Xique-xique - Vara cível

Data de publicação21 Fevereiro 2022
Gazette Issue3044
SectionCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COM. DE XIQUE-XIQUE
INTIMAÇÃO

8001266-78.2021.8.05.0277 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Xique-xique
Autor: Rosalvo Lopes De Almeida
Advogado: Bruno Abreu Rocha (OAB:BA36172)
Advogado: Marcelo Rodrigues Silva (OAB:BA67108)
Reu: Banco Daycoval S/a
Advogado: Marina Bastos Da Porciuncula Benghi (OAB:BA40137)

Intimação:

Vistos e examinados.

Dispensado o relatório pelo que dispõe o art. 38, da Lei n.º 9.099/95, o que não obsta o breve relato dos fatos.

Aduz a parte Autora, em suma, que se deu conta, recentemente, que há ativo empréstimo sob o n° 50-9267858/21, com TED-T ELET DISP, transferido pelo Banco no valor de R$ 756,50.

Relata que é nítido que tal atitude é de praxe dos Bancos em realizar TEDT. ELET DISP, ficando deste modo, a parte Autora com a obrigação direta de realizar a quitação do empréstimo em suas parcelas altíssimas de algo não solicitado. Alega que não assinou qualquer contrato junto ao banco réu para a obtenção desse empréstimo.

Juntou documentos.

Em sede de contestação, o Réu suscitou preliminar de INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO EM FACE DA NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL.

No mérito alega que o contrato foi firmado pelo Autor. Que analisando as assinaturas apostas no instrumento contratual e nos documentos pessoais acostados com a exordial, resta configurada a ausência de fraude na celebração do negócio jurídico, uma vez que não há qualquer divergência.

Juntou documentos.

Em audiência realizada por videoconferência no dia 03/11/2021 (link no Id. 154503732), as partes não chegaram a uma composição.

É o relatório.

DAS PRELIMINARES.

INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

Inicialmente, é necessário esclarecer que o magistrado pode e deve exercer juízo crítico acerca da produção das provas pleiteadas, pois, com base no princípio do livre convencimento motivado (CPC, arts. 371), está autorizado a julgar o mérito quando, com os elementos de prova constantes nos autos, for possível chegar-se à cognição exauriente. Ademais, nos termos do art. 370 do Código de Processo Civil, é dever do juiz indeferir a realização de diligências inúteis, como são aquelas que, conquanto pertinentes num juízo puramente abstrato, se mostrem concretamente desnecessárias para a solução da lide, olhos postos no princípio constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF).

Estabelecidas tais premissas, vislumbra-se que o contexto fático-documental coligido aos autos torna prescindível a prova técnica requerida, conforme será exposto na fundamentação desta sentença.

Presentes os pressupostos processuais e os requisitos de admissibilidade da demanda, passo ao exame do mérito.

Trata-se de AÇÃO INDENIZATÓRIA, sob o rito do procedimento sumaríssimo em que a parte autora afirma não ter celebrado contrato de empréstimo com o demandado.

O regime jurídico aplicável ao presente caso é o do Código de Defesa do Consumidor, logo, a aplicação dos princípios consagrados pelo CDC é um aspecto obrigatório para que a decisão proferida possa estar em sintonia com o sistema adotado pela Lei Consumerista, que tem como um de seus pilares a proteção dos vulneráveis negociais.

Razão assiste à parte autora.

Colhe-se, após detida análise dos autos, que não é defensável que o contrato de empréstimo tenha sido pactuado pela parte demandante.

Consta nos autos o Contrato de Empréstimo consignado firmado entre as partes, supostamente assinado pelo(a) Requerente (Id. 153470173), entretanto diversas são as irregularidades do instrumento contratual: verifica-se um mesmo número como sendo RG e CPF do Autor. O endereço que consta no contrato é completamente diverso do qual reside o autor, haja vista o comprovante de residência colacionado no Id. 124885723. Ademais, no contrato não consta data e local de celebração.

O demandante afirma não ter celebrado este negócio jurídico com o demandado.

No caso dos autos, embora não se possa falar em falsificação grosseira da firma, há outros elementos de prova que corroboram a versão trazida na inicial.

Assim, essas inconsistências apresentadas fazem presumir, por exercício lógico a que o julgador está obrigado, o defeito na prestação do serviço.

