Ação Civil Pública (PRT 2ª Região)

AutorMurillo Cesar Buck Muniz
CargoProcurador do Trabalho
Páginas305-333

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA 2ª VARA DO TRABALHO DE SANTANA DE PARNAÍBA/SP

Autos n. 1000128-31.2014.5.02.0422

Autor: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL

Réu: SONDA DO BRASIL S.A.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, pelo Procurador do Trabalho signatário, vem, à presença de Vossa Excelência, nos autos do processo em epígrafe, com fundamento no art. 83, inciso II, da Lei Complementar n. 75/93, manifestar-se na qualidade de iscal do ordenamento jurídico, nos seguintes termos.

I - Síntese dos autos

Trata-se de execução iscal movida pela União em face da Executada, visando à satisfação de multa trabalhista inscrita em Dívida Ativa no dia 23.9.2013, conforme Certidão de Dívida Ativa (CDA) sob o n. 80513015084-51 (Id. 3175340).

Em síntese, a Executada, foi autuada por descumprimento do art. 93 da Lei n. 8.213/91, que estabelece a reserva de postos de trabalho a pessoas com deiciência.

A multa não foi paga extrajudicialmente, o débito foi inscrito em dívida ativa, o que originou o título executivo extrajudicial ora em execução.

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A Executada garantiu o Juízo mediante depósito em dinheiro e opôs embargos à execução no trigésimo dia contado da data do depósito.

Em síntese, os embargos à execução fundamentam-se em dois argumentos:

i) a Embargante irmou Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho, motivo pelo qual não poderia ser autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, pelo descumprimento do art. 93 da Lei n. 8.213/91; ii) há diiculdade de contratação de pessoas com deiciência pela falta de candidatos habilitados para ocupar os postos de trabalho e o Estado não cumpre o seu papel de qualii-cação e de propiciar acessibilidade para a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho.

A União apresentou impugnação aos embargos, requerendo a sua improcedência, em síntese, sob os argumentos de que na data da autuação não havia TAC vigente ou concedendo prazo para a contratação; as esferas civil, penal e administrativas são independentes; a Embargante não comprovou suas alegações; dentre outros argumentos.

O MM. Juízo, entendendo haver interesse público que justiica a intervenção do Ministério Público e por haver menção a TAC irmado com a Instituição, deter-minou a sua intimação.

É a breve síntese dos autos.

II - Fundamentação

Incialmente, considerando-se que a matéria versada nos autos diz respeito a direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis de pessoas com deiciência e, portanto, intimamente relacionada à dignidade da pessoa humana, princípio fundante maior do Estado Democrático de Direito e da República Federativa do Brasil, mister se faz a intervenção do Ministério Público, na qualidade de iscal do ordenamento jurídico.

Os embargos à execução merecem conhecimento, pois preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Quanto ao mérito, passa-se à manifestação relativa ao primeiro argumento da Embargante, no sentido de que irmou Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho e por tal razão não poderia ser autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em virtude do descumprimento do art. 93 da Lei n. 8.213/91.

Efetivamente, como arguido pela União, o TAC inicialmente irmado em 29.5.2006 concedeu o prazo de 12 (doze) meses para o cumprimento da cota le-gal, expirado, portanto, em 29.5.2006 e o aditivo de TAC foi irmado em 6.7.2009, concedendo novo prazo de 12 (doze) meses para a observância da Lei. Assim, no interregno de 30.5.2007 a 5.7.2009, não havia nenhum TAC vigente concedendo

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prazo para a observância da Lei e a autuação ocorreu em 1º.12.2008, o que já é suiciente para o não acolhimento da argumentação.

Mas não é só, ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que houvesse TAC vigente celebrado com o Ministério Público do Trabalho concedendo prazo para a contratação de pessoas com deiciência, isso não impediria a atuação do Ministério do Trabalho e Emprego.

Isso porque a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) não são prejudiciais nem excludentes entre si. Na realidade, são distintas e complementares.

Nesse sentido, necessário esclarecer que o MPT não tem atribuição para interdição, embargo ou impedimento de atividade nociva, nem para impor multa em matéria trabalhista, por não lhe ser conferido poder de polícia, o que é típico da atividade de inspeção ou iscalizatória atribuída ao Poder Executivo, no caso, exercida legitimamente pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com fundamento no art. 21, inciso XXIV, da Constituição Federal de 1988, na Convenção n. 81 da OIT - Organização Internacional do Trabalho, concernente à Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio (aprovada pelo Decreto Legislativo n. 24, de 29.5.1956, revigorada pelo Decreto n. 95.461, de 11.12.1987); pelos arts. 626 e seguintes da CLT; pelo Regulamento da Inspeção do Trabalho (Decreto n. 55.841, de 15.3.1965, substituído pelo Decreto n. 4.552, de 27.12.2002) e pela Lei n. 10.593, de 6.12.2002, dentre outras bases normativas.

