O Estado e a concentração urbana

AutorJoão Rogério Sanson
CargoProfessor dos Cursos de Graduação e Pós-graduação em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Páginas9-30
O ESTADO E A CONCENTRAÇÃO URBANA1
João Rogério Sanson2
Resumo
A migração rural-urbana, especialmente para as metrópoles, é usual-
mente explicada como o resultado de expulsão de agricultores e da
atração urbana. O artigo enfatiza o papel do Estado como gerador de
um resíduo f‌iscal, decorrente de benefícios de serviços públicos su-
periores à cobrança de tributos para os migrantes de baixa renda nas
áreas metropolitanas. Isso gera um diferencial de renda real entre as
áreas metropolitanas e as demais áreas, levando a uma velocidade de
urbanização concentrada incompatível com a capacidade de absorção
pelo mercado de trabalho metropolitano. O Estado é endógeno nesse
processo, em conseqüência da competição eleitoral. Isso é reforçado em
sistemas federativos como o brasileiro, em que três níveis de governo
concentram seus interesses políticos nas áreas metropolitanas.
Palavras-chave: migração, economia urbana, Estado.
Classif‌icação JEL : R23, H23
1. INTRODUÇÃO
A urbanização acelerada foi uma característica importante nos países
industrializados desde o século passado. Tal processo de migração rural-
urbana esteve relacionado com o uso menos intensivo ou a expulsão do
1 Trabalho elaborado com financiamento pelo Convênio EBTU n.º 96/84, Programa de Desenvolvimento em Transportes
Urbanos – UFRGS. Foi apresentado no XIV Encontro Nacional de Economia, em dez. 1986. Escolhi divulgá-lo em sua
forma original, exceto por revisão de estilo, uma vez que no momento tenho co-autoria de trabalhos em elaboração
e em vias de publicação que estendem a presente análise. Ver Silveira e Sanson (2004).
2 Professor dos Cursos de Graduação e Pós-graduação em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina
- UFSC
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João Rogério Sanson
Textos de Economia, Florianópolis, v.9, n.2, p.09-30, jul./dez.2006
trabalhador rural com o surgimento de oportunidades de empregos nas
áreas urbanas. Porém, nos países em desenvolvimento, a migração em
décadas recentes tem caminhado à frente da expansão do emprego urbano,
estando o crescimento econômico associado à manutenção de altas taxas
de desemprego aberto e disfarçado. Embora os coef‌icientes de urbanização
ainda sejam mais baixos do que nos países desenvolvidos, a velocidade de
urbanização concentrada está bastante alta3.
Em relação ao caso brasileiro, Geiger, Caetano e Silva (1974, pp. 415-
6) perguntaram-se sobre qual é o diferencial entre o crescimento vegetativo
nacional e o crescimento observado até 1970. Os autores levam em con-
sideração os fatores relacionados às alterações na taxa de fertilidade por
conta de migrações. Suas conclusões são de que as oito principais capitais
brasileiras cresceram 45% acima do esperado entre 1950 e 1970.
As explicações para o movimento migratório rural-urbano giram
sempre em torno de fatores de expulsão e atração. Marx (1967, vol. 1;
ed. orig. de 1867) já discute longamente ambos os fatores, ao descrever
detalhadamente o processo de industrialização inglês e o movimento
migratório associado. No Brasil, um exemplo de autor que privilegia os
fatores de atração é Mata (1973b), ao argumentar que os grandes f‌luxos
migratórios em toda a história brasileira estão sempre associados à ex-
pansão do nível de atividades em alguma parte do país. Este seria o caso
da exploração do ouro em Minas Gerais, embora em parte associado a
um certo declínio da economia açucareira; da borracha na Amazônia;
das frentes de expansão agrícola em São Paulo, depois no Paraná e por
f‌im no Centro-oeste. Ele já previa um f‌luxo migratório equivalente para
a Amazônia, como de fato está ocorrendo.
Embora os modelos de expulsão e de atração possam explicar os
grandes movimentos migratórios e até a urbanização generalizada, ainda é
preciso explicar porque está ocorrendo a migração maciça para os grandes
centros urbanos em vez de um processo mais balanceado de urbanização,
mesmo que a taxas acima do esperado.
É objetivo deste trabalho analisar este fenômeno com ênfase no papel do
Estado. Começamos com o estudo do processo migratório a partir do ponto
de vista de atração do migrante aos grandes centros urbanos, procurando
3 Ver Todaro (1979, Cap. 13) e Zerkowski (1985).

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