9a Vara do Trabalho de Fortaleza/CE

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REVISTA TRABALHISTA DIREITO E PROCESSO — ANO 18 — N. 62
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9a Vara do Trabalho de Fortaleza/CE
Processo n.: 0001539-61.2017.5.07.0009 RO
Reclamante: ALEXANDRE ANDRADE DE SOUSA
Reclamada: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.
Juiz: RAIMUNDO DIAS DE OLIVEIRA NETO
SENTENÇA: UBER – Empresa de tecnologia e prestação de serviços de transporte de
passageiro com uso de aplicativo. Princípio da Primazia da realidade. “Uberização” do
Trabalho. Arts. 2o e 3o da CLT — presença dos elementos fático-jurídicos da relação de
emprego: pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade, subordinação e “ajenidad” (Alie-
nidade/alheabilidade). Trabalho com uso de tecnologias disruptivas — “subordinação
disruptiva”. Art. 6o da CLT — comando, controle e scalização por meios informatizados
e telemáticos. Violação de direitos constitucionais. Direito comparado. Reconhecimento
do vínculo de emprego.
I – RELATÓRIO
ALEXANDRE ANDRADE DE SOUSA
ajuizou a presente ação contra UBER DO BRA-
SIL TECNOLOGIA LTDA, narrando os fatos
e formulando os pedidos descritos na petição
inicial, juntando procuração, documentos e
jurisprudências, aduzindo que prestou serviços
para a empresa de 19/12/2016 a 12/09/2017,
na função de motorista, pugnando pelo reco-
nhecimento do vínculo e pagamento de suas
verbas rescisórias.
Defesa da reclamada em fls. 101/170,
alegando que a empresa é de tecnologia que
oferece, por meio de um aplicativo, uma in-
teração dinâmica, conectando pessoas que
desejam alternativa de mobilidade confortável
e eciente, impugnando os pleitos autorais e a
improcedência dos pedidos.
Os documentos anexados juntamente com
a defesa de s. 171/328 são a carteira de mo-
torista do reclamante, notas scais emitidas
pela Uber, prestadora de serviços em nome do
Autor, termos e condições gerais dos serviços
de intermediação digital, adendo de motorista
aos termos e condições gerais dos serviços de
intermediação digital, lista de comprovantes
dos valores recebidos pelo obreiro ao utilizar
o aplicativo da Uber durante todo o período
de utilização do aplicativo, bem como juris-
prudências.
Audiência inaugural realizada, s. 451/452,
com tentativa de conciliação infrutífera. Mani-
festação regular da parte autora acerca da de-
fesa e dos documentos anexados aos autos, s.
478/481. A Reclamada também apresenta ma-
nifestação, s 486/489. Oitiva de testemunha
realizada por Carta Precatória, s. 526/527, e
audiência de instrução, na presente Vara, com
interrogatório das partes, s. 528/530.
Razões nais em forma de memoriais apre-
sentadas pelo reclamante, s. 534/544. Vieram
os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
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II–FUNDAMENTAÇÃO
PRELIMINARMENTE
INCOMPETÊNCIA MATERIAL – Argúi
a demandada preliminar de incompetêncica
absoluta da Justiça do Trabalho para apreciar
a matéria no tocante ao pedido de reconheci-
mento de vínculo de emprego entre as partes,
sob a alegação de que “o objeto da ação ser
estranho a uma relação jurídica de emprego
ou mesmo de trabalho, estando-se diante, na
verdade, de típica relação de natureza mercan-
til”. Sem razão. Nada mais impertinente e fora
da técnica processual. Ora, a determinação da
competência material da Justiça do Trabalho é
xada em decorrência da causa de pedir e dos
pedidos formulados na peça de ingresso, sendo
que a matéria se insere no rol da competência
material da Justiça do Trabalho, nos termos
do art. 114 da Constituição Federal de 1988.
