A 'volta' do estado? Conjuntura e perspectivas na espanha e nos estados unidos com a pandemia

AutorVitor Araújo Filgueiras - Alice Azevedo Magalhães - Sara Costa Pedreira
CargoProfessor de Economia da Universidade Federal da Bahia - Graduanda em Direito na Universidade Federal da Bahia - Graduanda em Economia na Universidade Federal da Bahia
Páginas484-530
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 46, n. 254, p. 484-530, set./dez. 2021| ISSN 2447-861X
A “VOLTA” DO ESTADO? CONJUNTURA E PERSPECTIVAS NA
ESPANHA E NOS ESTADOS UNIDOS COM A PANDEMIA
The “return” of the State? Conjunctura and perspectives in Spain and the United
States with the pandemic
Vitor Araújo Filgueiras
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, Bahia
Alice Azevedo Magalhães
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, Bahia
Sara Costa Pedreira
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, Bahia
Informações do artigo
Recebido em 21/11/2021
Aceito em 15/12/2021
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2021.n254.p484-530
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Atribuição 4.0 Internacional.
Como ser citado (modelo ABNT)
FILGUEIRAS, Vitor Araújo; MAGALHÃES, Alice
Azevedo; PEDREIRA, Sara Costa. A “volta” do Estado?
Conjuntura e perspectivas na Espanha e nos Estados
Unidos com a pandemia. Cadernos do CEAS: Revista
Crítica de Humanidades. Salvador/Recife, v. 46, n. 254,
p. 484-530, set./dez. 2021. DOI:
https://doi.org/10.25247/2447-861X.2021.n254.p484-530
Resumo
Nos últimos 40 anos, o neoliberalismo mostrou-se resiliente
mesmo com médias baixas de crescimento econômico,
permanência de desemprego em massa e aumento das
desigualdades, bem como inúmeras crises, com destaque para o
crash financeiro de 2008-09, que parecia ameaçar a hegemonia
neoliberal. A pandemia provocada pela Covid-19 está testando,
mais uma vez, o reinado do neoliberalismo. O objetivo deste
texto é analisar uma possível mudança do papel do Estado na
dinâmica do emprego e na proteção social, com base nos casos
da Espanha e dos Estados Unidos. O Estado nunca esteve
ausente da economia, todavia, voltou à tona o debate por uma
mudança qualitativa em sua atuação no que concerne ao
crescimento e à proteção social. O principal argumento aqui
apresentado é que ainda é cedo para concluir sobre eventuais
mudanças estruturais, contudo, há muitos indícios de que não
será desta vez que o neoli beralismo deixará de hegemonizar a
cena internacional.
Palavras-Chave: Estado e economia. Direitos sociais. Mercado
de trabalho.
Abstract
In the last 40 years, neoliberalism has shown resilience despite
the low averages of economic growth, the highlight of the last
mass unemployment and increase in inequalities, as well as the
economic crises, especially the financial crash of 2008-09, which
seemed threatening to a neoliberal hegemony. The pandemic
caused by Covid-19 i s testing, o nce again, the reign of
neoliberalism. The aim of this paper is to evaluate p ossible
changes in the role of the State in the dynamics of employment
and social protection, based on the cases of Spain and the
United States. The State has never been absent from the
economy, however, the debate has resurfaced for a qualitative
change in its performance with regard to growth and social
protection. The main argument presented here is that it is still
too early to conclude on possible structural changes, however,
there are many indications that it will not be this time that
neoliberalism will stop hegemonizing the international scene.
Keywords: State and Economy. Social rights. Labor market.
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 46, n. 254, p. 484-530, set./dez. 2021.
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A “volta” do Estado?... | Vitor Araújo Filgueiras, Alice Azevedo Magalhães e Sara Costa Pedreira
Introdução
Nas últimas quatro décadas, a adesão ao pacote político-ideológico do neoliberalismo
mostrou-se resiliente mesmo com médias baixas de cr escimento econômico, permanência
do desemprego/subemprego em massa e aumento das desigualdades, para não falar das
crises, como o crash financeiro de 2008-09, que parecia ameaçar a hegemonia neoliberal.
Será que agora, com a pandemia da Covid-19, teremos um desfecho diferente?
