Entre o uso racional e a magia: consumo do metilfenidato, TDAH e escolas

AutorMarcia da Silva Mazon, James Tholl
CargoUFSC/UFSC
Páginas47-69
Direito autoral e licença de uso: Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative
Commons. Com essa licença você pode compartilhar, adaptar, para qualquer fim, desde que
atribua a autoria da obra, forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações.
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2022.e91454
4747 – 69
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Entre o uso racional e a magia:
consumo do metilfenidato,
TDAH e escolas
Marcia da Silva Mazon
James Tholl
Resumo
O artigo propõe abordar o consumo de metilfenidato para o TDAH no espaço escolar a partir das
reexões de Bourdieu e Foucault. O tema do aumento do consumo de metilfenidato para o TDAH
é considerado exemplar ao desao dos limites do uso racional de medicamentos. Embora seja
recente a intensicação da medicalização do ambiente escolar, Foucault pondera como a própria
difusão do poder psiquiátrico se faz a partir do binômio escola/hospital, sistema de saúde/sistema
escolar. Interessa-nos compreender o momento mais recente de impulso da indústria farmacêutica,
essa que vende um bem, conforme Bourdieu, que é um bem simbólico: o discurso que o coloca
em circulação é o discurso da denegação do lucro a partir de um exercício de encantamento.
Mostramos como esse discurso atinge a escola a partir da ideia do direito do professor a uma
“sala tranquila” tão bem como seu efeito aparece expresso na fala de professores e professoras
como “mágica”.
Palavras-chave:TDAH. Mercado. Crenças. Uso racional de medicamentos (URM). Escola.
1. Introdução
O Transtorno de Décit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)
é um transtorno psiquiátrico que, segundo a Associação Psiquiátrica
Americana, afeta o neuro-desenvolvimento1, expondo um padrão persis-
1 DSM-5 excluiu o capítulo Transtornos Geralmente Diagnosticados pela Primeira Vez na Infância ou na Adoles-
cência. Uma parte dos diagnósticos do extinto capítulo passou a compor os Transtornos do Neurodesenvolvi-
mento (ARAUJO; LOTUFO NETO, 2014).
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tente de hiperatividade, desatenção e impulsividade que transcende vários
espaços da vida cotidiana de um indivíduo (BRASIL, 2022). Este fenô-
meno é considerado um dos principais problemas de saúde que afeta a
infância. Estudos epidemiológicos2 mostram que há uma prevalência que
varia consideravelmente, de 0,9% a 26,8% (ANVISA/BRATS, 2014). Esse
dado chama a atenção para uma estimativa que estima pouco. Por outro
lado, de acordo com a Junta Internacional de Controle de Narcóticos, ór-
gão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) houve um aumento
de 94 kg consumidos de metilfenidato em 2003 para 875 kg em 2012; ou
seja, um crescimento de 775% em dez anos. O metilfenidato é o medica-
mento mais usado para abordar os sintomas de TDAH (COREN, 2014).
Esse tratamento medicamentoso atende crianças e adolescentes que ex-
pressaram comportamentos, ligados a diferentes modos de desatenção e/
ou hipercinesia, mas que, estritamente a rigor, não poderiam constituir-
-se como sintomas de um diagnóstico clínico tradicional. Vários estudos
alertam para as imprecisões epistemológicas com relação à descrição des-
se transtorno no DSM (CAPONI, 2014; MARTINHAGO; CAPONI,
2019; MARTINHAGO et al., 2019; BIANCHI, 2016, 2019).
Ao mesmo tempo, o uso do metilfenidato como tratamento medica-
mentoso para o TDAH é um dos temas de preocupação relacionado ao
que a Organização Mundial da Saúde (OMS) nomeia como Uso Racional
dos Medicamentos (URM) (PANDE;AMARANTE; BAPTISTA, 2020;
MAZON; BRZOZOWSKI, no prelo). As orientações da OMS expressam
uma preocupação sobre certa racionalidade que deveria existir para que
as pessoas consumam psicotrópicos – ou qualquer outro medicamento –
de maneira considerada adequada, racional. Segundo Pande,Amarante e
Baptista (2020) os documentos da Organização Mundial da Saúde (OMS)
preconizam informar, ou melhor, basta informar a população para garantir
o que a OMS nomeia de Uso Racional de Medicamentos (URM). Esses
documentos clamam pela necessidade de mais informações para os usuá-
rios de medicamentos. Segundo esses documentos, basta mais informação
e os usuários (como atores racionais a ns e com preferências dadas como
2 Em dez anos, a importação e a produção de metilfenidato cresceu 373% no país. Os dados são de pesquisa do
Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) (ANVISA/BRATS, 2014).

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