Que a USP descanse em paz! Disputas simbólicas entre jornalistas e acadêmicos em fins dos anos de 1980

AutorAline Chiaramonte, Ana Paula Hey
CargoDoutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo/Professora no Departamento de Sociologia e no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo
Páginas250-276
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v17n39p250/
250250 – 276
Direito autoral e licença de uso: Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative
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atribua a autoria da obra, forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações.
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Que a USP descanse em paz!
Disputas simbólicas entre
jornalistas e acadêmicos em
fins dos anos de 1980
Aline Chiaramonte1
Ana Paula Hey2
Resumo
O artigo analisa as disputas por legitimidade entre jornalistas e acadêmicos no final dos anos
1980, em São Paulo. Tendo como recurso heurístico o caso da “lista dos improdutivos”, a abor-
dagem concentra-se nos conflitos que têm como centro a produção simbólica, i.é, uma visão
única acerca das coisas do mundo. Enfatiza-se a criação, por jornalistas da Folha de S.Paulo, de
uma doxa que opõe o Estado ao mercado, o primeiro tendo uma conotação negativa e o segundo
positiva, revelando aspectos das disputas nos campos cultural e do poder durante a redemocra-
tização. Entende-se que o jornalismo obteve sucesso na produção e difusão de uma doxa por
ter papel central nesse período, tanto na formação de espaços de debate quanto ao dar voz e
projetar agentes antes excluídos da vida pública. Demonstra-se que a Folha ao se modernizar, por
meio da ação de jornalistas recém-chegados à imprensa, atribuiu-se a função de formar a opinião
pública (seu público) e, em nome dela, legitimou-se para agir. Estabelecer a produção de um tipo
de conhecimento que emerge pelo confronto marca o jornal como ator ativo no campo cultural
contemporâneo.
Palavras-chave: Jornalismo. Redemocratização. Universidade de São Paulo. Folha de S.Paulo. Doxa.
1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo. É bolsista do Con-
selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ. E-mail: aline.chiaramonte@gmail.com.
2 Professora no Departamento de Sociologia e no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade
de São Paulo.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 39 - Mai./Ago. de 2018
251250 – 276
Que a palavra escrita seja a corporificação naturalmente necessária de um pensamento, e
não o invólucro socialmente aceitável de uma opinião. (Karl Kraus, 1909).
Introdução
Os anos de 1980 são emblemáticos para a leitura do papel da mídia
escrita na construção da redemocratização do País, tendo como pressu-
posto o estímulo dado à prática da democracia por meio da informação/
formação dos cidadãos para atuarem nas coisas públicas. Em São Paulo,
centro da análise ora proposta, há um movimento dos jornais em direção
à modernização das empresas – informatização, adoção de maquinário de
impressão de última geração (ofset), renovação dos prossionais, criação e
adoção de Manuais de Redação e de cursos de formação jornalística, ava-
liação e mensuração quantitativa do que se publicava. A Folha de S. Paulo
(FSP) encabeça tal processo, conseguindo imprimir aos outros diários a
feição e a velocidade das mudanças a serem realizadas. O periódico, que
antes do transcurso da distensão tinha pouca expressão no mercado pau-
lista, passa, depois do implemento do Projeto Folha (conjunto de medidas
citadas adotadas na direção de modernizar-se técnica e prossionalmente),
a concorrer mais fortemente pelo controle dos recursos simbólicos neces-
sários para exercer o papel de produtora de notícias e, por consequência,
de criadora de signicados sobre o contexto da democratização e também
acerca dos agentes que atuam nesse pleito. A frase – de autoria de Olival
Costa, um dos fundadores da FSP –, selecionada pelos prossionais que
conduzem o Projeto para abrir o primeiro Manual de Redação (publicado
em 1984), expressa as concepções que orientam o jornalismo produzido
que, além de cumprir a função de informar, seleciona e enquadra aspectos
da realidade de modo a orientar o leitor. Sendo (o jornalismo) assim levado
a cabo, cabe ao jornalista criticar, já que a realidade informada é conhecida
por ele, apesar de parcial: “[...] quem quer literatura busca-a nos livros.
A função do jornal é informar. Mas informar não é apenas noticiar: é, a um
tempo, selecionar e orientar. No esforço de selecionar se acha subentendi-
da a obrigação de criticar” (FOLHA, 1984, p. 2).
Há claramente um pano de fundo que permite entender essa concep-
ção de jornal, relativo ao estabelecimento de um jornalismo prossional

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