A formação da nação e o vazio na narrativa argentina: ficção e civilização no século XIX

AutorJosé Alves de Freitas Neto
CargoUNICAMP
Páginas189-204
A FORMAÇÃO DA NAÇÃO E O VAZIO NA NARRATIVA
ARGENTINA: FICÇÃO E CIVILIZAÇÃO NO SÉCULO XIX
José Alves de Freitas Neto*
UNICAMP
Resumo:O conto El Matadero de Esteban Echeverría (1805-1851) é um relato
fundador que explicita as tensões vividas no território argentino no período do
governo do caudilho Juan Manuel de Rosas. Ultrapassando as dicotomias entre
federalistas e unitaristas, El Matadero é uma crítica à população de Buenos Aires
que apoiava o governo do caudilho. Echeverría construiu uma metáfora do processo
político daquele país e nos permite a leitura de um vazio civilizacional em sua
descrição sobre os habitantes da cidade e, ao mesmo tempo, os paradoxos para que
se pudesse atingir o projeto do grupo de liberais ilustrados portenhos.
Palavras-chave: Echeverría; El Matadero; nação; Argentina.
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and civilization in 19th century
Abstract: The tale El Matadero by Esteban Echeverría (1805-1851) is like a
establisher report that make explicit the tensions deeply experienced at Argentina
on the years of Juan Manuel de Rosas government. Exceeding the dichotomous
limits between federalists and unitarists, El Matadero is a criticism on to Buenos
Aires people who supported the caudillo Rosas and his authority. Actually,
Echeverría frames a metaphor about the Argentinean political process in which we
can see empty spaces in its “civilization” (it is like a civilizational vacuum) when
he describes the townsmen and, at the same time, he shows us the paradoxes within
for the reaching the project from liberals and illustrated porteños.
Keywords: Echeverría; El Matadero; nation; Argentina
* Agradeço aos pesquisadores e amigos: Priscila Pereira, Juliana Lopes, Janice Theodoro, Leandro Karnal
e Anderson Roberti dos Reis pela leitura e sugestões apresentadas; a Jean Claude Laborie pela proposição
do desafio de pensar a temática do excesso/vazio na América. Este texto foi apresentado, de forma
sucinta, durante o VII Encontro Internacional da ANPHLAC (Associação Nacional de Pesquisadores de
História Latino-americana e Caribenha), realizado na PUC-Campinas, em outubro de 2006.
Dedico este texto à memória do Professor Héctor Hernán Bruit, professor livre-docente da Unicamp,
que tanto contribuiu para o crescimento da área de História da América no Brasil. Sua ausência deixa um
imenso vazio entre os que o admiravam.
190 REVISTA ESBOÇOS Nº 20 — UFSC
Na origem dos atuais estados políticos que compõem a América Latina, a
literatura teve uma função pedagógica extremamente relevante por estabelecer
estereótipos, narrar contradições e sinalizar os espaços de cada grupo étnico, social
e político dentro das disputas internas dos países que se originaram do antigo
Império Espanhol.
Este aspecto de uma literatura de fundação, que persiste ainda hoje como
cânones desses Estados, relaciona-se historicamente com uma determinada
projeção realizada pelos literatos do século XIX. Seus valores políticos, morais
e estéticos saltam das páginas e povoam certo imaginário sobre as origens
destas unidades políticas independentes da América hispânica. Os literatos que
registraram episódios recriando tipologias sobre os habitantes das antigas colônias
espanholas legaram às gerações posteriores a oportunidade de rastrear, por meio do
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duzentos anos depois, os escritos desses homens de letras continuam instigando a
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que surgiam. Na América hispânica da atualidade ainda ecoam questões sobre as
identidades, o futuro e as contínuas avaliações sobre o passado.
Estas perguntas recorrentes se explicam também pela necessidade de
particularizar o que cada país procurou realizar durante a sua formação. O antigo
território colonial ibérico fragmentou-se e cada uma das novas regiões autônomas
empreendeu esforços para se individualizar em relação às áreas vizinhas. O passado
colonial, cujos traços do domínio espanhol conferiam certa uniformidade aos vice-
reinos e capitanias, foi rediscutido por intelectuais e literatos na formação dos
novos países.
Na Argentina, por exemplo, foram freqüentes os debates sobre sua nova
condição política. As divisões internas diante do espólio colonial espanhol
dividiram politicamente o que seria o futuro território do país austral. A crença
em um futuro modernizador levou os políticos liberais a questionar as práticas
consolidadas e, ao mesmo tempo, a sinalizar outros processos históricos que
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o outro representava uma tradição “arcaica”. Estes dualismos favoreceram as
explicações esquemáticas, mas na prática, as divergências eram mais complexas. O
tema principal da Argentina do século XIX foi apresentado por Domingo Faustino
Sarmiento ao escrever o clássico “Facundo: civilização e barbárie” (1845).
O dilema do tema civilização e barbárie é a ambigüidade que cada uma destas
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ilustrados e liberais que excluem parte dos habitantes daquele território do debate.
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antes deste discurso assumir a forma elaborada por Sarmiento, outros escritores já
abordavam o projeto de nação a ser buscado pela Argentina e qual o papel de sua

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