Uma analise da formacao cientifica em cursos de graduacao em administracao: a perspectiva dos alunos.

Autorda Costa, Francisco José
CargoArtigo--Ensino de Administração
  1. INTRODUÇÃO

    A orientação científica da formação em Administração no Brasil vem-se consolidando fortemente nos últimos 20 anos, em paralelo à sua vocação historicamente prática e orientada ao mercado empresarial. No entanto, conforme argumentam Bertero, Caldas e Wood Jr. (2005), a produção científica, que teve um grande crescimento quantitativo nesse período, tem ainda sérios problemas de qualidade e consistência.

    A verificação das condições colocadas para o incentivo da pesquisa acadêmica ajuda a compreender esse quadro, tanto no que diz respeito ao crescimento quantitativo quanto no que se refere à pobreza qualitativa. Com efeito, nos últimos 10 anos proliferaram os eventos acadêmicos, além de periódicos da área de Administração, ampliando-se os espaços para publicações. Por outro lado, a exigência de publicação imposta pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) aos pesquisadores fez com que os vários centros de pesquisa (especialmente os vários programas de pós-graduação stricto sensu) passassem a funcionar orientados para a produção intensa de artigos para publicação, o que influenciou fortemente o problema da publicação de baixa qualidade.

    No caso específico dos cursos de graduação, a pressão por uma orientação científica parece ter-se intensificado a partir dos anos 1990, com o surgimento da demanda por trabalhos de conclusão de curso (os TCCs), na maioria das vezes um trabalho monográfico de natureza científica e com diversas outras nomenclaturas (Projeto de graduação, Projeto experimental, dentre outras). Em uma primeira análise, a proposição de uma monografia científica para graduandos pareceu atender a uma demanda de vivência de experiência acadêmica por parte do graduando, como forma de levá-lo a vivenciar plenamente as dimensões de ensino, pesquisa e extensão, o tripé das instituições de formação superior (especialmente universitárias).

    Passados já vários anos de exigência de produção científica para os estudantes concludentes, acreditase que seja necessária uma (re)avaliação da proposta, que leve em consideração não mais a urgência de um esforço das instituições de ensino superior (IES) para a produção de conhecimento, uma vez que tal esforço, ao menos em termos quantitativos, já mostrou seus resultados. A análise exploratória da literatura apontou diversos estudos que focalizam a atividade científica brasileira, expressa em artigos publicados em eventos e periódicos, como mostram Bertero, Caldas e Wood Jr. (2005), e que apresentam uma visão bastante abrangente e completa dessa produção, especialmente em nível de pós-graduação. Por outro lado, praticamente não se avaliou consistentemente os resultados do esforço e da orientação científica nos cursos de graduação em Administração.

    Acredita-se que o encaminhamento de esforços sistemáticos para avaliar os resultados dessa prática seja um desafio para pesquisadores e professores brasileiros, porque se trata agora de considerar não apenas a quantidade de publicações (pois a maioria dos trabalhos sequer foi submetida a qualquer evento ou periódico), mas também a percepção dos agentes envolvidos diretamente no processo. Dessa forma, acredita-se ser necessário avaliar as perspectivas dos professores, dos coordenadores de curso e especialmente dos estudantes.

    Dentre essas possibilidades de estudos, optou-se aqui por avaliar especificamente o posicionamento dos estudantes, por se considerar que são eles os agentes mais ativamente interessados nas exigências para sua formação. Assim, foi definida como problema central de pesquisa a seguinte questão: como os estudantes de cursos de graduação em Administração avaliam a exigência da produção científica do curso?

    Como forma de apontar um referencial bem especificado para o que seja a dimensão científica, optou-se por enfatizar a disciplina de Monografia quando esta é desenvolvida pela orientação científica (1). Assim, os objetivos definidos para a pesquisa foram: (1) avaliar o interesse dos estudantes pela disciplina de Monografia; (2) analisar os principais fatores de influência sobre esse interesse; e (3) desenvolver uma tipologia dos estudantes a partir das percepções apontadas sobre a disciplina.

    Para responder à questão de pesquisa colocada e atender aos objetivos definidos, o restante do trabalho foi dividido em quatro partes: a parte seguinte traz a revisão de literatura, com ênfase no processo de formação em Administração e nas delimitações dos tópicos do estudo de campo; na terceira parte apresentam-se as decisões e os procedimentos metodológicos adotados no trabalho de campo desenvolvido; a quarta parte traz os resultados e as análises dos dados coletados em campo; por último, são tecidas as considerações finais do estudo, com suas implicações, limitações e recomendações para futuras pesquisas.

