Processo de intervenção visando à construção de equipe em duas unidades de trabalho de uma universidade pública brasileira

AutorGisele Sabrina Warmling - Marcelo Richar Arua Piovanotti - Narbal Silva - Nivaldo Campana
Páginas122-147

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Este estudo* relata a implementação de um projeto de intervenção nas dimensões humana e técnica, que surgiu da necessidade de chefias e funcionários do Departamento e da Coordenadoria do Curso de Psicologia da UFSC de compreenderem seus relacionamentos interpessoais e de trabalho, bem como de refletir sobre eles. Essa iniciativa serviu como ponto de partida para a geração de possíveis mudanças que gradativamente endereçassem os relacionamentos interpessoais no trabalho para interações sociais típicas do trabalho em equipe. Trabalho em equipe pressupõe que as pessoas interajam trocando informações, compartilhem recursos, coordenem-se e reajam umas às outras na realização das tarefas (MUCHINSKY, 2004).

O Departamento de Psicologia é uma unidade acadêmica que se encontra hierarquicamente vinculada ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina. É atribuição doPage 123departamento gerenciar as disciplinas pertinentes a ele, distribuídas no curso de Psicologia e em outros cursos da universidade. Um exemplo de atividade típica dessa unidade é o processo de elaboração do Plano de Atividade Departamental (PAD). Essa tarefa constitui-se por sucessivas construções de propostas e etapas de negociação com os docentes, que visam a distribuir ao conjunto de professores atividades de ensino, de pesquisa e de extensão. Já a Coordenadoria do Curso de Psicologia direciona-se para questões pedagógicas do curso e a organização da vida acadêmica dos alunos. Exemplos dessas atividades são: processamento de matrícula, elaboração do histórico escolar, mediação de conflitos entre professores e alunos e avaliação do desempenho docente.

Essas duas unidades, departamento e coordenadoria, operam administrativamente no mesmo espaço físico, devido à complementaridade existente entre seus diversos fluxos de trabalho, mas já ocuparam espaços físicos distintos. Na mudança do departamento e da coordenadoria para as atuais instalações, as duas unidades foram alocadas no mesmo espaço físico, porém, continuaram separadas por uma parede, que posteriormente foi retirada. O fato de essas unidades de trabalho adquirirem diferentes configurações físicas – separadas, juntas, porém, separadas por uma parede, juntas, sem separação – e serem habitadas por diferentes atores sociais que delas fizeram parte ao longo do tempo insere-as na condição de fenômenos sociais historicamente construídos, discutida por Berger e Luckmann (1985). Assim, são produtos de acordos implícitos e explícitos estabelecidos entre professores, funcionários e alunos que delas participaram no transcorrer de suas histórias. De acordo com essa perspectiva, tais “acordos” criaram, ao longo do tempo, condições para o surgimento de um conjunto de valores, sistema de crenças e regras que conferiram, para as duas unidades, sentido peculiar de realidade socialmente construída.

Segundo Schein (1987), os comportamentos que logram algum tipo de êxito para os membros do grupo passam a estruturar hábitos que, por resultarem em conseqüências bem-sucedidas num determinado momento histórico, são repassados a futuras gerações como modos corretos de pensar, sentir e agir.

Desse modo, para entender a dinâmica interpessoal e de trabalho dessas duas unidades (departamento e coordenadoria) é importante conhecer o processo histórico de normatização da vida em grupo, que pressupõe a combinação de algumas regras. À guisa de ilustração,Page 124quando os alunos matriculam-se em determinada disciplina, necessitam de informações sobre horário, local, nome do professor e os objetivos que estão sendo propostos para ela. É como se existissem “acordos” entre tais atores sociais, professor e aluno, que funcionam como regras sociais. O processo de estabelecimento dessas regras como acordo entre as pessoas denomina-se institucionalização.

Segundo Berger e Luckmann (1985), a institucionalização começa com o estabelecimento de regularidades comportamentais. A partir disso, formam-se os hábitos que, ao cristalizarem-se devido a sua eficácia, são repassados a futuras gerações, tornando-se tradição. Assim, conclui-se que a instituição é valor ou regra social fortemente arraigado nas pessoas, serve como condutora do comportamento delas no grupo e são as organizações que reproduzem e legitimam o conjunto de instituições no cotidiano social. O modo como as pessoas percebem a realidade que as cerca é diretamente dependente dos múltiplos fatores do contexto em que estão inseridas. O processo perceptivo pode ser compreendido como maneira pela qual as pessoas organizam e interpretam suas impressões sensoriais, a fim de conferir sentido a seu ambiente. O comportamento é orientado pelas percepções de o que a realidade significa, não da realidade em si. O mundo percebido é o mundo comportamentalmente relevante (ROBBINS, 2002).