O art. 626 da CLT atribui às autoridades competentes do Ministério do Traba-lho, ou àquelas que exerçam funções delegadas, a iscalização do iel cumprimento das normas de proteção ao trabalho. Por seu turno, o art. 628 da CLT determina que "a toda veriicação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração", e o art. 628, § 3º, da CLT impõe que o agente da inspeção responda por falta grave no cumprimento do dever se comprovada má-fé quanto à omissão ou lançamento de qualquer elemento no livro "Inspeção do Trabalho" previsto no § 1º.

O Ministério Público, em seus relevantes misteres, atua conforme determinação da norma Constitucional nos arts. 127 e 129 e com supedâneo principalmente na LC n. 75/93, na Lei n. 7.347/85 e Lei n. 8.078/90, e tem à sua disposição, como meio investigatório, o inquérito civil, dentre outros procedimentos administrativos, e, como meio de coibir ilegalidades, pode propor Termo de Ajuste de Conduta (TAC), ação civil pública, ação civil coletiva, ou outras medidas judiciais que se façam necessárias ao resguardo dos direitos sob sua tutela.

Evidentemente, se constatado o descumprimento da Lei, o TAC terá eicácia prospectiva relativamente a obrigações de fazer e não fazer nele estabelecidas e terá a inalidade de promover a observância do ordenamento jurídico e de inibir a continuidade da infração, além de ser possível a compensação por danos morais coletivos eventualmente veriicados.

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A subscrição de Termo de Ajuste de Conduta depende da concordância do inquirido, de modo que o Ministério Público do Trabalho não pode impor cumprimento de obrigação legal ou impor a celebração de TAC.

Se não houver concordância da parte e constatada ilegalidade, alternativa não há ao Ministério Público a não ser provocar o Poder Judiciário, em princípio inerte, para que imponha o cumprimento da obrigação legal ao infrator.

É importante dizer que não se pode estabelecer em TAC (ou em decisão judicial) alteração legislativa, ou seja, o Ministério Público deve zelar pela observância do ordenamento jurídico.

Contudo, isso não quer dizer que o Ministério Público ou o Poder Judiciário não possam estabelecer via TAC ou decisão judicial, respectivamente, prazo para que seja possível o cumprimento de obrigação legal ainda não observada, já que as multas nessas hipóteses têm inalidade promocional do cumprimento da Lei ou inibitória de seu descumprimento.

Porém, se houver estabelecimento de obrigação impossível de ser cumprida no TAC ou em decisão judicial, a inalidade inibitória das multas deixa de existir. Exempliicando: se hoje a empresa não cumpre a cota para a contratação de pessoas com deiciência, de nada adianta o estabelecimento em TAC ou em decisão judicial de multa para o cumprimento da obrigação legal imediatamente ou em prazo inexequível, pois nesse caso a multa incidirá de qualquer modo e perderá sua inalidade inibitória.

Assim, decorre da natureza inibitória de multa estabelecida em TAC (ou em decisão jurisdicional que acolhe pedido de tutela especíica) a concessão de prazo que, dentro alguma margem de discricionariedade, viabilize o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estabelecida em Lei.

No que tange ao descumprimento da Lei já veriicado, se caracterizada infração administrativa, isso implica punição em âmbito administrativo e, no caso de irregularidade trabalhista, compete ao Ministério do Trabalho e Emprego a imposição de multa, além de ser possível a caracterização do dano moral coletivo, passível de ser compensado via TAC, caso haja concordância da empresa, ou via ação civil pública.

Diante disso, vê-se claramente a natureza jurídica distinta de multas ixadas em TAC ou decisão judicial, com inalidade inibitória prospectiva; de multa administrativa, que consubstancia punição pela inobservância pretérita da Lei e da compensação pecuniária por eventuais danos morais coletivos ou sociais causados, que visa primordialmente à recomposição, ainda que indireta, dos bens jurídicos lesados.

A natureza distinta da atuação e dos poderes conferidos à Administração Pública, ao Ministério Público e ao próprio Poder Judiciário, para efetivação do ordenamento jurídico, constitui um sistema de limitação de poderes independentes entre si, ou de "freios e contrapesos".

Por conseguinte, ante a natureza distinta dessas atuações, a autuação do MPT, ainda que conceda prazo para o cumprimento da obrigação legal, não impede a

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atuação punitiva do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), no legítimo exercício do poder de polícia atribuído ao Poder Executivo.

Entendimento contrário levaria a situações absurdas.

A título exempliicativo: se o Ministério Público do Trabalho constata em in-quérito civil que...

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