Vitória da conquista - 2ª vara cível

Data de publicação02 Junho 2021
Número da edição2874
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS, COMERCIAIS E ACID. DE TRAB. DE VITORIA DA CONQUISTA
DECISÃO

8005620-58.2021.8.05.0274 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Vitória Da Conquista
Reu: Caixa De Assistencia Dos Funcionarios Do Banco Do Brasil
Autor: Rita De Oliveira Dutra
Advogado: Hanna Sena Oliveira (OAB:0064198/BA)

Decisão:

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
COMARCA DE VITÓRIA DA CONQUISTA

2ª Vara de Feitos de Rel de Cons. Cível e Comerciais

Av. Fernando de Oliveira com Av. Edmundo Silva Flores, S/N – 2º Andar,

Ao lado da Justiça Federal, Caminho da UESB – CEP 45029-260, Fone: (77) 3229-1120, Vitória da Conquista-BA

Email: vconquista2vfrcatrab@tjba.jus.br



PROCESSO: 8005620-58.2021.8.05.0274

CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)

ASSUNTO: [Fornecimento de medicamentos]

AUTOR: RITA DE OLIVEIRA DUTRA

REU: CAIXA DE ASSISTENCIA DOS FUNCIONARIOS DO BANCO DO BRASIL



DECISÃO


Vistos,

RITA DE OLIVEIRA DUTRA, qualificada nos autos, através de advogado(a) devidamente constituído(a), ingressou neste Juízo com Ação de Obrigação de Fazer c/c Danos Morais, com pedido de Tutela de Urgência, em face da CASSI - CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL, alegando, em síntese, o seguinte:

Que, é beneficiária da operadora de plano de saúde Réu, com adesão em dezembro/ 1998, sob o nº 100 100480591 00 97, como dependente de sua filha Maria Nice Dutra de Oliveira, sendo que no ano de 2013 foi diagnosticada com Leucemia Linfocítica Crônica - LLC, sendo submetida a tratamento de quimioterapia R-CLORAMBUCIL. Recentemente, após realizar exames de controle, foi identificado novas alterações que culminaram na necessidade de retratamento, devido evolução da anemia e leucocitose. Assim, no dia 09/04/2021, foi requerido esquema terapêutico de RITUXIMABE COM CLORAMBUCIL, tendo sido autorizado pelo plano Réu apenas a primeira medicação.

Narra, que sua filha encaminhou e-mail para a operadora do plano Réu, na data de 26/04/2021, requerendo novamente a medicação, sendo o pedido negado sob a alegação de de que o CLORAMBUCIL se trata de medicação de uso domiciliar, não havendo cobertura contratual para seu fornecimento.

Pontua, que a referida medicação trata-se de um antineoplásico oral para uso domiciliar, não podendo ser negada, sendo de fornecimento obrigatório, constando do rol de coberturas mínimas prevista da ANS.

Requer a concessão de tutela de urgência, a fim de que seja a parte Ré compelida a disponibilizar o referido medicamento, conforme prescrição médica, sob pena de multa a ser fixada judicialmente.

Com a inicial vieram procuração e documentos.

É o necessário relatar.

Decido.

Trata-se de pedido de tutela provisória de urgência em face do plano de saúde CASSI - CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL, objetivando o fornecimento de medicamento que afirma ser antineoplásico de uso oral.

A relação contratual entre as partes encontra-se evidenciada por meio do documento de ID nº 106661149, com data de início de vigência em 01.12.1998, com validade até 31.05.2022 – segmentação AMBULATORIAL + HOSPITALAR C/OBSTETRICIA, de abrangência nacional.

Verifico ainda, que trata-se de paciente com 86 anos de idade, portadora de Leucemia Linfocítica Crônica – LLC, havendo indicação do medicamento “CLORAMBUCIL 2MG-7 COMP VO POR 04 DIAS – 28 COMP/MÊS A SEREM INICIADOS NO MESMO DIA DO RITUXIMABE VENOSO” - ID Nº 106661147.

Conforme documento juntado sob ID nº 106661148, houve negativa do plano acerca do fornecimento da medicação CLORAMBUCIL, sob a alegação de falta de cobertura contratual, em razão do quanto dispõe a clausula 17º do contrato:

Cláusula 17ª Os seguintes serviços e despesas não serão cobertos pelo PLANO:

(…)

materiais e medicamentos para uso domiciliar;...”

A despeito da não aplicação das normas do Código de defesa do Consumidor ao presente caso, por se tratar de entidade de autogestão, nos termos do enunciado 608 da súmula do STJ, ressalto que a teor do quanto determina o atual Código Civil: "art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, devendo também os contratos atender à sua função social: "Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato".

Dispõe ainda a norma civil que: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. (Art. 423).

