Valença - 1ª vara dos feitos de relações de consumo, cíveis, comerciais e reg. Público

Data de publicação22 Agosto 2023
Número da edição3398
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COMERCIAIS E REG. PUB. DE VALENÇA
SENTENÇA

8001128-32.2021.8.05.0271 Interdição/curatela
Jurisdição: Valença
Requerente: G. D. J. O.
Advogado: Eliene Ascendino Bevilaqua (OAB:BA39120)
Requerido: J. M. D. O.
Custos Legis: M. P. D. E. D. B.
Perito Do Juízo: C. G. D. C.

Sentença:




SENTENÇA


Vistos, etc.,



GILVAN DE JESUS OLIVEIRA (ID n. 101570211), qualificado nos autos, requereu a interdição de JOÃO MACEDO DE OLIVEIRA, também qualificado na inicial, aduzindo, em síntese, que o curador é filho do interditando, conforme (ID n. 101570211); que o interditando apresenta doença degenerativa grave há muitos anos, encontrando-se atualmente em condição de acamado, não mais possui movimentos corporais, vive na cama, há muitos anos têm demonstrado uma incapacidade intelectual avançada, já não fala, não consegue nem mesmo manifestar a própria vontade através de qualquer gesto, bem como não tem condições de gerir a sua vida civil em sua total capacidade.

Após expostas suas razões de fato e direito, a parte autora requereu pedido de interdição, com a intimação do Ministério Público para intervir no processo e a produção de todos os meios de prova em direito admitidos. Ao final, requereu a decretação da interdição, com nomeação do requerente como curador.

No ID n. 122125006, o Juízo concedeu a curatela provisória.

No ID n. 141276402, entrevista do interditando, e depoimento pessoal da requerente.

No ID n. 181821666, certidão informando que o interditando não figura como herdeiro ou legatário em nenhum processo de inventário ou partilha.

No ID n. 350536810, contestação do curador especial.

No ID n. 203741516, laudo pericial.

No ID n. 152124621, certidão negativa de bens imóveis do interditando.

No ID n. 350536810, parecer do Ministério Público, favorável à procedência da ação.



É o Relatório.

Decido.



Defiro a assistência judiciária gratuita.

É notório que o procedimento de interdição sofreu intensas transformações com a entrada em vigor da Lei Federal nº 13.146/2015. Tal lei, com raízes profundas no princípio da dignidade da pessoa humana. Dessa maneira a Lei, em seus art. 6º e 84º, aponta que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, com que foi extirpado do ordenamento jurídico a previsão da incapacidade civil absoluta decorrente da deficiência mental ou física.

A partir disso, estabelecido está que a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, constituindo medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatela (art. 85º, § 2º).

Cumpre ainda salientar, que a interdição é uma medida protetiva, que visa resguardar o interesse de pessoas impossibilitadas para os atos da vida civil, implicando em restrição ao direito de personalidade do ser humano, bem como, ao direito de regência da própria pessoa e seus bens, exigindo, por esse motivo, comprovação cabal da incapacidade do interditando.

Como vê, não restam dúvidas, portanto, que a interdição constitui medida extremamente drástica, sendo imperiosa a adoção, pelo magistrado, de toda cautela para concluir pela privação da capacidade civil de uma pessoa, pois tal providência retira do interditado a livre administração e disposição de seus bens. Dessa forma, somente quando existe efetivo comprometimento das faculdades mentais, com impedimento da pessoa em manifestar claramente o seu pensamento, é que se justifica a interdição. Portanto, o que se releva para a decretação da interdição, é a identificação dos reflexos que aludida anomalia psíquica, produz no discernimento do portador da anomalia, e se tal implica na incapacidade do interditando para reger sua pessoa, e administrar seus bens.

Maurício Requião, a seu turno, destaca que a nova lei apaga do mundo jurídico a previsão de incapacidade decorrente de deficiência, mas destaca que isso, contudo, não conduz necessariamente ao descabimento de curatela, embora agora prevista como medida extraordinária: Assim, o fato de um sujeito possuir transtorno mental de qualquer natureza, não faz com que ele, automaticamente, se insira no rol dos incapazes. (…) A mudança apontada não implica, entretanto, que o portador de transtorno mental não possa vir a ter a sua capacidade limitada para a prática de certos atos. Mantém-se a possibilidade de que venha ele a ser submetido ao regime de curatela. O que se afasta, repise-se, é sua condição de incapaz”.

