneo,
com a ajuda do conceito de “tornar matável”. São analisados os depoimentos de
duas travestis militantes, Anyky Lima e Indianarae Siqueira. O perspectivismo
de Viveiros de Castro (2004) é utilizado para elaborar uma reflexão
metodológica a respeito do estudo das alteridades humanas.
Palavras-chave: Travestis; Transfeminicídio; Direitos LGBTQIAP+.
Abstract: This article aims to stimulate an ecotransfeminist reflection on
the non-rights of travestis as well as their non-recognition as individuals in
contemporary society. Drawing on Danna Haraway’s (2011) concept of
“making killable,” this study oers an ecotransfeminist perspective to the
characterization of the social role of travestis in contemporary Brazil. To this
end, the testimonies of Anyky Lima and Indianarae Siqueira, two militant
travestis, are analyzed. Based on the perspective of Viveiros de Castro
(2004), this article constructs a methodological reflection on the study of
human alterities.
Keywords: Travestis; Transfeminicide; LGBTQIAP+ Rights.
1 Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. E-mail: vanrochris@gmail.com.
Orcid: 0000-0002-0579-9064
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição -
Não Comercial 4.0 Internacional.
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Introdução: definindo (ou não) o termo “travesti”
Na simbologia ocidental, a mulher se relaciona ao polo da natureza, e
o homem ao polo da cultura. Esse binarismo foi um dos responsáveis pela
exclusão da mulher do campo do humano e do não reconhecimento delas
como sujeitos de direito durante grande parte da história. No curso da
história, elas chegaram a ter um status tão desvalorizado quanto o de ani-
mais de outras espécies, sendo vistas apenas como objeto. Mas e quanto
às travestis? Travestis não costumam ser vistas como homens, nem como
mulheres e, portanto, frequentemente não têm sua humanidade reconhe-
cida, chegando a ser, ainda hoje, quase tão ignoradas pela sociedade quanto
animais de outras espécies. Paradoxalmente, travestis também costumam
ser vistas como homens e mulheres ao mesmo tempo, o que leva ao pen-
samento de que subverteriam a natureza, porém, o que as travestis fazem é
subverter a cultura binária e cisheteronormativa.
É difícil tentar traduzir a ambiguidade das travestis. Frequentemente,
tenta-se definir a identidade delas em “oposição” à das mulheres trans.
Por esse caminho, costuma-se cair em diversos equívocos. A diferença
última entre uma travesti e uma mulher trans é a forma como ela se auto-
denomina. Apesar dessa questão definidora, a incidência da autodenomi-
nação “travesti” parece estar relacionada a diversos fatores, entre eles:
(1) profissionais, (2) socioeconômicos, (3) geracionais, (4) corporais e (5)
identitários. De antemão, destaco que nenhum deles é determinante nem
generalizante e nem prevalece sobre a autodenominação. De todo modo,
falaremos, a seguir, sobre cada um deles.
(1) Fatores profissionais: ao que indicam as estimativas e discursos do
movimento LGBTQIAP+2, a maior parte das travestis ainda trabalha como
prostituta, seja pela dificuldade de inserção em outras profissões, seja pelos
benefícios em termos financeiros e/ou de autoestima encontrados nessa
atividade (SIMPSON, 2011)3. É importante ressaltar que essa correlação
entre travestilidade e prostituição é apenas estatística e que uma coisa não
é definidora da outra, havendo travestis em inúmeras outras ocupações.
(2) Fatores socioeconômicos: um percentual significativo de pessoas
autodenominadas travestis é oriundo de classes socioeconomicamente
2 Lésbicas, Gay, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros, Travestis, Queers, Intersexuais, Assexuais, Pansexuais
e outras identidades não cisheteronormativas.
3 A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) estima que 90% das travestis e mulheres transe-
xuais têm a prostituição como principal fonte de renda no Brasil, entretanto, não há uma estimativa específica
sobre travestis ou sobre mulheres transexuais em relação ao tema (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021).

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