As ações humanas baseiam-se nas percepções da realidade e diferem de pessoa para pessoa. As características do sujeito, do objeto e do contexto influenciam decisivamente o processo perceptivo. A história de vida é particular para cada pessoa, e, portanto, pessoas diferentes interpretam os mesmos estímulos de modos distintos.

Da mesma forma que a percepção de fenômenos visuais e auditivos é influenciada por diferentes fatores, as percepções de outras pessoas e de situações de interação social também são influenciadas pelas características físicas e psicológicas dos envolvidos e do contexto social da interação. Quando se estudam as relações humanas no ambiente de trabalho, é importante estar consciente dessa condição. O ambiente de trabalho compõe-se por pessoas, artefatos e uma construção histórica de significados, conceitos e valores. Os valores darão suporte às percepções, atitudes e aos comportamentos presentes no processo de interação grupal (SILVA e ZANELLI, 2004), por isso, ter clareza dos valores de uma organização é fundamental para entender os comportamentos de seus integrantes.

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O ser humano faz suposições sobre o comportamento dos outros atores da organização, segundo suas próprias percepções, e o conjunto de interpretações a respeito de outras pessoas e atividades a ser realizadas orientará a disposição individual e as relações no ambiente psicossocial de trabalho.

Como enfatizam Bowditch e Buono (1992), o processo perceptivo pode agregar distorções que influenciarão o modo como as pessoas comportam-se nas relações interpessoais. Esses autores citam três processos que interferem na percepção das pessoas. Um deles é o processo de estereotipagem : usa-se uma impressão padronizada de um grupo para influenciar a percepção sobre uma pessoa em particular. Outro processo é chamado de efeito Halo , ou seja, uma característica é salientada em detrimento de outras, criando-se assim uma impressão geral negativa ou positiva. Ainda, outro fator que pode influenciar prontamente a percepção social é a expectativa formada sobre o que se verá: algumas vezes, vê-se apenas o que se quer, e não o que realmente foi apresentado.

Não raramente, as pessoas identificam como razões e causas aparentes para o comportamento dos outros motivos não sustentados em evidências coerentes. É importante considerar isso, pois, muitas vezes, tenta-se solucionar problemas que só existem na imaginação, o que faz a pessoa perder tempo e energia. Os motivos atribuídos a um comportamento específico influenciam sobremaneira o modo como se lidará com determinada situação.

Assim sendo, num contexto específico de trabalho, deve-se estar atento aos diferentes fatores físicos e psicossociais que interagem entre si e influenciam as percepções dos trabalhadores. É essencial, portanto, compreender que os comportamentos não são determinados por fatores unos, não se subordinam apenas à pessoa ou ao ambiente em que ela está inserida, mas sim à interdependência entre características internas do sujeito, do ambiente em que ele está inserido e do conjunto de valores e significados historicamente construídos. Por esse motivo, é importante que a instância de gestão de pessoas – na qual se inclui o psicólogo – esteja atenta às diferenças individuais dos participantes da organização, no momento de planejar e definir estratégias e estabelecer como serão conduzidos os fluxos e as rotinas de trabalho. Apesar disso, é essencial que os funcionários da organização compreendam devidamente as estratégias estabelecidas e que as legitimem. Além de meras instruções sobre o que deve ser feito, os funcionários necessitam de informações significativas, que os estimulem a realizá-lo (HAMPTON, 1992).

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Nessa ótica, o processo de comunicação, compreendido como mecanismo pelo qual pessoas que trabalham em uma organização transmitem informações entre si e interpretam seus significados, torna-se fundamental para alterar ou manter visões compartilhadas e representações individuais.

Desse modo, a construção e a legitimação de estratégias tornamse viáveis, por meio da dinâmica da comunicação estabelecida entre os diversos atores organizacionais, porém, as estratégias podem sofrer resistência, por promoverem mudanças, principalmente quando a organização agrega modelos mentais fortemente estruturados, que se contrapõem aos propósitos pretendidos. Os modelos mentais são compostos de valores, crenças e imagens que orientam e filtram as percepções das pessoas sobre a realidade socialmente construída da organização em que trabalham (SENGE, 1990), ou seja, constituem lentes pelas quais enxergam e interpretam a realidade. Contudo, é possível alterar as percepções da realidade socialmente construída, caso o diálogo, a reflexão e o questionamento sejam incentivados entre as pessoas nas organizações em que trabalham. O diálogo possibilita que a comunicação flua...

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