UMA EXPERIÊNCIA COM GRUPOS DE PROMOÇÃO DA SAÚDE MATERNO-INFANTIL NO SISTEMA PRISIONAL

AutorGabriel Savaris Ignácio
Páginas68-87
GÊNERO|Niterói|v.19|n.1|68 |2. sem.2018
Gabriel Savaris Ignácio1
Resumo: Os presídios brasileiros representam uma complexa questão de saúde
pública na qual as mulheres caracterizam-se como uma população bastante
vulnerável devido às especificidades de saúde, gênero e maternidade. Através
de um relato de experiência, analisou-se grupos de promoção da saúde em uma
Unidade Materno Infantil de uma penitenciária feminina do Rio Grande do Sul.
Os resultados possibilitaram uma compreensão sobre os obstáculos no acesso às
políticas públicas, do exercício da maternidade e da vida nesse contexto. Além
disso, indicaram dispositivos terapêuticos para promoção da saúde e de articulação
de saberes entre usuárias e trabalhadores/as do Sistema Único de Saúde.
Palavras-chave: Promoção da saúde; maternidade; sistema prisional.
Abstract: The brazilians prisons represents a complex public health care issue in
which women are characterized as most vulnerable owing to their specificities
of health, gender and motherhood. Through an experience report, there were
analyzed health promotion groups in a Maternal and Child Unit of a female
penitentiary in Rio Grande do Sul. The results allowed an understanding of the
obstacles in the access to public health policies, the exercise of maternity and life in
this context. Whatsmore, these also indicated therapeutic tools to promote health
and articulation of knowledge between Unified Health System users and workers.
Keywords: Health promotion; motherhood; prison system.
Introdução
A questão da População Privada de Liberdade (PPL) no Sistema Prisional tem
chamado a atenção de diferentes entidades no Brasil e no mundo, principalmente
no que se refere à garantia dos Direitos Humanos e do acesso às Políticas
Públicas de Saúde e de Assistência Social (WHO, 2003). Os levantamentos de
dados mais recentes apontam que o perfil da população prisional é composto
majoritariamente por jovens, negros, de baixa renda e escolaridade, estando
assim, em situações de vulnerabilidade social e econômica, bem como suscetíveis
a condições adversas de saúde (BRASIL, 2014a; 2014b; 2015).
O exponencial aumento da PPL nos últimos anos tem seguido as marcas desse
1 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: gbsignacio@gmail.com.
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SAÚDE MATERNO-INFANTIL NO SISTEMA PRISIONAL
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perfil e aponta, ainda, para um crescente número de mulheres encarceradas:
entre os anos de 2000 a 2014, esse grupo ampliou-se em 567,4% no Brasil
(ao passo que o aumento da PPL masculina foi de 220,20%, no mesmo período).
No caso do Estado do Rio Grande do Sul (RS), entre os anos de 2007 a 2014,
este aumento foi de 41% (BRASIL, 2014b). Assim, considerado o quarto país com
maior população feminina privada de liberdade do mundo, em junho de 2014, o
Brasil contava com 37.380 mulheres presas e 542.401 homens presos, totalizando
579.781 pessoas privadas de liberdade (BRASIL, 2014a; BRASIL, 2015).
A partir de uma caracterização da PPL, é possível perceber que essa possui cor
e classe. Isso se justifica a partir do reconhecimento de que as ações repressivas
à criminalidade têm se dado justamente nas periferias dos grandes centros
urbanos. Tais ações, advindas das políticas proibicionistas de “guerra às drogas”,
são adotadas pelo Estado brasileiro (através do sistema penal de justiça e de
segurança pública) aos moldes dos Estados Unidos da América e se dão nas marcas
da criminalização da pobreza. Isso vem a resultar não só em um encarceramento
em massa, mas, também, em altos índices de homicídios da juventude negra
periférica (WACQUANT, 2001; ZAFFARONI, 2013; BRASIL, 2015).
Assim, a análise dessa questão expõe o caráter de classe do Estado burguês
na captura dos sujeitos inseridos de forma precária na produção social de riqueza,
uma vez que essa se dá sobre os estratos mais desfavorecidos e marginalizados
da classe trabalhadora e do lumpemproletariado2, ou seja, pretos, pobres e
marginais (WACQUANT, 2001; SOARES & GUINDANI, 2007). Ainda
segundo Wacquant (2001), sobretudo nos países da América Latina, onde há
uma profunda desigualdade social e econômica, histórica ausência democrática,
subordinação ao capital internacional, industrialização recente, bem como a
herança colonial e ditatorial, esse cenário é ainda mais precário. A realidade
desses países tem representado um avanço no processo de pauperização das
massas, além do crescimento da violência urbana. De acordo com Lessa e Tonet
(2011), a essência dessa questão, em última instância, pode ser identificada
na violência inerente ao modo de produção da vida na sociedade capitalista,
em que uma classe detém o domínio econômico, político e ideológico sobre a
outra, por intermédio do Estado.
Tendo em vista a situação de vulnerabilidade que as pessoas privadas de
liberdade se encontram (mesmo antes e depois do cárcere), bem como o
crescente número de mulheres presas no RS a questão da saúde da PPL vem se
apresentando como ainda mais complexa. Além das mulheres estarem expostas
às precárias condições sanitárias dos presídios, que caracterizam altas taxas de
mortalidade e agravos infecto-contagiosos (tais como HIV/AIDS, tuberculose,
sífilis, hepatites virais e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis), essas
apresentam diversos problemas relacionados à saúde mental e ao uso abusivo
2 Para Marx & Engels (2002), o lumpemproletariado trata-se da parcela do proletariado urbano que não está
inserida em nenhum trabalho formal (como, por exemplo, pessoas em situação de rua ou de tráfico).
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