Dano Moral à Pessoa Jurídica: Uma Análise Semiótica

AutorMaria Francisca Carneiro
CargoAdvogada. Doutora em Direito (UFPR)
Páginas10-14

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1. Da relação entre o direito e a semiótica

Atualmente está em voga, principalmente na Europa e nos Esta-dos Unidos, a análise semiótica de temas jurídicos, vale dizer, a análise dos "sinais" ou signos linguísticos através dos quais o direito se comunica com a sociedade. Trata-se, portanto, de uma abordagem interdisciplinar, que relaciona o direito à semiótica ou semiologia. É o que faremos neste breve artigo, examinando a questão da imputação e da reparação do dano moral à pessoa jurídica. Antes, porém, cabe reletirmos sobre o conceito de semiótica, seu sentido e alcance.

Grosso modo, pode-se dizer que a semiótica ou semiologia (os dois termos são usualmente empregados como sinônimos) é o estudo dos "sinais" ou signos da lingua-gem. Nesse sentido, o ser humano é um texto semiótico completo, pois se comunica através de vários aspectos, materiais e imateriais, desde a aparência, passando pelo comportamento, até as ideias mais abstratas. Dessa feita, seguindo-se essa linha de raciocínio, pode-se considerar que o direito também é um texto semiótico que pode ser lido de diversas maneiras.

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O conceito de semiótica, como teoria da semiose ou doutrina dos signos, é dividido em três partes: semântica, que considera a relação dos signos com os objetos a que se referem; pragmática, que considera a relação dos signos com os intérpretes; e sintática, que considera a relação formal dos signos entre si1. A semiótica é, portanto, o estudo geral dos sistemas simbó-licos, entre eles, a linguagem2, de modo que por semiótica entende-se uma teoria geral de todos os ti-pos de signos. Existe a semiótica da linguagem, da cultura, das ar-tes, dos códigos morais, das práti-cas linguísticas etc., e também, por conseguinte, do direito. A semióti-ca pretende ser a ciência das sig-niicações, estudando, inclusive, as ideologias3.

O signo é considerado como unidade mínima de articulação da linguagem. Por linguagem, enten-da-se não somente um sistema de sinalização, mas a matriz do comportamento (verbal e não verbal) e do pensamento humanos4. Pode-se dizer que, sem os signos, a comunicação se tornaria inviável, já que o signo representa uma coisa ou objeto. É o signo que impede que a comunicação seja uma massa lutuante de sentidos, pois que assegura-lhe o signiicado5. É através dos sistemas complexos de signos e da semiologia que o ser humano adapta-se ao meio em que vive e nele se comunica.

Sobre a relação entre a semiótica e o direito, ensina-nos o profes-sor Antônio Celso Mendes, ipsis literis:

"Sendo o direito constituído por uma linguagem de signos culturais, possui um elevado grau de semiotici-dade, pela variedade de conteúdos dos signos que emprega: a) a linguagem jurídica é constituída de prescrições formais, cuja eicácia depende de suas naturezas, seus alcances, suas semiologias, sua aplicação; b) a linguagem jurídica é essencialmente performativa, no sentido de que procura impor modalidades de comportamento; c) a linguagem jurídica institui competências, instaura realidades, cria situações e modiica estados; d) como código cultural, a linguagem jurídica estabelece padrões de preferência comportamental, em função do universo nocional (valores), do lugar e do tempo consignados. Em conseqüência, uma análise semiótica do direito passará necessariamente pela constatação de que é possível a montagem de um qua-dro próprio da realidade primária que ele deseja instaurar, isto em qualquer norma, lei, procedimento ou exegese que o ordenamento jurídico contém. Contudo, nessa montagem será necessário levar em consideração: a) os signiicados diretos dos signos ou expressões; b) o alcance dos signiicados pretendidos; c) os sentidos ocultos; d) os desvios de signiicação; e) os inte-resses em jogo; f) o texto legal no conjunto do ordenamento."6

Como se vê, a relação entre o direito e a semiótica é sobretudo uma questão de linguagem, ou seja, de aloração do discurso. Para Tercio Sampaio de Ferraz Junior, o objeto do discurso da ciência do direito não é "nem a positivação nem o conjunto das normas positivadas, mas o próprio homem que, do interior da positividade que o cerca, representa-se o sentido das normas que ele estabelece"7. Tercio airma que o discurso jurídico se fundamenta na decidibilidade, o que entendemos como uma forma de "sinal" linguístico ou signo semiológico. Diz, nesse sentido, o referido autor:

"A ambiguidade desse ser, do ho-mem, é, assim, reletida no próprio discurso jurídico, donde três possibilidades: a) a decidibilidade é encarada como relação hipotética entre conlito e decisão, caso em que o ser humano aparece como ser dotado de necessidades reveladoras de interesses, muitas vezes incompatíveis, donde a concepção da teoria jurídica como conjunto de regras para uma decisão possível (...); b) a decidibilidade é examinada em termos de condições de possibilidade de decisão possível, estabelecendo-se uma relação da hipótese de decisão e conlito com suas condições enquanto questão (...); c) a decidibili-dade pode ser vista do ângulo da sua relevância signiicativa; trata-se de um relacionamento da hipótese da decisão possível com o seu sentido. (Itálicos no original)."8

Sobre a relação entre a semiologia e o direito, entende Luis Alberto Warat que:

"As análises linguísticas e semio-lógicas do direito tentaram desestrutu-ra a doxa lingüística dos juristas. Por um lado, procuraram transformá-la em episteme, segundo o modelo positivista, ou seja, tentaram produzir uma linguagem semântica e sintaticamente puriicada. Por outro lado, revelaram questões pragmáticas com as quais se pretendia ora denunciar as forçosas imprecisões e aberturas signiicativas das palavras da lei, ora indicar as fun-ções tópico-retóricas da maior parte das noções e categorias do saber jurídico dominante."9

Preferimos pensar que existem diversas "linguagens" no interior do direito, por ele produzidas. Como em todas as linguagens, o elemento ideológico permeia e atravessa o discurso jurídico, talvez de modo mais intenso do que em outras formas linguísticas, con-ferindo-lhe um alto grau de elabo-ração10.

Vejamos agora como se expressam algumas linguagens sobre a imputação do dano moral à pessoa jurídica, em diferentes ordenamentos do direito, à guisa de análise semiótica do assunto.

2. Do dano moral à pessoa jurídica sob o viés semiológico

No direito continental, via de regra, a linguagem acerca da composição do conceito de pessoa jurídica é de que estas são "organizações constituídas por uma coletivi-dade de pessoas ou por uma massa de bens, dirigidos à realização de

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interesses comuns ou coletivos, às quais a...

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