A súmula 122 do TST e a racionalidade argumentativa

AutorCristiane Mello
CargoAdvogada do Banco do Brasil S.A. Mestranda em Direito (PUC-SP)
Páginas10-19

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1. Introdução

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), restou inconteste a eficácia dos princípios e regras constitucionais, do que decorreu a releitura de todos os institutos jurídicos.

O processo do trabalho passa, portanto, a ser reinterpretado a partir dos princípios do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal, da duração razoável do processo, na pretensão de concretizar a ideia substancial de acesso ao Judiciário, sobretudo quanto à efetividade.

Nesta linha de ideias, muitos institutos começaram a ser questionados quanto à sua razão te-leológica, a exemplo da revelia, prevista no art. 844 da CLT, bem como quanto às reais situações que justificariam a aplicação de norma infraconstitucional tão rigorosa, mormente nos casos em que, ausente o reclamado, comparece na audiência seu advogado, munido de procuração, defesa e documentos.

Visando à interpretação mais adequada do art. 844 da CLT na situação descrita, o presente trabalho iniciará com o estudo da função do instituto da revelia no processo moderno, a partir de uma adequa-da análise em face dos princípios constitucionais, da jurisprudência dominante e da doutrina, para concluir se a posição do Tribunal Superior do Trabalho está ou não em consonância com os ditames constitucionais e a racionalidade argumentativa, hoje vigente no âmbito do direito.

2. A prova
2.1. Conceito

Ao introduzir o estudo da prova no caso específico da revelia, necessário se faz esclarecer que a legislação trabalhista é amparada pelo Código de Processo Civil, por força do art. 769 da CLT, uma vez que o aludido código apresenta, em seu conteúdo, dispositivos que alcançam de maneira mais ampla e completa o instituto da prova no processo, ao contrário da CLT, cuja previsão é precária.

O conceito de prova, para Teodoro Júnior (2007, p. 472), está relacionado à necessária certeza quanto à ocorrência dos fatos para fundamentação do julgado.

"Do exame dos fatos, e de sua adequação ao direito subjetivo, o Juiz extrairá a solução do litígio que será revelada na sentença. Não basta as partes alegarem os fatos, é necessário que o magistrado tenha convicção da veracidade do quanto se alegou através das provas. Há, por isso, dois sentidos em que se pode conceituar a prova no processo: a) um ob-jetivo, isto é, como instrumento ou meio hábil para demonstrar a existência de um fato (os documentos, as testemunhas, a perícia, etc.); e outro subjetivo, que é a certeza (estado psíquico) originada quanto ao fato, em virtude da produção do instrumento probatório. Aparece a prova, assim, como convicção formada no espírito do julgador em torno do fato demonstrado."

Dinamarco (2002, p. 43), por sua vez, conceitua prova a partir da ideia de busca da verdade, quando afirma que a "prova é um conjunto

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de atividades de verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à verdade quanto aos fatos relevantes para o julgamento".

Associando a noção de direito assegurada pela constituição e pela lei, acrescenta: "conjunto de oportunidades oferecidas à parte pela Constituição e pela lei, para que possa demonstrar no processo a veracidade do que afirmam em relação aos fatos relevantes para o julgamento" (Dinamarco, 2002, p. 47).

A prova, portanto, são os meios utilizados para formar o convencimento do juiz a respeito das questões controvertidas.

Para Leite (2010, p. 544), "prova, nos domínios do direito processual, é o meio lícito para demonstrar a veracidade ou não de determinado fato com a finalidade de convencer o juiz acerca da sua existência ou inexistência".

2.2. Objeto

Acompanhando a literalidade do art. 322 do CPC, o objeto da prova se circunscreve em todos os meios legais, bem como moralmente legítimos, ainda que não especificados naquele código, hábeis para provar a veracidade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

O mencionado dispositivo é a base do direito probatório, confirmando que apenas os fatos devem ser objeto de prova, admitindo apenas a exceção prevista no art. 337 do mesmo diploma, no caso de a parte alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudi-nário.

Lembrando que interessam apenas os fatos em que se funda a ação e a defesa, ou seja, aqueles relevantes para o deslinde da questão controversa.

2.3. O direito à prova como direito fundamental

O direito à produção de provas no processo é um direito fundamental, do qual um dos componentes é o "direito à prova contrária, isto é, de servir-se de todos os meios para demonstrar o contrário do que foi alegado pelo adversário" (Lopes, 2002, p. 163).

