Uma análise do desenvolvimento dos estudos de estratégia no ramo imobiliário a partir das influências mais recentes dos stakeholders

AutorErnesto Michelangelo Giglio - Arnaldo Luiz Ryngelblum
CargoDoutor pela Universidade de São Paulo - Doutor pela Fundação Getúlio Vargas
Páginas86-117

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Ernesto Michelangelo Giglio 1

Arnaldo Luiz Ryngelblum 2

1 Introdução

O objetivo do trabalho é discutir a evolução dos estudos de estratégia direcionados ao ramo imobiliário. Tal como outros exemplos de desenvolvimentos teóricos, a partir de análises empíricas, como no ramo automotivo e

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serviços de hotelaria, o ramo imobiliário se transforma e desenvolve novas características que propiciam contribuições em estratégia.

Fenômenos empresariais e produção científica são interrelacionados, assim, negócios como as vendas pela Internet, ou a mudança de comportamento de consumo das classes emergentes, despertam os interesses dos pesquisadores. Nesse movimento, ao refletirem sobre os fatos, criamse afirmativas, modelos, instrumentos de pesquisa e ferramentas de gestão para aqueles mesmos fatos, interferindo e reorganizando seus caminhos. Alguns dos exemplos mais conhecidos de contribuições da academia para a construção de teorias de estratégias e consequentes modelos de gestão encontramse no ramo automotivo, com conceitos de produção integrada e global sourcing (SCAVARDA; HAMACHER, 2001); no ramo hoteleiro, com o conceito de hospitalidade (GIDRA, 2005) e no ramo têxtil, com o conceito de customização (GARCIA et al., 2005). Outros setores economicamente importantes, como o da indústria química, auxiliaram no desenvolvimento dos conceitos de parceria (GULATI, 1998); o setor de educação, com o conceito de EAD – Ensino a Distância (SANTOS; RODRIGUES, 1999). Dessa forma, seria esperado que o setor imobiliário, importante social e economicamente, apresentasse um conjunto desenvolvido e articulado de relações entre a teoria e a prática, a academia e o mercado.

Uma revisão bibliográfica prévia indicou que o ramo imobiliário é pouco investigado nos artigos de revistas e outras manifestações científicas da Administração, tais como congressos e encontros. Quando se levantou a produção do tema nos programas de mestrado e doutorado, verificouse que a área de Engenharia é a que mais produz material a respeito, predominando os temas operacionais, tais como se encontram em Alencar (1993) e Grilo (2002).

A constatação sobre a pequena presença dos temas da formulação, conteúdo e implantação de estratégias nas publicações científicas merece ser investigada, uma vez que o negócio imobiliário é um setor muito importante no Brasil, tanto do ponto de vista econômico, quanto político e social. Além disso, são inúmeros atores participando dos processos, dentre esses os consumidores, os vários fornecedores, as secretarias do governo ligadas à habitação, os bancos, as imobiliárias, as empresas de comunicação; e outros mais indiretamente, como secretarias de vias públicas, associações de bairros, empresas de assessoria; em uma complexa conjunção de interesses. Essa complexidade, associada às características do negócio, que envolve temas tais como as negociações com a cadeia de fornecedores e as incertezas sobre

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as vendas em função da ordem de grandeza do valor desse tipo de bem, ensejaria discussões tais como estratégias das empresas para lidar com essas questões, por meio de alianças, de negociações com os atores do governo, da formação de redes, processos de definição de produtos, participação dos consumidores, decisões conjuntas sobre políticas habitacionais, dentre outros. Esses temas, no entanto, não foram encontrados no levantamento prévio.

Diante desse hiato entre a importância do negócio imobiliário e a produção científica, colocouse a tarefa de realizar uma análise dos temas abordados em artigos acadêmicos publicados nos últimos anos, buscando os tópicos de estratégia presentes para, a partir dos dados, propor um referencial teórico/instrumental e uma agenda de pesquisa para a área. A afirmativa orientadora é que o incremento de pesquisas na área imobiliária, analisando suas características específicas, pode trazer conclusões que permitam a emergência de novos conceitos e modelos teóricos na área de estratégia, tal como ocorreu nas pesquisas do ramo automotivo, com modelos de produção e logística; e no ramo hoteleiro, com modelos e conceitos de hospitalidade.

