Ação de Mandado de Segurança

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas98-108

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1. Conceito

A doutrina brasileira é exuberante em conceitos acerca do remédio jurídico em exame; à guisa de ilustração, colhem-se os seguintes: “é uma ação judiciária concedida ao titular de direito líquido e certo, ameaçado ou violado por ilegalidade ou abuso de poder51;

garantia constitucional de direitos individuais, remédio constitucional que visa a proteger categoria especial de Direito Público Subjetivo. Garantia constitucional civil, remédio de Direito Constitucional, para os males da prepotência. Tem por objeto a correção de atos: ato comissivo ou omissivo de autoridade, desde que ilegal e abusivo do poder. Qualquer ato de autoridade, pois, ilegal ou abusivo de poder, violador de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus52; “ação civil, de rito sumaríssimo, destinada a suscitar o controle jurisdicional sobre ato de qualquer autoridade que, por sua ilegalidade ou abuso de poder, viole ou ameace direito individual líquido e certo”53; “remédio judicial que tem como objeto corrigir a atividade administrativa ilegal ou abusiva54;o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual, próprio, líquido e certo, não amparado por habeas corpus, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”55;ação civil de conhecimento, de rito sumaríssimo, pela qual todo aquele que, por ilegalidade ou abuso de poder, proveniente de autoridade pública, ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público, sofra violação de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, ou habeas data, ou tenha justo receio de sofrê-la, tem o direito de suscitar o controle jurisdicional do ato ilegal editado, ou a remoção da ameaça coativa, a fim de que se devolva, in natura, ao interessado aquilo que o ato lhe ameaçou tirar ou tirou56; “é a ordem para remover os óbices ou sustar seus efeitos a fim de fluir a paz, com o tranquilo gozo dos direitos”57; “é uma ação constitucional de índole interdital58; “direito instrumental sumário à tutela dos

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direitos subjetivos incontestáveis contra ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do poder público”.59

Para Marcelo Caetano, o notável publicista português que viveu em nosso meio durante algum tempo, o mandado de segurança é um remédio expedito, uma ordem que o juiz singular ou o tribunal pode emitir, a requerimento do interessado, a uma autoridade, dita coatora, contra evidente “direito individual oprimido60.

Os conceitos reproduzidos demonstram que alguns juristas confundem, inadvertidamente, a ação de segurança com o mandado, que constitui o seu objeto (não objetivo) fundamental. Aquela é o continente; este, o conteúdo. A ideia de imposição, de ordem judicial destinada a combater ato ilegal ou abusivo de poder, praticado por autoridade pública, está ligada ao mandado, não à ação em si — do mesmo modo que quando se fala em meio constitucional colocado à disposição do indivíduo ou da coletividade, para aquele fim, se está a referir à ação, nunca ao mandado.

Feito esse reparo, apresentemos o nosso conceito de ação de segurança, ou assecuratória: (a) é o meio, (b) constitucionalmente previsto, (c) de que se pode valer a pessoa, física ou jurídica (d) para obter um mandado (e) destinado à proteção de direito (f), próprio ou de terceiro (g), individual ou coletivo (h), líquido e certo, (i) não amparado por habeas corpus ou por habeas data, (j) lesado ou ameaçado de lesão (k) por ato (I) de autoridade pública, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, (m) ou de representantes ou ógãos de partidos políticos ou de dirigentes de pessoa jurídica ou de pessoa natural no exercício de atribuições do poder público, (n) no que disser respeito a essas atribuições.

Façamos um breve exame dos elementos integrantes do conceito que apresentamos, esclarecendo, antes, que esses elementos, em sua maioria, serão objeto de exposição mais ampla nas páginas subsequentes:

(a) É o meio, aqui tomado como o direito público subjetivo de invocar a prestação da tutela jurisdicional do Estado, para obter uma peculiar modalidade de provimento;

(b) constitucionalmente previsto, porque a atual Constituição da República, em salutar tradição iniciada pelo Texto de 1934, faz alusão expressa ao mandado de segurança (art. 5.º, LXIX). Esse fato é de extrema importância, pois estando a ação de segurança prevista constitucionalmente, isso significa que ela não poderá ser eliminada de nosso ordenamento jurídico por norma infraconstitucional. O direito público subjetivo de ação está genericamente assegurado pelo art. 5.º, XXXV, da Constituição vigente; isso não é bastante, contudo, para assegurar a sobrevivência de uma espécie particular de ação, a de segurança. Daí,a relevância da previsão feita pelo inciso LXIX do precitado artigo;

(c) de que se pode valer a pessoa, física ou jurídica, pois a ação de segurança está a serviço tanto de uma quanto de outra; no caso das pessoas jurídicas, dever-se-á observar a regra do art. 12, VI e VII, do CPC.

