Valores Espirituais das Comunidades Tradicionais Indígenas como Patrimônio Imaterial no Brasil

AutorVânia Siciliano Aieta
Páginas109-126
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VALORES ESPIRITUAIS DAS COMUNIDADES
TRADICIONAIS INDÍGENAS COMO PATRIMÔNIO
IMATERIAL NO BRASIL
Vânia Siciliano Aieta
Em homenagem ao Professor Darcy Ribeiro,
antropólogo e defensor dos índios do Brasil.
Resumo: O presente trabalho aborda a tutela jurídica dada aos direitos culturais no
ordenamento jurídico brasileiro, em especial a adequação dos valores espirituais das
comunidades indígenas como um dos elementos também abarcados pela proteção do
patrimônio cultural imaterial. Para tanto, analisa-se não apenas as normas protetoras
do patrimônio cultural material e imaterial destes povos tradicionais, mas também a
compreensão da jurisprudência brasileira diante de um caso concreto paradigmático
sobre o tema, o acidente aéreo, ocorrido em setembro de 2006, quando um avião da
Gol Linhas Aéreas, sobrevoando terras indígenas brasileiras, se chocou com um jato
Legacy que seguia para os Estados Unidos.
INTRODUÇÃO
Os povos indígenas, também chamados de “povos originários”, são
detentores de um vasto conhecimento, profundos e complexo, desenvolvido
historicamente, referente a saberes variados.
A proteção jurídica dessa comunidade tradicional reside na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, na Convenção Americana de Direitos Humanos,
na Convenção nº. 169 sobre Povos Indígenas e Tribais (que enalteceu os direitos
fundamentais dos povos indígenas, como povos originários), na Convenção da
Diversidade Biológica (que reconheceu a dependência dos recursos biológicos às
populações indígenas), na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural
(buscando o reconhecimento da diversidade cultural e a proteção das minorias) e a
Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (que trata sobre
questões bioéticas e de proteção dos vulneráveis) (RODRIGUES, 2014, p.40).
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No Brasil, a Constituição Federal de 1988, ao reconhecer os direitos
humanos e fundamentais e a necessidade de sua efetivação, assegurou o direito à
cultura, à diferença, à diversidade cultural aos direitos indígenas, em especial seus
direitos culturais, que foram previstos, pela primeira vez, no plano internacional,
com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que os qualificou como
indispensáveis à dignidade e ao livre desenvolvimento da personalidade.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 215, prevê que o Estado garantirá
a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura
nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações
culturais.
Diante do reconhecimento da sua importância, os direitos culturais entraram
na agenda internacional especialmente através da iniciativa da Organização das
Nações Unidas (ONU). A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948,
marco da internacionalização desses direitos, dispõe, no seu art. 22 que todo ser
humano, como membro da sociedade, deve ter assegurados os direitos culturais,
considerados indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua
personalidade. Já o artigo 27 enfatiza o direito das pessoas de participar e fruir dos
benefícios da cultura.
Em 1966, sob a coordenação da Organização das Nações Unidas para
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), foi realizado o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que corresponde a desdobramentos da
Declaração Universal, prevendo obrigações legais para os Estados-partes, no caso
de descumprimento dos direitos ali previstos. Além do Pacto, outros instrumentos
jurídicos internacionais foram criados, tais como a Convenção para a Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 1972, e a Declaração Universal sobre a
Diversidade Cultural, de 2001.
Com esses documentos, os Estados-partes passaram a ter a obrigação de
construir políticas públicas para fazer frente à garantia desses direitos. Contudo, no
Brasil, somente a partir da Constituição Federal de 1988, fruto da redemocratização
do país, os direitos culturais foram explicitamente reconhecidos. Até então, o tema
cultura aparecia de forma tímida, juntamente à pauta da educação.
No texto constitucional, é possível encontrar alguns exemplos do que a
doutrina considera como direitos culturais, tais como o direito autoral (artigo 5º,
XXVII e XXVIII), o direito à liberdade de expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação (artigos 5º, IX, e 215, §3º, II), o direito à
preservação do patrimônio histórico e cultural (artigos 5º, LXXIII, e 215, § 3º, inciso

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