Xique-xique - Vara cível

Data de publicação10 Março 2022
Gazette Issue3054
SeçãoCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COM. DE XIQUE-XIQUE
INTIMAÇÃO

8001899-89.2021.8.05.0277 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Xique-xique
Autor: Antonio Bento Alves Borges
Advogado: Jane Clezia Batista De Sa (OAB:BA27212)
Advogado: Eugenio Costa De Oliveira (OAB:BA27619)
Reu: Banco Pan S.a
Advogado: Carlos Eduardo Cavalcante Ramos (OAB:BA37489)

Intimação:

Vistos e examinados.

Dispensado o relatório pelo que dispõe o art. 38, da Lei n.º 9.099/95, o que não obsta o breve relato dos fatos.

Aduz a parte Autora, em suma, que percebeu que vem sendo realizados muitos descontos em seu benefício, decorrentes de supostos empréstimos jamais contratados.

Para descobrir a origem dos empréstimos o Autor retirou no site MEU INSS um extrato de consignados, e para sua surpresa fora surpreendido com vários empréstimos realizados em seu benefício sem sua autorização.

Questiona nessa ação o contrato n. 334587892-4 em 01/04/2020, no valor de R$ 703,98 (setecentos e três reais e noventa e oito centavos), divididos em 84 parcelas de R$ 16,80 (dezesseis reais e oitenta centavos), o qual teve 17 parcelas descontadas indevidamente no benefício previdenciário da parte autora.

Juntou documentos.

Em sede de contestação, o Réu suscitou preliminar de conexão com a ação n. 8001898-07.2021.8.05.0277; INCOMPETÊNCIA DO JEC; AUSÊNCIA DE JUNTADA DE EXTRATO.

No mérito aduz que em 02/04/2020 foi firmada a contratação do empréstimo nº 334587892-4 refinanciamento, com assinatura do contrato. Que os documentos disponibilizados na contratação são idênticos aos documentos vinculados pelo autor nos autos.

Registra que o valor de R$ 385,96 é utilizado para liquidar contrato formalizado anteriormente com o PAN, e o saldo remanescente de R$ 319,81 é depositado em conta de titularidade do autor no Banco Bradesco Ag. 3549 C/C 93475. Ressalta que a conta informada no momento da contratação para liberação do valor é a mesma que consta no extrato do INSS.

Pontua VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO e AUSÊNCIA DE DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.

Juntou documentos.

Em audiência realizada por videoconferência no dia 30/11/2021 (link no Id. 16232869), as partes não chegaram a uma composição.

É o relatório.

Passo a análise das preliminares suscitadas.

CONEXÃO

Acerca da preliminar de eventual existência de conexão desta demanda com a ação n. 8001898-07.2021.8.05.0277, tenho a dizer que apesar de possuírem as mesmas partes, elas versam sobre contratos e valores distintos, de sorte que entendo não se tratar de hipótese de conexão. Preliminar afastada.

INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

Inicialmente, é necessário esclarecer que o magistrado pode e deve exercer juízo crítico acerca da produção das provas pleiteadas, pois, com base no princípio do livre convencimento motivado (CPC, arts. 371), está autorizado a julgar o mérito quando, com os elementos de prova constantes nos autos, for possível chegar-se à cognição exauriente. Ademais, nos termos do art. 370 do Código de Processo Civil, é dever do juiz indeferir a realização de diligências inúteis, como são aquelas que, conquanto pertinentes num juízo puramente abstrato, se mostrem concretamente desnecessárias para a solução da lide, olhos postos no princípio constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF).

AUSÊNCIA DE EXTRATOS

Quanto a preliminar de ausência de juntada de extratos bancários, vislumbro que os documentos apresentados com a petição inicial se revelam suficientes ao ajuizamento do feito com a consequente apreciação da ação. Preliminar afastada.

Estabelecidas tais premissas, vislumbra-se que o contexto fático-documental coligido aos autos torna prescindível a prova técnica requerida, conforme será exposto na fundamentação desta sentença.

Presentes os pressupostos processuais e os requisitos de admissibilidade da demanda, passo ao exame do mérito.

Trata-se de AÇÃO INDENIZATÓRIA, sob o rito do procedimento sumaríssimo em que a parte autora afirma não ter celebrado contrato de empréstimo com o demandado.

