A tutela da hipervulnerabilidade do consumidor com deficiência
Autor | Juliana de Sousa Gomes Lage |
Ocupação do Autor | Professora Assistente do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro |
Páginas | 267-291 |
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A TUTELA DA HIPERVULNERABILIDADE
DO CONSUMIDOR COM DEFICIÊNCIA
Juliana de Sousa Gomes Lage1
Sumário: 1. Introdução; 2. A pessoa com deficiência à luz do Código de
Defesa do Consumidor. Proteção aos hipervulneráveis; 3. O
reconhecimento da hipervulnerabilidade da pessoa com deficiência no
Superior Tribunal de Justiça; 4. Conclusão; Referências.
1. Introdução
Um dos temas de grande valia e que vem ganhando atenção na
doutrina e jurisprudência pátrias é a questão da autonomia e igualdade
nas relações jurídicas patrimoniais e extrapatrimoniais das pessoas com
deficiência no Brasil, onde 45,6 milhões de pessoas apresentam algum
tipo de deficiência. E, apesar de representarem 23,9% da população
brasileira em 2010, estas pessoas não vivem em uma sociedade
adaptada.2 Os direitos à autonomia e à igualdade vinculam-se à
dignidade da pessoa humana, já que consistem em elementos necessários
à formação e promoção humana. Conforme a Carta Magna de 1988, para
1 Professora Assistente do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutoranda em Ciências Jurídicas
Contemporâneas na Universidad e Federal do Rio de J aneiro. Mestre em Direito Civil
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Direito Civil
Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
2 A deficiência visual (cegos e baixa visão) é a mais frequente com 18,8% da população
e, em seguida, aparecem às deficiências motoras (7%), auditivas (5,1%) e mental ou
intelectual (1,4%). IBGE, Censo Demográfico 2010: Características gerais da
população, religião e pessoas com deficiência. Disponível em
https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_religia
o_deficiencia/caracteristicas_religiao_deficiencia_tab_uf_xls.shtm. Acesso em
12.09.2018.
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se atingir o pleno desenvolvimento da pessoa humana, das suas
habilidades e da igualdade, inclusive de oportunidades, é imperativo que
se proporcione a ampliação da oferta de recursos e serviços que
assegurem condições de acessibilidade e autonomia às pessoas com
deficiência.
O atual debate sobre os direitos da pessoa com deficiência se dá,
principalmente, porque entrou em vigor, no ordenamento jurídico, a Lei
Brasileira de Inclusão, Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, também
conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), adaptando
o sistema legal brasileiro às exigências da Convenção Internacional e seu
Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de
2007 e promulgados no Brasil em 25 de agosto de 2009, pelo Decreto nº
6.949. Logo no início da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, em seu artigo 3º, são trazidos os princípios gerais que
orientam toda a política voltada para o respeito, reconhecimento e
dignidade da pessoa humana consolidados quando da promulgação da
Carta dos Direitos Humanos pela ONU em 1948, entre eles: a não
discriminação e o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas
com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade.
Ana Rita de Paula esclarece ainda que "na área da atenção às pessoas
com deficiência convencionou-se usar o termo autonomia à
possibilidade de as pessoas realizarem suas ações sem o auxílio de
terceiros, porém ainda sujeitas à criação de condições pelo meio
ambiente e contexto social".3
3 A citada autora ainda reforça que "os princípios da presente Convenção são: a) O
respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer
as próprias escolhas, e a independência das pessoas; b) A não-discriminação; c) A plena
e efetiva participação e inclusão na sociedade; d) O respeito pela diferença e pela
aceitação das p essoas com deficiência como parte da diversidade humana e da
humanidade; e) A igualdade de oportunidades; f) A acessibilidade; g) A igualdade entre
o homem e a mulher; h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças
com d eficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua
identidade." RESENDE, Ana Paula Crossara de. A Convenção sobre Direitos das
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