Prossegue aquele autor afirmando que, a partir da sensível mudança de paradigmas no trato da pessoa portadora de deficiência, a Lei Federal n. 13.146/2015 gerou reflexos no sistema das incapacidades no Código Civil. “Isto porque a regra passa a ser a garantia do exercício da capacidade legal por parte do portador de transtorno mental, em igualdade de condições com os demais sujeitos (artigo 84, Estatuto da Pessoa com Deficiência). A curatela passa a ter o caráter de medida excepcional, extraordinária, a ser adotada somente quando e na medida em que for necessária”.

Segundo o art. 85 da Lei 13.146/2015, a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. O parágrafo 1º da referida lei, leciona que a definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto”. No seu parágrafo 2º, a lei, dispõe que: a curatela constitui uma medida protetiva extraordinária.

Tal diploma, no art. 84, parágrafo 2º estabelece o instituto da decisão apoiada, que é o processo pelo qual, a pessoa com deficiência, dotada de certo grau de discernimento, elege pelo menos 2 pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos de confiança para prestar-lhe apoio na tomada de decisões sobre os atos da vida civil. Dessa forma, a curatela só se justifica se não for possível aplicar o instituto da decisão apoiada. Vai daí, portanto, que sendo a pessoa deficiente detentora de capacidade civil plena, somente se admite o processamento da interdição (entendida como ação de imposição de curatela e não mais voltada à declaração da incapacidade civil) quando demonstrada a imperiosa necessidade de prática de atos de gestão patrimonial pelo curador em razão da impossibilidade do exercício de seus direitos pelo interditando, e quando for impossível recorrer-se ao mecanismo da tomada de decisão apoiada.

Nesse norte, afastou-se a exigência de termo de curatela em diversas situações, como na emissão de documentos oficiais (art. 86) e para o requerimento e recebimento de benefícios previdenciários, a partir da inclusão, pelo art. 101 do Estatuto, do art. 110-A da Lei nº 8.213/1991.

No presente caso, o interditando não tem condições de gerir seus próprios atos, de exprimir a sua vontade, de forma livre e consciente, conforme comprovado no laudo pericial, tornando inaplicável o instituto da decisão apoiada, cumpre salientar também que na audiência de entrevista o interditando não teve condições de responder aos quesitos formulados por este juízo.

Por conseguinte, justifica-se, portanto, sua submissão aos termos da curatela, nos termos do arts. 84 e 85 da Lei 13.146/2015, limitada aos aspectos de natureza patrimonial e negocial.

Com efeito, o laudo pericial, evidencia que a par das limitações psíquicas, o interditando possui restrições para atividades da vida diária e está inapto para decidir sobre atos da vida civil, o que presume, também, do benefício assistencial por incapacidade a que faz jus.

Isso não implicará, por outro lado, declaração de incapacidade civil, porque não mais remanescem tal figura no art. 3º do Código Civil.

Pelo exposto, Julgo Procedente a Ação, com fundamento nos arts. 1767, I do CC, e, na forma dos arts. 487, I, e art. 754 do Código de Processo Civil, para o fim de submeter JOÃO MACEDO DE OLIVEIRA (ID n. 101569657), à curatela restrita a aspectos patrimoniais e negociais, a ser exercida pelo pretenso curador (filho do interditando) GILVAN DE JESUS OLIVEIRA (ID n. 101570211), a quem competirá prestar contas dos atos de sua gestão, sempre que solicitado, ficando advertido de que necessitará de prévia autorização judicial para que contraia obrigações em nome do interditado.

A interdição abrange a prática de atos de disposição patrimonial e negocial, tais como: demandar ou ser demandada em juízo; transigir, dar quitação, alienar, hipotecar e praticar atos de administração de seu patrimônio. Deve ser feita a especialização em hipoteca para que eventuais bens, em nome do interditado, sejam resguardados, devendo o Curador prestar contas anualmente neste Juízo, sob as penas da lei. E ainda, os que porventura o interditado herdar por conta de processo de inventário.

Em obediência ao disposto no art. 755, §3º do Código de Processo Civil e no art. 9º, III, do Código de Processo Civil, inscreva-se a apresente no Registro Civil e publique-se na imprensa local, no órgão Oficial e na plataforma de editais...

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