O regime jurídico aplicável ao presente caso é o do Código de Defesa do Consumidor, logo, a aplicação dos princípios consagrados pelo CDC é um aspecto obrigatório para que a decisão proferida possa estar em sintonia com o sistema adotado pela Lei Consumerista, que tem como um de seus pilares a proteção dos vulneráveis negociais.

Razão assiste à parte autora.

Colhe-se, após detida análise dos autos, que não é defensável que o contrato de empréstimo tenha sido pactuado pela parte demandante.

Consta nos autos o Contrato de Empréstimo consignado firmado entre as partes, supostamente assinado pelo(a) Requerente (Id. 161987146), entretanto diversas são as irregularidades do instrumento contratual: o endereço que consta no contrato é completamente diverso do qual reside o autor, haja vista o endereço informado na inicial e documentos que a instruem. Além disso, o local de celebração do contrato também é em cidade diversa da qual o Autor reside. Consta no contrato que o Requerente é solteiro, embora pela análise do seu RG (Id. 151339329) seja possível verificar que é casado.

O demandante afirma não ter celebrado este negócio jurídico com o demandado.

No caso dos autos, embora não se possa falar em falsificação grosseira da firma, há outros elementos de prova que corroboram a versão trazida na inicial.

Assim, essas inconsistências apresentadas fazem presumir, por exercício lógico a que o julgador está obrigado, o defeito na prestação do serviço.

Deve-se exigir da instituição financeira que, no natural desenvolvimento das suas atividades comerciais, se paute por condutas prudentes e se cerque de procedimentos que garantam a segurança na prestação de seus serviços, não só a si mesma, mas sobretudo aos consumidores.

Nota-se que o Direito Civil exige de qualquer pessoa natural, na prática dos atos da vida civil, um mínimo de diligência capaz de identificar erros substanciais, à luz das circunstâncias de determinado negócio jurídico (art. 113 do Código Civil).

Além disso, o próprio Código de Defesa do Consumidor, em dispositivo tendente a traçar os limites conceituais do “serviço defeituoso”, confere balizas suficientes à configuração do fornecedor que, não se cercando das necessárias cautelas, permite a falsa contratação de serviço mediante apresentação de documentos presumivelmente forjados:

“Art. 14 – (…)

“§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

“I - o modo de seu fornecimento;

“II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

“III - a época em que foi fornecido.”

Igualmente, seria de se trazer à baila os dispositivos do art. 4º, caput e incisos I, d, e II; art. 6º, inciso I e art. 8º, todos também do CDC.

Sobre a repetição do indébito, colaciono recente tese do STJ publicada em 07/04/2021: “A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.” – grifos nossos.

A Corte Especial do STJ decidiu modular os efeitos da tese fixada, ou seja, restringir a eficácia temporal dessa decisão. Dessa maneira, definiu que, para os contratos de consumo que não envolvam prestação de serviços públicos (bancários, de seguro, imobiliários e de plano de saúde), o entendimento somente poderá ser aplicado aos indébitos cobrados após a data da publicação do acórdão, ou seja, após 30/03/2021.

O dano moral é devido, conforme passo a expor.

O Código Civil, em seu art. 186, preceitua que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" e, em razão disso, consoante prevê o art. 927 do mesmo diploma, "fica obrigado a repará-lo". No mesmo diapasão, o art. 6º, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, também dispôs acerca do assunto, asseverando que constitui direito básico do consumidor "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".

Ora, a realização de descontos indevidos, oriundos de serviço que não se comprova contratado pela parte autora, implica situação que vai além do mero aborrecimento. O prejuízo pecuniário aliado à insegurança de não saber como o fato ocorreu, bem como o receio de que se torne a repetir, sofrendo os descontos mensais em renda que se destina à sua sobrevivência até que judicialmente consiga provimento jurisdicional para suspendê-los, são circunstâncias que causam abalo psíquico e atentam contra a dignidade humana.

Por fim, resta saber o quantum devido.

A fixação da indenização por dano moral não encontra parâmetro legal, cumprindo ao juiz, à luz dos indicativos jurisprudenciais, fixar valor razoável. Um postulado fundamental para tanto é aquele segundo o qual a indenização não deve ser demasiadamente alta, a ponto de se tornar fonte de enriquecimento ilícito para o prejudicado, e não deve ser insignificante, a ponto de servir até de estímulo para que o autor do dano persista na sua...

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