Sobre a alegada natureza meramente mercantil
da relação contratual entre as partes, isto se
insere nas questões de mérito que devem ser
enfrentadas, não sendo matéria preliminar ou
prejudicial. Acaso acolhida a tese de defesa, os
pedidos na ação serão julgados improcedentes.
Rejeito a preliminar.
INÉPCIA DA INICIAL – Suscitou a recla-
mada preliminar de inépcia da petição inicial
com fundamento na ausência de causa de pedir
relativo ao intervalo intrajornada, aduzindo na
defesa que: “AUSÊNCIA DE PEDIDO RELA-
TIVO AO INTERVALO INTRAJORNADA
Aduz o reclamante, no item 3.7 de sua funda-
mentação, que teria se ativado na plataforma,
diariamente, das 08h às 23h, com 15 (quinze)
minutos de intervalo intrajornada, pelo que,
ao nal, postula o pagamento de horas extras,
no item 06 dos cálculos diretos nais. Não há,
portanto, qualquer pedido relacionado às ho-
ras intervalares, instituto jurídico distinto das
horas suplementares.” Sem razão a reclamada.
Os requisitos da petição inicial no processo
do trabalho estão insertos no art. 840 da CLT,
primando o processo laboral pela simplicidade
no tocante à forma, aplicando-se os requisitos
do CPC apenas de forma subsidiária e comple-
mentar. A petição inicial encontra-se regular,
narrados os fatos, deduzidos os pedidos, in-
clusive no tocante aos pleitos decorrentes de
supostas horas extras praticadas. O argumento
que fundamenta o pleito pela inépcia se refere
ao mérito da causa, o que será oportunamente
apreciado. Rejeito a preliminar.
DA AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO
PROCESSUAL ESPECÍFICO PARA O
TRÂMITE DA AÇÃO NO RITO ORDINÁ-
RIO COM FUNDAMENTO NO ART. 840
DA CLT – Alega a reclamada que: “No caso,
em que pese existir uma aparente liquidação
dos pedidos, há pretensões desprovidas de
qualquer indicação de valor (a exemplo da in-
denização substitutiva ao seguro-desemprego,
contemplada no item 3.9 da fundamentação),
além não ter sido colacionada aos autos qual-
quer certidão de cálculos, para a aferição dos
critérios de apuração, em agrante violação
ao disposto no art. 840, parágrafo 1°, da CLT,
plenamente aplicável ao processo judicial em
exame, na medida em que as normas processu-
ais passam a vigorar imediatamente, tendo em
vista que o CPC/15 adotou, em seu art. 1.046,
o sistema de isolamento de atos processuais,
segundo o qual suas normas hão de ser apli-
cadas aos feitos em curso. (...). Nesses termos,
propugna a expoente pela extinção do feito,
sem resolução de mérito, por inobservância
do correto procedimento relativo ao rito eleito,
nos termos do art. 840, parágrafo 3o, da CLT”.
Sem razão a reclamada. A parte autora optou
pelo rito ordinário quando ainda não estava
em vigor a Lei n. 13.467/2017, de forma que
não se aplica ao caso a nova redação dada ao
parágrafo primeiro do art. 840 da CLT, uma vez
que o ajuizamento da ação, em 26/09/2017, se
deu antes da vigência da reforma trabalhista.
Rejeito a preliminar.
RETIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO DA
DEMANDA – Ratica-se a decisão exarada na
audiência inaugural no tocante à reticação
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honorários advocatícios de sucumbência à
reclamada, inclusive sucumbência recíproca, e
qualquer outra despesa processual decorrente
de comando legal, reconhecida a hipossu-
ciência do(a) trabalhador(a), conforme las-
treado no § 3o do art. 790 c/c art. 98 do NCPC.
MÉRITO
1. DAS ALEGAÇÕES DAS PARTES
O autor relata na inicial que foi empregado
da demandada no período de 19/12/2016 a
12/09/2017, na função de motorista, pugnando
pelo reconhecimento do vínculo de emprego.