Necessário pontuar ainda, que o contrato em comento foi realizado já na vigência da atual ordem jurídica inaugurada pela atual Constituição Federal/1988, a partir de quando houve uma repersonalização dos institutos jurídicos, inclusive do contrato, erigindo a pessoa humana como foco central de proteção em nosso sistema, buscando-se sempre a preservação da sua dignidade, ainda que nas relações privadas.

Também vigente quado da contratação a Lei 9.656/1998 que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, submetendo-se às suas normas todas as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde.

A referida Lei, em seus arts. 10 e 12 dispõe sobre a instituição do plano- referência de assistência à saúde e coberturas mínimas obrigatórias a serem observadas pelos planos de saúde, determinando ainda que qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente a garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica, está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, apresentando como exigências mínimas:

Art.. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

I - quando incluir atendimento ambulatorial:

c) cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes;

Imperioso ressaltar, que há entendimento firmado na jurisprudência pátria sobre o tema, no sentido de ser abusiva a negativa do plano quando há indicação médica para o procedimento solicitado, sob o argumento de ausência de previsão no rol da ANS ou mesmo em tabela geral de Auxílios.

Na verdade, a recusa da parte Ré neste caso se baseia em clausula contratual que exclui medicamentos para uso domiciliar, o que não se justifica neste caso por se tratar de medicamento antineoplásico, devendo a referida clausula ser desconsiderada à luz da função limitativa do princípio da boa-fé objetiva, por se tratar de contrato de adesão e que subtrai direito da aderente expressamente previsto em lei ( Lei 9.656/1998 – art. 12, I, c).

A proposito:

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. AUTOR PORTADOR DE CÂNCER DE COLÓN (CID C18-9). NECESSIDADE DE USO DO MEDICAMENTO STIVARGA® 40MG (REGORAFENIBE). RECUSA DO PLANO DE SAÚDE SOB A JUSTIFICATIVA DE QUE O FÁRMACO É DE USO ORAL DOMICILIAR E SEM PREVISÃO NO ROL DA ANS. NÃO CABIMENTO. MEDICAMENTO ANTINEOPLÁSICO. COBERTURA OBRIGATÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 12, INCISO I, ALÍNEA C, DA LEI Nº 9.656/1998. AUSÊNCIA DE PREVISÃO DO REMÉDIO NO ROL DA ANS E SUAS DIRETRIZES DE UTILIZAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. FÁRMACO INDICADO POR MÉDICO ASSISTENTE, DIANTE DO INSUCESSO DE OUTRAS TENTATIVAS TERAPÊUTICAS. ROL DA ANS MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO, QUE TRAZ APENAS AS COBERTURAS OBRIGATÓRIAS MÍNIMAS. AUSÊNCIA DE EXPRESSA EXCLUSÃO NO CONTRATO. LIMITAÇÃO ABUSIVA. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. EXEGESE DO ARTIGO 47 DO CDC. RECUSA ILÍCITA/INDEVIDA. DEVER DE COBERTURA PELO PLANO DE SAÚDE EVIDENCIADO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. PEDIDO DE REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NÃO ACOLHIMENTO. VERBA ARBITRADA EM QUANTIA RAZOÁVEL. SENTENÇA MANTIDA. ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 9ª C. Cível - 0000741-02.2019.8.16.0051 - Barbosa Ferraz - Rel.: Desembargador Arquelau Araujo Ribas - J. 10.10.2020) (TJ-PR - APL: 00007410220198160051 PR 0000741-02.2019.8.16.0051 (Acórdão), Relator: Desembargador Arquelau Araujo Ribas, Data de Julgamento: 10/10/2020, 9ª Câmara Cível, Data de Publicação: 21/10/2020).


As evidências científicas do medicamento solicitado pode ser extraída da nota técnica de nº 33386, disponível na consulta pública do sistema do CNJ e-NatJus, acessível em: https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados-pdf.php?output=pdf&token=nt:33386:1622127210:9282681ec11e2884bf937479999a4aefb6fc9bb03e1422c0c9d29addd0974a8e

Com efeito, diante do estado de saúde comprovado da Autora e da indicação médica para uso do medicamento solicitado, a recusa do plano Réu mostra-se abusiva e em flagrante violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Presentes os requisitos legais para a concessão da tutela pleiteada, havendo elementos suficientes que indicam o probabilidade do Direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, por se tratar de medicamento necessário à proteção da saúde da Autora, direito fundamental que decorre da proteção à vida e à dignidade humana.

POSTO ISSO, e considerando tudo mais que dos autos consta, com fulcro no art.300 do CPC, CONCEDO A TUTELA DE URGÊNCIA pleiteada e DETERMINO que a parte Ré CASSI - CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL, forneça a...

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