Deve-se exigir da instituição financeira que, no natural desenvolvimento das suas atividades comerciais, se paute por condutas prudentes e se cerque de procedimentos que garantam a segurança na prestação de seus serviços, não só a si mesma, mas sobretudo aos consumidores.

Nota-se que o Direito Civil exige de qualquer pessoa natural, na prática dos atos da vida civil, um mínimo de diligência capaz de identificar erros substanciais, à luz das circunstâncias de determinado negócio jurídico (art. 113 do Código Civil).

Além disso, o próprio Código de Defesa do Consumidor, em dispositivo tendente a traçar os limites conceituais do “serviço defeituoso”, confere balizas suficientes à configuração do fornecedor que, não se cercando das necessárias cautelas, permite a falsa contratação de serviço mediante apresentação de documentos presumivelmente forjados:

“Art. 14 – (…)

“§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

“I - o modo de seu fornecimento;

“II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

“III - a época em que foi fornecido.”

Igualmente, seria de se trazer à baila os dispositivos do art. 4º, caput e incisos I, d, e II; art. 6º, inciso I e art. 8º, todos também do CDC.

Sobre a repetição do indébito, colaciono recente tese do STJ publicada em 07/04/2021: “A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.” – grifos nossos.

A Corte Especial do STJ decidiu modular os efeitos da tese fixada, ou seja, restringir a eficácia temporal dessa decisão. Dessa maneira, definiu que, para os contratos de consumo que não envolvam prestação de serviços públicos (bancários, de seguro, imobiliários e de plano de saúde), o entendimento somente poderá ser aplicado aos indébitos cobrados após a data da publicação do acórdão, ou seja, após 30/03/2021.

O dano moral é devido, conforme passo a expor.

O Código Civil, em seu art. 186, preceitua que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" e, em razão disso, consoante prevê o art. 927 do mesmo diploma, "fica obrigado a repará-lo". No mesmo diapasão, o art. 6º, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, também dispôs acerca do assunto, asseverando que constitui direito básico do consumidor "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".

Ora, a realização de descontos indevidos, oriundos de serviço que não se comprova contratado pela parte autora, implica situação que vai além do mero aborrecimento. O prejuízo pecuniário aliado à insegurança de não saber como o fato ocorreu, bem como o receio de que se torne a repetir, sofrendo os descontos mensais em renda que se destina à sua sobrevivência até que judicialmente consiga provimento jurisdicional para suspendê-los, são circunstâncias que causam abalo psíquico e atentam contra a dignidade humana.

Por fim, resta saber o quantum devido.

A fixação da indenização por dano moral não encontra parâmetro legal, cumprindo ao juiz, à luz dos indicativos jurisprudenciais, fixar valor razoável. Um postulado fundamental para tanto é aquele segundo o qual a indenização não deve ser demasiadamente alta, a ponto de se tornar fonte de enriquecimento ilícito para o prejudicado, e não deve ser insignificante, a ponto de servir até de estímulo para que o autor do dano persista na sua forma desidiosa de procedimento.

À luz de tal pensamento, deve ainda o juiz considerar os atos objetivamente ocorridos em cada caso e os danos deles emergentes.

No caso, além de ficar provado que o polo ativo não contratou, nem autorizou tais descontos, ainda viu seus parcos vencimentos serem corroídos mês a mês por algo que sequer tem noção de onde surgiu.

Sopesando a situação econômica das partes e o constrangimento sofrido pelo polo ativo, bem como seguindo parâmetros estabelecidos pelo TJ/BA e pelo STJ, entendo correto fixar o valor da indenização por dano moral em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), uma vez que trata-se de pessoa idosa, com rendimentos modestos (cerca de R$ 1.100,00).

Diante de todo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por ROSALVO LOPES DE ALMEIDA, em desfavor do BANCO DAYCOVAL S/A, para:

a) DECLARAR NULO o contrato de n.º 50-9267858/21;

b) DETERMINAR a restituição em dobro das parcelas descontadas, com correção monetária (IPCA-E) e juros de 1% ao mês desde o desembolso (Súmulas 43 e 54 do STJ).

c) CONDENAR o Requerido a indenizar o montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a título de danos morais a(o) Autor(a), corrigidos monetariamente pelo INPC/IBGE, a contar da data do arbitramento, a teor da Súmula 362 do STJ, a contar do evento danoso,...

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