  2. REVISÃO TEÓRICA

    Neste item, decidiu-se apresentar inicialmente algumas considerações a respeito da literatura especializada sobre a atividade científica em cursos de graduação; em seguida, alguns tópicos relevantes sobre a formação em Administração, e, ao final, as delimitações e os recortes para o trabalho de campo.

    2.1. O profissional de Administração: elementos de um debate ainda inicial

    Tomando-se por base os argumentos de Micklethwait e Wooldridge (1998) sobre a "indústria da Administração", pode-se dizer que a atividade profissional da Administração é uma das mais dinâmicas e atraentes em termos de prestígio e oportunidades profissionais. O crescimento da oferta de cursos e vagas no Brasil a partir dos anos 1990 parece ser uma conseqüência dessa realidade, dado que externamente (contexto no qual os dois autores basearam suas análises) essa realidade já era observada há mais tempo.

    A formação de profissionais de Administração de alto nível, a despeito de atender ao propósito da referida indústria da Administração, atende principalmente a uma demanda de profissionalismo gerencial necessário à atual sociedade do conhecimento (2), como argumentou Peter Drucker (1994).

    Uma das primeiras questões que se colocam nesta discussão concerne à definição de qual é a real tarefa de um profissional de Administração. Alguns textos clássicos abordaram este tema (MINTZBERG, 1975; DRUCKER, 1998), indicando limites e possibilidades da profissão e dando uma contribuição relevante para uma melhor caracterização da profissão em si e dos desafios profissionais. Ainda assim, são um desafio do universo acadêmico da Administração o aprimoramento e a melhor delimitação do papel da área.

    As possibilidades de encaminhamento profissional ou mesmo a fixação de quais conhecimentos e habilidades são necessários para o futuro profissional já foram, no Brasil, desenvolvidas e legalizadas tanto pela representação profissional, com as determinações do Conselho Federal de Administração (CFA), como pelas instituições governamentais de autorização e validação de oferta de instituições de ensino, como é o caso do Ministério da Educação (MEC), que determina as diretrizes curriculares para cursos de Administração.

    Em uma proposta mais analítica e não normativa, Bertero (2006) debateu a profissão com uma amplitude conceitual que circunscreve com maior clareza os caminhos possíveis para um profissional de Administração. Na perspectiva deste autor, são três os tipos possíveis de profissional: o administrador burocrata, que tem como principal responsabilidade gerenciar os processos e as normas burocráticas das organizações; o administrador empreendedor, que é mais orientado para a criatividade e a prospecção e encaminhamento de novas oportunidades de negócios, interna ou externamente; e o administrador executivo, que tem como papel a articulação e dinamização das diversas atividades gerenciais (este seria o manager, na terminologia mais associada ao universo prático das empresas). A proposição de Bertero (2006) contempla bem o caminho tomado pela maioria dos profissionais que seguem carreira em Administração, mas deixa de apontar a possibilidade da carreira acadêmica na área, caminho seguido por aqueles que optam por realizar cursos de mestrado ou de doutorado.

    É principalmente nesse quarto encaminhamento que se justifica a experiência científica que um estudante deve vivenciar. Acredita-se aqui que o trabalho nos moldes científicos realizado ainda em nível de graduação seja a experiência necessária para os futuros profissionais do ensino superior e da pesquisa acadêmica. Restaria, por outro lado, debater se essa experiência precisa ser vivenciada por todos os estudantes ou somente por aqueles que têm esta vocação bem definida e consciente. O item seguinte apresenta elementos desse debate em maiores detalhes.

    2.2. Currículo de cursos de Administração e a questão da formação científica

    A formação em Administração é o tema de base da área de Ensino e Pesquisa em Administração. Este item enfatiza esse aspecto, a partir da análise de alguns tópicos específicos encontrados na literatura especializada pesquisada. Convém ressaltar que os estudos deste campo ainda são limitados em número e abrangência. Como afirma Nicolini (2001), até o final dos anos 1990 ainda era "diminuta a produção científica, na forma de livros ou trabalhos científicos sobre a formação em Administração". A análise das fontes de estudos (periódicos e anais de eventos) indica que, mesmo após o impulso da área a partir do ano de 2001, ainda são poucos os estudos produzidos neste campo, especialmente se o compararmos com outros temas de interesse em Administração (como Marketing e Estratégia, por exemplo).

    [FIGURA 1 OMITIR]

    Dados os objetivos deste trabalho, a ênfase aqui recai principalmente sobre a dimensão curricular, tópico que tem sido objeto de análise de alguns autores (cf. ANDRADE e AMBONI, 2004; NICOLINI, 2001), especialmente em razão da influência que as determinações curriculares têm no perfil do profissional que se forma.

    Conforme consta em lei (BRASIL, 2004), um curso de graduação em Administração desenvolvese a partir de cinco...

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