A partir da justificativa e do objetivo apresentados percorreuse o caminho de realizar uma pesquisa bibliográfica utilizando métodos de busca já consagrados em trabalhos com o mesmo objetivo (DOMBROW; TURNBULL, 2002; LUNARDI; RIOS; MAÇADA, 2005), ou seja, analisar a tendência de temas dos artigos de uma área da Administração e construir inferências sobre os resultados. Assim, analisouse o conjunto de artigos científicos publicados nos últimos 13 anos (1996 a 2008) sobre o negócio imobiliário, nos congressos EnAnpad, tendo como base teórica os conceitos da estratégia dos stakeholders.

2 A Estratégia dos Stakeholders como Ponto de Partida

Os vários atores no ambiente externo às empresas que dão origem às influências sobre elas são chamados de stakeholders. Conforme Freeman (1984), stakeholder é qualquer grupo, indivíduo, ou organização que pode afetar, ou ser afetado pelos processos para atingir os objetivos das empresas.

Essa abordagem reconhece que as exigências sobre as organizações crescem continuamente, o que inclui uma variedade mais ampla de grupos tradicionalmente definidos como stakeholders. Ansoff (1965) classificava os stakeholders como primários e secundários, dependendo de quão próximos

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e necessários eles são no relacionamento com as funções econômicas centrais da empresa. Stakeholders primários são aqueles que têm impacto direto na empresa, como os empregados e os consumidores, enquanto que os secundários são aqueles que não atuam diretamente nas atividades econômicas da empresa, mas podem influenciar, ou serem afetados por suas operações, como o governo, a mídia e instituições financeiras.

Com a velocidade das mudanças tecnológicas e sociais afetando as empresas, a teoria dos stakeholders alcançou maior visibilidade. O poder de cada interessado passou a variar em cada campo de negócios, em cada posição das empresas e no tempo, o que implica em constantes análises do jogo de interesses. O correto conhecimento desses interesses, bem como seu tratamento, por exemplo, buscando sinergias, pode, segundo Bethlem (2001), constituir uma vantagem competitiva significativa. A estruturação desse raciocínio ocorre em quatro estágios: a) identificar as características dos stakeholders; b) identificar os interesses dos stakeholders; c) identificar suas estratégias para influenciar a firma. A partir dessas informações, o raciocínio estratégico consiste em; d) reduzir a dependência desses atores, por meio de ações incrementais de adaptação e reestruturação (FREEMAN, 1984; FROOMAN, 1999). Utilizando esse embasamento teórico foram realizados os passos da metodologia do trabalho, iniciando com alguns dados do construbusiness.

3 Características do ConstrubusinessNesta parte apresentamse alguns dados do mercado imobiliário, os quais justificam a necessidade das organizações desenvolverem estratégias

O negócio imobiliário, também chamado de construbusiness, é o planejamento, produção, comercialização e manutenção de imóveis industriais, comerciais e residenciais. Conforme Fogaça (2000), o negócio movimentava nos últimos anos da década de 1990 cerca de R$ 128 bilhões de reais por ano, empregando 13 milhões de pessoas e realiza investimentos no País na ordem de R$ 113 bilhões por ano. Sua importância econômica está refletida na participação atual de 10,65% do PIB (CBIC, 2007). Para atender o mercado, o ramo imobiliário brasileiro é composto de 180 mil corretores e 30 mil imobiliárias cadastradas. O negócio dividese em três ramos distintos: os imóveis industriais (galpões, depósitos); os comerciais (lojas, shoppings, su-

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permercados e prédios de escritórios) e os residenciais (casas e apartamentos). Os ramos industriais e comerciais contam com a atuação de empresas globais, o que não ocorre no ramo residencial, já que sofre influências de valores culturais regionais, o que dificulta a globalização dos produtos e da comunicação (GIGLIO, 1998).

Trabalhos como os de Meyer (2000), Leonardo (2001), Giglio (2002) e Fávero (2005) têm destacado algumas categorias que caracterizam mais fortemente o negócio imobiliário e evidenciam a presença de stakeholders. Entre essas categorias...

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