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A Lei n. 1.533/51 aludia ao pronome indefinido alguém (art. 1.º, caput); a Lei n. 12.016/2009, mais precisa, faz referência a “pessoa física ou jurídica” (art. 1.º, caput).

(d) para obter um mandado, porquanto, como dissemos, a ação sub examen tem como objeto o obtenimento de uma ordem judicial destinada a proteger direito, líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública. Essa característica, porém, não justifica, a nosso ver, a classificação dessa ação como mandamental, como querem Lopes da Costa e Pontes de Miranda. Conforme procuraremos demonstrar, mais adiante, ainda que haja uma certa dificuldade de classificar a ação de segurança segundo os modelos conhecidos, ela tende para a cognição; cognição estrita, pois nela somente se admite prova documental (Lei n. 11.016/2009, art. 6.º), ou seja, pré-constituída.

(e) destinado à proteção de direito, porque somente em casos excepcionais o mandado de segurança terá como finalidade a defesa de interesse.

(f) próprio ou de terceiro, porque, embora o princípio seja o de que a ação de segurança somente possa ser aforada pelo titular do direito subjetivo lesado ou ameaçado de lesão, a lei, em determinadas situações, atribui a algumas entidades a qualidade de substitutas processuais, de tal maneira que poderão, assim legitimadas de maneira extraordinária, impetrar, em nome próprio, a expedição de mandado de segurança necessário à tutela de direito pertencente a terceiro. Uma dessas situações está prevista no art. 3.º, da Lei n. 12.016/2009; outra, no art. 5.º, LXX, da Constituição Federal, que dá legitimidade para postular mandado de segurança coletivo não apenas aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, como, também, às organizações sindicais, às entidades de classe ou associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano;

(g) individual ou coletivo, pois a vigente Constituição Federal trouxe — para figurar ao lado do tradicional mandado de segurança individual — o mandamus coletivo, que visa, como a própria denominação está a indicar, à proteção de direitos coletivos, equivale a dizer, que respeitem a um grupo de pessoas (a categoria, por exemplo) não identificadas subjetivamente.

(h) líquido e certo, ou seja, que o fato que dá origem ao direito alegado possa ser provado documentalmente; se a prova do fato depender da utilização de outros meios (testemunhal, pericial, etc.), a defesa do direito correspondente não poderá ser realizada por via de mandado de segurança, mas por ação de outra natureza. Pensamos, contudo, que a expressão legal: “direito líquido e certo” não venha sendo corretamente interpretada pela doutrina predominante. Assim dizemos, porque, em princípio, todo direito é contestável. Deste modo, parece-nos que os atributos de liquidez e certeza se referem não ao direito em si, que se busca proteger, mas ao fato constitutivo do direito. Por esse motivo é que a prova, em sede de ação manda-mental, como afirmamos há pouco, é sempre pré-constituída: o impetrante deve provar, desde logo, por meio de documentos, a liquidez e a certeza do fato alegado, do qual se origina o direito que deseja ver tutelado. Não se admite produção de prova testemunhal nessa modalidade de processo.

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(i) não amparado por “habeas corpus’ ou “habeas data”. Se o direito lesado, ou ameaçado de lesão, for relativo à locomoção do indivíduo (ir e vir), a sua tutela deverá ser buscada por meio de habeas corpus. Faz parte de nossa tradição legislativa (constitucional e ordinária) a ressalva à possibilidade de o direito ser protegido pelo habeas corpus, como critério para afastar a incidência do mandado de segurança. Com o advento da atual Constituição da República essa ressalva foi ampliada para abarcar, igualmente, o habeas data, a nova figura por ela introduzida em nosso ordenamento jurídico.

(j) lesado ou ameaçado de lesão, porque o mandado de segurança serve não apenas para restaurar um direito violado como para evitar essa violação — hipótese em que terá caráter preventivo.

(k) por ato, pois o mandado procura combater não a autoridade (dita coatora), subjetivamente considerada, mas o ato por ela praticado; ou a omissão a que tenha dado causa.

(l) de autoridade pública, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, uma vez que os atos realizados pelos particulares não ensejam, em princípio, o uso da ação de segurança; há algumas exceções a esta regra — que, todavia, não a invalidam.

(m) ou de representantes ou órgãos de partidos políticos dirigentes de pessoa jurídica ou de pessoa...

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