Não teria sentido assegurar o direito de acesso ao Judiciário sem que se permitisse o amplo direito à prova. Mais que isso, seria um contrassenso atribuir às partes o ônus de provar, sem que houvesse garantia constitucional no tocante à oportunidade de desincumbir-se desse encargo.

Para Dinamarco (2002), o direito à prova é o postulado inerente à garantida do devido processo legal:

"A imensa importância da prova na experiência do processo erigiu o direito à prova em um dos mais respeitados postulados inerentes à garantia política do devido processo legal, a ponto de se constituir em um dos fundamentais pilares do sistema processual contemporâneo. Sem sua efetividade não seria efetiva a própria garantia constitucional do direito ao processo. (Dinamarco, 2002, p. 47)."

Yoshikawa (2010) esclarece que o direito à prova como direito fundamental já era reconhecido pelo ordenamento norte-americano e é assegurado pela garantia do devido processo legal. No direito brasileiro, só vem a ser reconhecido com assento constitucional depois que o processo passou a ser estudado à luz da constituição, enquanto aspectos das garantias da ampla defesa e do contraditório (art. 5o, LV, da CF/88) e, consequentemen-te, do devido processo legal (art. 5o, LIV, da CF/88).

Nesta linha de raciocínio, para os fins pretendidos neste trabalho, o termo prova será utilizado como atividade relacionada a direito das partes. E como revelia é o contexto escolhido para a abordagem, mister se faz analisar, ainda que de forma sintética, a questão do ônus da resposta.

3. Ônus da resposta
3.1. Da dimensão do ônus da resposta

Para Dinamarco (2010), o ônus de afirmar precede o ônus de provar. Do mesmo modo, mas inversamente, ao réu cabe o ônus de contestar. As partes, portanto, suportam as equilibradas consequências de suas omissões.

É dessa lógica, portanto, que surge a revelia, a cargo do réu que não contesta, presumindo a veracidade das alegações fáticas da petição inicial (CPC, art. 319). É dizer, a revelia como uma consequência de a parte não se ter desincumbi-do do ônus de fazer afirmações em resposta à demanda inicial.

Logo, para o mesmo autor, são fundamentalmente dois os dispositivos centrais desse sistema, pelos quais se terão por ocorridos os fatos alegados na petição inicial:

  1. se o réu, por não oferecer resposta alguma, ficar revel;

  2. se, mesmo oferecendo resposta, silenciar sobre um, alguns ou todos aqueles fatos (Dinamarco, 2010).

Tais hipóteses são previstas no art. 319 do Código de Processo Civil (efeito da revelia) e pelo art. 302 (ônus da impugnação específica dos fatos).

Segundo Dinamarco (2000, p. 949), ônus é um conceito vital na moderna ciência do processo, pois significa imperativo do próprio interesse e representa condutas esperadas dos sujeitos, sem obrigatoriedade ou penalidade a serem impostas, do que se diferenciam dos deveres, mas sob a sanção de consequências desfavoráveis.

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Este raciocínio parte da concep-ção de que ninguém tem o dever de provar. Portanto, considerando que não se trata de um dever, pois ninguém é obrigado a produzir prova de suas alegações (apenas suporta o ônus da não produção), será desenvolvido o estudo da revelia, não como punição, mas como medida aceleratória do processo.

4. Revelia e pena de confissáo no processo do trabalho
4.1. Conceito e distinção

Quando se discute revelia, já se pensa, inadvertidamente, em pena de confissáo. Ocorre que os dois institutos não se confundem, uma vez que o instituto da revelia está relacionado à ausência de respos-ta, como ensina Theodoro Júnior (2007, p. 457): "da falta de contes-tação, presume-se ordinariamente a veracidade dos fatos afirmados pelo autor (art. 319), desde que válida a citação."

Com a ausência de defesa, não haverá necessidade da fase probatória e o juiz fica autorizado a proferir o julgamento antecipado da lide, à medida que a legislação permite um salto da fase postulató-ria para a fase decisória, resultando em uma aceleração processual.

Dinamarco (2002, p. 457) condiciona o conceito de revelia à ausência de resposta, nos seguintes termos: "revelia, instituto próprio do processo de conhecimento e do cautelar, é a inércia consistente em não responder".

A pena de confissáo, por sua vez, é a sanção decorrente da ausência de depoimento pesso-al. Na lição de Theodoro Júnior (2007, p. 487):

Se a parte não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz lhe aplicará a pena de...

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