Estado e mercado no transporte aéreo brasileiro pós-reformas

AutorCristiano Fonseca Monteiro
CargoDoutor em Sociologia pela UFRJ. Professor Adjunto da Escola de Ciências Humanas e Sociais de Volta Redonda/UFF
Páginas117-144
Dossiê
Estado e mercado no transporte
aéreo brasileiro pós-reformas
Cristiano Fonseca Monteiro*
Resumo
As mudanças ocorridas no transporte aéreo brasileiro após o ciclo de
“reformas para o mercado” tornaram o setor objeto de crescente inte-
resse. Este interesse se traduziu no surgimento de uma ampla literatura,
caracterizada pela ênfase na agenda de liberalização e na crítica aos
indícios de ativismo estatal. O artigo tem como objetivo confrontar este
tipo de interpretação, incorporando abordagens inspiradas na Sociologia
Econômica e nas análises institucionalistas para chamar atenção para a
importância das variáveis de natureza política, com destaque para o Esta-
do, no desempenho econômico. O contexto pós-reformas se caracteriza
por um movimento inicial de maior ativismo estatal sobre o transporte
aéreo, com a retomada de instrumentos regulatórios mais rígidos e a
reabertura dos canais de diálogo entre atores estatais e empresas. Num
segundo momento, o ativismo estatal é abandonado, ao mesmo tempo
em que o setor alcança índices expressivos de crescimento, ultrapassan-
do os limites da infra-estrutura de apoio ao vôo existente, processo que
culminaria com o episódio do “apagão aéreo”. A análise dos depoimentos
de atores estatais e privados a respeito do “apagão” permite identificar
nas deficiências do aparato estatal responsável pela atividade um dos
fatores que conduziram ao “apagão”. A conclusão do artigo chama aten-
ção para a importância de se levar em consideração os condicionantes
políticos, notadamente no que diz respeito ao papel do Estado, para o
desenvolvimento do transporte aéreo brasileiro.
Palavras-chave: aviação comercial, política e economia, regulação, Socio-
logia Econômica, Institucionalismo Histórico.
* Doutor em Sociologia pela UFRJ. Professor Adjunto da Escola de Ciências Hu-
manas e Sociais de Volta Redonda/UFF. Endereço eletrônico: fonsecamonteiro@
yahoo.com.br.
118 p. 117 – 143
Volume 8 – Nº 15 – outubro de 2009
1. Introdução
Em quase duas décadas de “reformas para o mercado”, o trans-
porte aéreo brasileiro se tornou objeto de crescente interesse no
debate público. O fim de um conjunto de mecanismos de controle
regulatórios, permitindo maior liberdade na fixação de preços e na
exploração de rotas aéreas, conduziu a uma profunda transformação
na estrutura e nos atores deste mercado. As empresas tradicionais
– Transbrasil, Vasp e Varig – foram sucessivamente sendo elimina-
das, e com elas, o antigo modelo focado nos passageiros de maior
poder aquisitivo. A Tam, nos anos 1990, e a Gol, na década atual,
emergiram como os novos líderes do setor, que se tornou mais
popularizado, deixando para trás o glamour que representava voar
nos anos pré-reformas.1
Enquanto na virada para a década de 2000 a agenda do trans-
porte aéreo estava fortemente marcada pelo debate sobre a crise
das empresas – em alguns anos mais críticos, todas as principais
transportadoras tiveram prejuízos –, os anos mais recentes se ca-
racterizaram pelo vigoroso crescimento dos indicadores, tanto das
empresas individualmente quanto do setor como um todo. Mesmo
havendo apenas duas grandes companhias, detendo cerca de 90%
do mercado, os passageiros passaram a se beneficiar de tarifas cada
vez mais baixas e de uma maior oferta de vôos, pelo menos nos
trechos com maior procura. Até mesmo os profissionais que haviam
perdido seus empregos com a falência das companhias tradicionais
passaram a ser disputados, sugerindo um quadro até certo ponto
surpreendente para quem, até poucos anos atrás, estava acostu-
mado a ouvir as recorrentes lamentações de empresários sobre as
dificuldades enfrentadas por suas empresas.
O forte revigoramento do transporte aéreo se deveu tanto
ao ambiente econômico mais favorável dos últimos anos, quanto à
capacidade das próprias empresas de buscar novas estratégias mais
adequadas ao novo cenário de maior competição. Tão surpreen-
1 Versão adaptada do paper apresentado no I Seminário Nacional de Sociologia
Econômica, em Florianópolis, em 20/5/2009. Agradeço a Cécile Raud e à equipe
do NUSMER pelo convite para participar do seminário. Agradeço também à Fa-
perj e ao CNPq pelo apoio à pesquisa com base na qual o artigo foi redigido.

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