Você vira Freak Show - fragmentos de um documentário escrito

AutorSimone Ávila
Páginas109-130
109
Niterói, v.12, n.2, p. 109-130, 1. sem. 2012
“VOCÊ VIRA FREAK SHOW  FRAGMENTOS DE
UM DOCUMENTÁRIO ESCRITO
Simone Ávila
E-mail: simoneavila10@brturbo.com.br
Resumo: Este artigo é um “documentário escrito” composto por quatro ce-
nas da vida de Marcos. As cenas descritas não foram escolhidas ao acaso, mas
sim intencionalmente, haja vista que elas representam alguns aspectos que
me interessam na reflexão sobre questões que envolvem identidades, mais
especificamente identidades de gênero, dentro de uma lógica polissexual,
engendradas pelas tecnologias moles e líquidas na produção de corpos e
subjetividades que operam na sociedade farmacopornográfica, como nos
apresentam Beatriz Preciado, Michel Foucault e Judith Butler, entres outros
autores que emprestarão suas vozes neste documentário textual.
Palavras-chave: identidades de gênero; transexualidade; subjetividade.
Abstract : This article is a “written documentary” consists of four scenes
from the Marcos’s life. The scenes described were not chosen randomly,
were intentionally chosen to represent some aspects that interest me in
thinking that about on issues involving identity, specifically gender identi-
ty within a polissexual logical engendered by liquid and soft technologies
in the production of bodies and subjectivities that operate in farmacopor-
nographic society as presents Beatriz Preciado, Michel Foucault and Judith
Butler, will lend their voices in this documentary.
Keywords: gender identity; transsexuality; subjectivity.
110 Niterói, v.12, n.2, p. 109-130, 1. sem. 2012
Ao falar da morte do sujeito em As palavras e a as coisas, Michel Fou-
cault recusava que se fizesse previamente uma teoria do sujeito; ele en-
tendia como necessária a recusa de “uma certa teoria a priori do sujeito
para poder fazer essa análise das relações possivelmente existentes entre
a constituição do sujeito ou das diferentes formas de sujeito e os jogos de
verdade, as práticas de poder, etc”. O que lhe interessava era a constituição
histórica das diferentes formas do sujeito em relação aos jogos de verdade
e a constituição do sujeito de forma ativa, a partir de esquemas encontra-
dos na cultura, “impostos ou sugeridos pela própria cultura, sua sociedade
e seu grupo social” (FOUCAULT, 2006, p. 275).
Na interpretação de Paul Veyne (2011, p. 178), Foucault “não rasurava
os nomes próprios”. Para Foucault (2006), o sujeito não é “natural”; ele se
constitui a cada época, engendrado “pelo dispositivo e pelos discursos do
momento, pelas reações de sua liberdade individual e por suas eventuais
estetizações”. O processo de constituição do sujeito livre, longe de ser um
sujeito soberano, foi denominado por Foucault como subjetivação.
Foucault (2006) acreditava que a sexualidade é o modo pelo qual um
ser humano se torna sujeito. Este autor (1986) descreve a passagem, em
fins do século XVIII, de uma sociedade soberana a uma sociedade discipli-
nar como o deslocamento de uma forma de poder, que decide e ritualiza
a morte, para uma nova forma de poder produtor, difuso e tentacular, cha-
mada de biopoder, que calcula tecnicamente a vida em termos de popula-
ção, saúde e interesse nacional. Este poder, para Beatriz Preciado (2008), é
mais versátil e acolhedor, pois adquire a forma de uma tecnologia política
geral, se metamorforseando em arquiteturas disciplinares, calendários de
regulação da vida etc., pois não se comporta mais como uma lei coercitiva.
Partindo de Foucault, Preciado (2008) desenvolve o conceito de sexo-
política, que seria uma das formas dominantes dessa ação biopolítica que
emerge com o capitalismo contemporâneo (disciplinar), questionando a
concepção de política segundo a qual o biopoder só produz disciplinas de
normalização e determina formas de subjetivação.
Embora Preciado (2008) reconheça as importantes contribuições de
Foucault nesse campo, ela entende que ele, de certa forma, negligenciou a
emergência de um conjunto de profundas transformações das tecnologias
de produção de corpos e de subjetividade que se sucederam a partir da
Segunda Guerra Mundial. Ela acrescenta um outro regime de subjetivação,
nem soberano, nem disciplinar, emergente dessas transformações, propos-

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