Aduz o reclamante que: “Que o reclamante
começou a prestar serviço para a reclamada em
data de 19/12/2016. – Que o mesmo exercia a
função de motorista. – Que o obreiro laborava
das 08h:00min às 23h:59min de segunda à
domingo. – Que o Demandante não teve a sua
CTPS anotada. – Que na data de 12/09/2017
o promovente, no meio de uma corrida onde
levava um(a) passageiro(a) se envolveu num
pequeno acidente de trânsito (Batida), toda-
via, nem o autor, nem o passageiro, sofreram
alguma lesão. – Que o referido infortúnio foi
de pronto resolvido e comunicado à recla-
mada. – Que, no dia seguinte, ao se preparar
para cumprir sua rotina diária de trabalho, o
promovente, de forma abrupta, cou sabendo
que o seu contrato com a reclamada estava
rescindido. – Que a partir daí, o reclamante
tentou, por diversas vezes se comunicar com
a reclamada, contudo, não obteve nenhum
êxito. – Que até a presente data o demandante
nada recebeu a título de direitos rescisórios
pela reclamada. – Que por conta do aludido, o
reclamante ajuizou a presente ação trabalhista,
pleiteando a paga dos seus direitos rescisórios.
(Sic!)
A reclamada admite na defesa que houve
prestação de serviços de parceria mercantil,
por parte do reclamante, aduzindo na defe-
sa, s. 101/170, que: “DADOS GERAIS DA
PARCERIA COMERCIAL – O reclamante, na
condição de motorista parceiro, teve sua conta
do polo passivo da demanda, devendo cons-
tar como parte reclamada a empresa UBER
DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA, CNPJ
17.895.646/0001-87.
SOBRE O SIGILO DE DOCUMENTOS
OU SEGREDO DE JUSTIÇA – Ratica-se a
decisão de s. 451/452, que decretou o sigilo
dos documentos de s. 207/330, acrescentan-
do-se a estes o documento de . 150, visando
resguardar a identidade e privacidade dos
dados de usuários do serviço de transporte
possibilitado a partir do aplicativo da UBER.
GRATUIDADE DA JUSTIÇA – Trabalha-
dor(a) – Dero ao(à) reclamante a gratuidade
judiciária plena, nos termos do art. 5o, incisos
XXXV e LXXIV da CF/88, dando ao comando
do art. 790, §§ 3o e 4o, da CLT, interpretação
conforme a Constituição Federal para conferir
efetividade máxima à regra constitucional que
garante ao cidadão trabalhador amplo e irres-
trito acesso ao Poder Judiciário, sem necessi-
dade de comprovar insuciência de recursos
para o pagamento das custas do processo,
ressaltando-se que nem no processo comum,
que rege as relações de direito privado, sem viés
social, o cidadão é tratado com tamanho rigor,
conforme disposto nos §§ 2o e 3o do art. 99 do
CPC/2015, não se amoldando a letra fria dos
dispositivos celetistas reformados pela Lei n.
13.467/17 aos parâmetros constitucionais do
amplo acesso à Justiça, assim como aos prin-
cípios da isonomia, valorização do trabalho
e de proteção à dignidade da pessoa humana
(art. 1o CF/88), ressaltando-se, ainda, o evi-
dente viés discriminatório do novo comando
celetista, considerando o conjunto protetivo
dos jurisdicionados brasileiros (consumidor,
alimentando etc), que não estão submetidos
a exigências dessa ordem. Desse modo, dero
ao reclamante a gratuidade judiciária plena,
dando máxima efetividade ao comando do art.
do art. 5o, incisos XXXV e LXXIV da CF/88,
ressaltando que a gratuidade da justiça aqui
deferia isenta o(a) reclamante/trabalhador(a)
do pagamento de custas, honorários periciais,
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