Ao redor do mundo, desde o início da crise sanitár ia, tem sido muito discutida ou
mesmo anunciada uma “volta” do Estado, mais “intervencionista”, eventualmente buscando
políticas de pleno emprego e melhor distribuição da riqueza social (ver, dentre muitos,
SUZANE et al, org., 2021).
O objetivo deste texto é analisar uma possível mudança do papel do Estado na
dinâmica do emprego e na proteção social, com base nos casos da Espanha e dos Estados
Unidos. O Estado nunca esteve ausente da economia (nem era “menor”), todavia, voltou à
tona o debate por uma alteração qualitativa em sua atuação no que concerne ao crescimento
e à distribuição. O principal argumento aqui apresentado é que ainda é cedo para concluir
sobre eventuais mudanças estruturais no papel do Estado, contudo, há muitos indícios de que
não será desta vez que o neoliberalismo deixará de hegemonizar a cena internacional.
Para chegar a tal hipótese, foram analisadas mudanças nas políticas públicas nos EUA
e na Espanha a partir do início da pandemia, e seus desdobramentos nas disputas sociais, nas
condições de vida e no desempenho do mercado de trabalho desses países. Foram
consultadas diversas bases de dados e informações oficiais, dentre elas, o Bureau of Labor
Statistics, o Census Bureau, a Casa Branca, o Internal Revenue Service, Benefits.Gov, o
Departamento do Tesouro (Estados Unidos), o Instituto Nacional de Estadística e Servicio
Público de Empleo Estatal, o Ministerio de Inclusión, Seguridad Social y Migraciones (Espanha).
Complementarmente, acessamos pesquisas de instituições como Economic Policy Institute,
More Perfect Union, Moody's Analytics, People’s Police Project, European Anti Poverty Network,
além de documentos judiciais, notícias de jornais e publicações online.
Para analisar essa possível “volta” do Estado, este artigo está estruturado da seguinte
forma: além desta introdução, mais quatro seções, quais sejam: 2) uma d iscussão
conceitual sobre a ideia de “volta” do Estado; 3) a apresentação das políticas públicas
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adotadas ou planejadas com a pandemia na Espanha e nos EUA; 4) os desdobramentos e as
perspectivas para as políticas públicas e o mercado de trabalho nesses países; 5) algumas
considerações finais sobre a “volta” do Estado à luz das evidências apuradas até o momento.
A “volta” do Estado com a pandemia
No campo minimamente crítico, consenso sobre a prevalência da hegemonia
neoliberal nas últimas décadas na maior parte do globo. Não há consenso, contudo, sobre o
próprio conceito de neoliberalismo. Pode-se definir o neoliberalismo como um conjunto de
ideias e práticas, como sistema de acumulação dominante na atualidade, como uma era do
capitalismo, entre outros. Apenas para ilustrar, Alfredo Saad Filho define o neoliberalismo
como modo de existência do capitalismo contemporâneo, Dominique Lévy e Gérard Duménil
como nova ordem social.
Não iremos desenvolver tal polêmica neste artigo. O neoliberalismo aqui nos
interessa, diretamente, como conjunto de ideias e receituário de políticas públicas. O sucesso
neoliberal, portanto, tem relação com a formulação e disseminação de pressupostos,
argumentos e conclusões impostos, ao menos em alguma medida, como senso comum.
Um dos principais pressupostos neoliberais, e que tem conseguido impregnar o
debate público e seu norteamento em diversos níveis, é a dicotomia entre mercado e Estado.
Essa oposição pode aparecer de duas formas distintas, apesar de serem usadas para pleitear
fundamentalmente a mesma agenda. A dicotomia pode aparecer como: 1) defesa da
“redução” do Estado, de que o Estado deve ser “mínimo”; 2) ou, no limite, de que existe
mercado sem Estado.
Nesse sentido, o argumento neoliberal mais comum é que o Estado deve “intervir”
menos para que a economia prospere. Por exemplo, o Estado deve “sair” das relações de
trabalho, permitindo a negociação direta entre patrão e empregado:
redefinir as formas, o escopo e os instrumentos de intervenção
regulatória do governo [Estado] no sistema econômico, no sentido de
restringi-las ao essencial, de melhorar sua eficácia e de liberar as forças
criativas da sociedade para o desenvolvimento econômico (FIESP,
1990, p. 129)

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