A transformação digital das relações de consumo e a prática de preços personalizados no comércio eletrônico

AutorFernando de Paula Torre
Ocupação do AutorAdvogado, sócio da LBCA; Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Pós-graduado em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Especialista em Processo Civil pela FGV; Especialista em Compliance pelo Insper e Certificado em Privacidade e Proteção de Dados Pessoais pela Data ...
Páginas29-66
A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E A PRÁTICA
DE PREÇOS PERSONALIZADOS NO
COMÉRCIO ELETRÔNICO
Fernando de Paula Torre*1
Sumário: Introdução – 1. A transformação digital das relações de consumo; 1.1 Os vetores da
transformação digital de acordo com a OCDE; 1.2 Comércio eletrônico; 1.3 “Big data”, “prolling” e
plataformas digitais – 2. Breves considerações sobre as normas de defesa e proteção aos direitos
dos consumidores; 2.1 O direito do consumidor e a sua importância; 2.2 Conceituando os atores
da relação de consumo; 2.3 Os princípios protetivos das leis consumeristas e a vulnerabilidade
informativa do consumidor; 2.4 Sobre práticas comerciais abusivas – 3. Preços personalizados;
3.1 Preços personalizados e a defesa do consumidor – Referências.
INTRODUÇÃO
As relações consumeristas, à época do advento de grande parte dos códigos e
leis consumeristas, se davam em um ambiente “oine” e, nos anos que sucederam,
passaram a migrar para ambientes digitais, dando início ao comércio eletrônico,
com suas plataformas digitais, que permitiram a análise massiva de dados pesso-
ais dos consumidores através de tecnologias como o “big data”, que, por sua vez,
deu ensejo a uma série de estratégias e práticas comerciais pelos fornecedores, tal
como é a prática de preços personalizados.
Mas, para que estas novas práticas comerciais estejam em conformidade
com as normas consumeristas, é indispensável que os operadores do direito te-
nham conhecimento de como elas se desenvolvem, da legislação consumeristas
aplicável e, sobretudo, da base principiológica que servirá de diretriz para que
essas novas práticas possam ser conduzidas de forma benéca aos consumidores
e à ordem econômica.
Portanto, o objetivo deste capítulo é explorar as nuances da transformação
digital e como elas impactaram nas relações de consumo, passando por uma abor-
* Advogado, sócio da LBCA; Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbite-
riana Mackenzie; Pós-graduado em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo; Especialista em Processo Civil pela FGV; Especialista em Compliance pelo Insper e Certicado
em Privacidade e Proteção de Dados Pessoais pela Data Privacy Brasil; ranqueado pela Leaders League
– 2021 na categoria Resolução de Conitos, na classicação “Excelente”.
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dagem conceitual do código de defesa do consumidor e da sua base principiológica,
para, ao nal, destacar uma nova prática comercial decorrente da transformação
digital, denominada como preços personalizados, para identicar como ela pode
ser conduzida em conformidade com as normas consumeristas.
1. A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
A velocidade da transformação digital é um dos maiores desaos da socie-
dade contemporânea, principalmente quando elas passam a afetar as relações de
consumo.
Isso porque, as políticas existentes e vigentes sobre as relações de consumo,
em grande maioria, foram pensadas em dinâmicas de relações “pré-digitais” entre
consumidores e fornecedores.
E em razão deste desao decorrente do descompasso entre as transformações
digitais relacionadas às relações de consumo e as políticas públicas vigentes, acaba-
-se criando um ambiente de insegurança jurídica para todos os atores envolvidos
nas relações de consumo – a saber: Consumidores e fornecedores – contribuindo
para um ambiente judicializado, o que faz aumentar os custos de transação e,
consequentemente, o desenvolvimento dos setores relacionados ao consumo.
É, por exemplo, o que acontece no Brasil, onde o Código de Defesa do Con-
sumidor vigente é do ano de 1990. Nesta época as relações consumeristas eram
concentradamente “oine” e, neste contexto, a maioria das disposições contidas
no referido Código foram elaboradas.
Nos anos que sucederam a sua criação, o que se observou foi uma completa
mudança daquelas relações de consumo em decorrência de uma crescente trans-
formação digital, que, gradativamente, passaram a migrar do “mundo oine”
para o “mundo online”.
Com a popularização do uso da internet pelos cidadãos, os classicados e
propagandas, que antes eram veiculados em jornais impressos, passaram a ser
feitos na internet; grandes lojas de varejo de produtos e serviços mais diversos se
transformaram em plataformas digitais; galerias de lojas e mercados populares
foram transformados em “marketplaces”; redes sociais foram criadas e, com
elas, milhões de pessoas puderam se conectar uma com as outras, entre outros
inúmeros exemplos.
Com a grande demanda pela digitalização das relações consumeristas, as
ferramentas tecnológicas foram desenvolvidas e aprimoradas. A internet, que
antes era discada, passou a ser banda larga, apresentando velocidade cada vez
mais rápida de conexão; computadores desktop começaram a ter cada vez mais
capacidade de processamento e passaram a ser substituídos por notebooks, tablets
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PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO
e dispositivos móveis, este último, que antes era considerado apenas um “telefo-
ne” portátil, passou a agregar inúmeras outras funções a partir do momento em
que alcançou o acesso à internet, com a facilidade de poder ser carregado para
qualquer lugar e em qualquer ocasião.
Como isso, percebe-se que a transformação digital, que foi iniciada desde
o século passado, é um processo contínuo, mas que, no entanto, tem seu ritmo
cada vez mais acelerado, sendo catalisado por inúmeras tecnologias e inovações
que são desenvolvidas e aplicadas no âmbito das relações de consumo ano a ano,
como, por exemplo, a inteligência articial, big data, internet das coisas, meta-
verso, entre outras.
Os benefícios às pessoas são inegáveis, propiciando o que se estabeleceu
chamar de uma “hiperconveniência” e “hiperconectividade”.
Alguns exemplos dessa famigerada “hiperconveniência” e “hiperconectivida-
de” nas relações de consumo cotidianas podem ser representados por tecnologias
como assistentes de voz que foram criados para lembrar os consumidores de seus
compromissos, sugerir rotas de trânsito, ler suas notícias preferidas, anotar e lem-
brar de itens da dispensa de alimento que precisam ser comprados no mercado;
plataformas de e-commerce que registram suas preferências de compras e fazem
sugestões de compra com base nelas, alertam sobre os melhores preços ou melhores
momentos de compra e que prometem entregas rápidas à domicílio, até no mesmo
dia; super aplicativos de delivery que fazem entregas em poucos minutos e até de
transportes que auxiliam na mobilidade urbana; chatbots de atendimento rápido
e mecanismos de reconhecimento facial que reconhecem os consumidores e que
podem concluir etapas de compra com muito menos cliques.
Mas essa transformação digital também faz com que os consumidores e
fornecedores passassem a estabelecer um vínculo cada vez maior de dependência
com o mundo digital e seus recursos tecnológicos; quem, por exemplo, consegui-
ria viver sem internet ou um dispositivo móvel nos dias de hoje e qual empresa
conseguiria garantir longevidade e lucratividade renegando o mundo “online”?
Fato é que, para atingir e se manter em ritmo acelerado de transformação, é
necessário cada vez mais, e em maior escala, o tratamento de dados pessoais1 dos
consumidores que, ao serem colhidos, organizados e estruturados, representam
uma informação valiosa aos seus controladores, podendo ser explorados para
aprimorar os seus objetivos.
1. Art. 4º, 2, da GDPR. «Tratamento», uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados
pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais
como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a
recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma
de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição.
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