Valores antidemocráticos e ataques às instituições: comportamentos da direita on-line a partir da análise das contas 'Direita Brasil' e 'Verde e Amarela' no Twitter

AutorMichele Goulart Massuchin - Maíra Orso - Dayane Mulhbeier Saleh
Páginas39-72
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2021.84722
3939 – 72
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Valores antidemocráticos e ataques
às instituições: comportamentos da
direita on-line a partir da análise das
contas “Direita Brasil” e “Verde e
Amarela” no Twitter
Michele Goulart Massuchin
Maíra Orso
Dayane Mulhbeier Saleh
Resumo
O artigo discute o comportamento digital da direita, materializado a partir da atividade de atores
digitais que surgem no contexto do sistema híbrido de mídia, em relação à dissipação de valo-
res antidemocráticos e ataques institucionais. Apesar da proliferação bastante heterogênea desses
agentes, a literatura tem mostrado a utilização generalizada de plataformas digitais para espalhar
discursos de interesse político. O texto tem como foco dois pers de direita no cenário brasileiro
– Direita Brasil e Verde e Amarela – e faz uma análise da atuação das duas contas de Twitter em
que são observadas 2.872 postagens. O artigo trabalha com as hipóteses de que (1) os ataques
institucionais se intensicam ao longo do tempo, um resultado do acirramento entre os poderes,
tendo-os como foco; enquanto (2) as críticas aos valores democráticos e os ataques ideológicos
se dão de forma generalizada à democracia e são estáveis ao longo do tempo. Os resultados não
conrmam as hipóteses em sua totalidade, mas mostram que as instituições e seus representantes
são alvo das páginas, assim como os valores antidemocráticos também são propagados; porém, o
foco dos ataques e os valores ressaltados se alteram constantemente.
Palavras-chave: Twitter. Direita. Valores antidemocráticos. Ataques institucionais.
Valores antidemocráticos e ataques às instituições: comportamentos da direita on-line a partir da análise das contas “Direita Brasil”
e “Verde e Amarela” no Twitter | Michele Goulart Massuchin, Maíra Orso, Dayane Mulhbeier Saleh
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1. Introdução
“Eu juro que não entendo como o povo ainda não cercou o STF e arrancou
aqueles vagabundos de lá na base do pontapé...”. “Feminismo / esquerdismo é
DOENÇA! https://t.co/CjWa5pT6Bh”. Estes três trechos são conteúdos de
postagens realizadas pelos pers Direita Brasil e Verde e Amarela no Twitter,
os quais fazem ataques diretos às instituições e aos valores democráticos.
Ainda que pudessem ser casos esporádicos ou atípicos, a literatura já
tem indicado que comportamentos agressivos são características discursivas
de grupos ativistas e atores de direita no ambiente digital (CHAGAS, 2021;
PENTEADO; LERNER, 2018; DALMONTE; DIBAI, 2019; NOURI;
LORENZO-DUS, 2019). Chagas e Massuchin (2022) apresentam quatro
eixos como repertório estratégico do ativismo de direita nas redes sociais
– caráter identitário, natureza satírica e o humor agressivo, disseminação e
estímulo à circulação de desinformação e dinâmica de ações coordenadas
–; porém, no caso brasileiro, outras características mais especícas parecem
também se evidenciar junto a essas – como o ataque às instituições e a
presença dos valores antidemocráticos –, trazendo ingredientes adicionais
para o discurso dos representantes de direita. Assim, também precisam
de observação sistematizada. E é para esses dois elementos que este artigo
direciona sua análise.
Esses discursos ganham expressividade em uma situação de des-
conança institucional (MOISÉS, 2005; BAQUERO; CASTRO;
RANINCHESKI, 2017) e, também, de pouca adesão efetiva aos valores
democráticos (VALORES EM CRISE, 2020). Vale ressaltar que esta pes-
quisa parte do pressuposto de que, no Brasil, a direita tem reemergido
(MIGUEL, 2018), ou seja, apenas passou a atuar a partir de novos contor-
nos do ambiente digital – não sendo uma total novidade.
Embora as páginas analisadas neste artigo não sejam visivelmente de
responsabilidade da direita partidária, há um conjunto de conteúdos que
são dissipados por grupos e apoiadores não necessariamente institucionali-
zados, mas que se aliam e se intitulam de direita. O que se tem, portanto, é
a multiplicação de uma direita radical capilarizada que fortalece a extrema-
-direita partidária já existente (CASTELLI; PIRRO, 2018), e é sobre esse
comportamento que se está falando: aquele não necessariamente institu-
cionalizado ou aliado a partidos.
Assim, reforçado por discursos com ampla visibilidade pública, como
do atual presidente e de outros representantes políticos, os comportamentos
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 20 - Nº 49 - Set./Dez. de 2021
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antidemocráticos e que atacam as instituições ganham força no ambiente
digital, especialmente nas redes sociais. Na internet, novos distribuidores
de informação lucram de atenção ampliada; nesta conjuntura que páginas,
canais e pers de direita eles passam a atuar no cenário digital. São reco-
nhecidos como nativos digitais e disputam narrativas sobre distintos fa-
tos, especialmente no âmbito das redes sociais (MASSUCHIN; SANTOS,
2021; REIS; ZANETTI; FRIZZERA, 2020; PENTEADO; LERNER,
2018; CHAGAS, 2021).
Nesse contexto em que o ativismo de direita tem ganhado represen-
tantes e fontes de informação próprias nas mídias digitais e que se percebe
indícios de que seus discursos denotam ataques institucionais, como aque-
les mencionados no primeiro parágrafo, assim como aos valores democrá-
ticos, busca-se, neste artigo, analisar como isso se estabelece a partir de dois
pers do Twitter. Entre janeiro de 2020 e junho de 2021, foram coletados
2.873 posts, sendo 1.952 deles do Direita Brasil e 920 do Verde e Amarela.
Os pers Direita Brasil e Verde Amarela foram selecionados como ob-
jeto de análise a partir de critérios de visibilidade, uma vez que essas contas
congregam um considerável número de seguidores e compartilhamentos.
Ademais, compartilham diversos conteúdos de agentes políticos de direi-
ta, repetindo e reforçando discursos que se sobressaem em outras esferas.
Ademais, podem ser considerados representativos do modus operandi da
direita on-line porque possuem uma atuação contínua e diária em relação à
circulação de conteúdos, não agindo unicamente em momentos oportunos
e demandados de ativismo.
O texto corrobora com as discussões sobre as características de atuação
da direita, tema que tem se destacado na literatura nacional e internacio-
nal, na tentativa de perceber padrões de uso das redes digitais como estraté-
gia política. Dentre os diferentes elementos acionados pela direita on-line,
o texto mostra especicidades de dois deles, o que os coloca em posição de
destaque e justica o enfoque dado ao artigo. E, não menos importante, a
análise traz um panorama que, junto a outras pesquisas, permite mapear
estratégias de ação.
A partir da análise de conteúdo (AC), a observação se dá de forma
comparativa entre as páginas e a partir da perspectiva longitudinal, identi-
cando quando os ataques às instituições e os discursos antidemocráticos

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