Condições da Ação de Segurança

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas109-138

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1. Comentário

Celso Agrícola Barbi considera como condições da ação de segurança: a) a liquidez e a certeza do direito; b) a legitimidade ad causam e c) o interesse de agir.86

Com o respeito que nos merece esse insigne jurista, devemos dizer que discordamos, em parte, da classificação por ele apresentada. As condições indispensáveis ao regular exercício da ação de segurança — como as de qualquer outra ação — compreendem, sob o ponto de vista da legislação vigente em nosso meio: a) a legitimidade ad causam; b) o interesse processual (CPC, arts. 17 e 485, inciso VI). Ainda que se possa argumentar, doutrinariamente, que a possibilidade jurídica do pedido já não integra o elenco dessas condições, em virtude de Liebman haver reformulado o seu pensamento, no particular, isso não autoriza a incluir-se aí a liquidez e a certeza do pedido.

A existência de direito líquido e certo constitui pressuposto e não condição para o exercício da ação assecuratória. Segue-se, que as condições exigidas para o exercitamento da ação em estudo são as previstas no art. 485, inciso VI, do CPC.

Nunca é despiciendo recordar que coube ao notável Enrico Tullio Liebman elaborar a prestigiosa doutrina das condições da ação; a estada desse jurista peninsular em nosso país, nos anos de 1940 a 1946, inspirou, a propósito, o surgimento do que NicetoAlcalá--Zamora viria a denominar, mais tarde, de “Escola Processual de São Paulo — ou “do Brasil”, como indagaram, com razão, Cintra, Grinover e Dinamarco.87

Discípulo de Chiovenda, Liebman conhecia, profundamente, as doutrinas italiana e alemã sobre processo, pois além de grande estudioso do assunto, era Professor titular de direito processual civil na Universidade de Parma. A extraordinária cultura jurídica e a personalidade afável do jovem mestre italiano logo motivaram a que pensadores brasileiros dele se acercassem, ávidos de entrar em contacto com as novas ideias florescentes na Europa. Surgiram, então, as reuniões periódicas na casa de Liebman, em São Paulo. Como relata Cândido R. Dinamarco, “Sob sua orientação segura, os discípulos ganharam asas e alcançaram vôos alcandorados no céu da cultura processualística”.88

Alfredo Buzaid, um dos discípulos de Liebman, prestou justa homenagem ao mestre ao incorporar ao texto do anteprojeto do atual estatuto processual civil a doutrina das

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condições da ação. Devemos, todavia, denunciar algumas contradições intransponíveis, no corpo do CPC vigente, entre a teoria liebmaniana “e o uso da linguagem tradicional, que só se adapta bem à tese chiovendiana da ação”.89 Com o intuito, aliás, de eliminar esse antagonismo, Egas Moniz de Aragão redigiu bem fundamentada emenda ao projeto do Código, para harmonizá-lo, nesse ponto; tal emenda, apresentada ao Senado pelo Relator-Geral, Senador Acioli Neto (sob n. 139), acabou sendo rejeitada sem qualquer justificativa.90

Examinemos, a seguir, as condições da ação de segurança.

2. Legitimidade para a causa

A legitimidade para a causa (ad causam) não se confunde com a legitimidade para o processo (ad processum); a primeira concerne ao direito de ação; a segunda, à relação processual. Um menor de dezoito anos, p. ex., embora tenha legitimidade para deter-minada causa, não a tem para figurar na relação jurídica que se estabelece no processo.

A legitimidade ad causam tanto pode ser ativa (autor) quanto passiva (réu) e a sua falta conduz ao decreto judicial de carência da ação (CPC, art. 485, VI). A legitimatio passiva significa que somente pode integrar a relação processual a pessoa que seja titular da obrigação relativa ao direito invocado pela parte adversa. Essa “pertinência subjetiva da ação”, a que alude a doutrina, traduz-se na individualização daquele a quem pertence o interesse de agir e daquele diante do qual é formulada a pretensão. Daí vem que, por princípio, somente os titulares dos interesses em antagonismo se encontram legalmente legitimados para atuar em juízo. Liebman já chamava a atenção para o fato de que a legitimidade corresponde a um “problema de dupla face”, pois envolve a pertinência ao autor, no interesse de invocar a tutela jurisdicional, e a pertinência ao réu, no tocante a opor-se, juridicamente, à realização da pretensão in iudicio deducta.

As considerações que acabamos de expender são apropriadas à legitimidade ad causam ordinária; na extraordinária, ou anômala, que configura a substituição processual, a lei atribui legitimidade para agir em juízo a quem não é titular do direito material que dá conteúdo à pretensão (CPC, art. 18); impetra-se, em nome próprio, a tutela jurisdicional para a defesa de direitos ou interesses alheios.

2.1. Legitimidade ativa

Em princípio, possui legitimidade para ajuizar ação de segurança (ou para impetrar o mandado correspondente, como se preferir) o titular do direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato ilegal ou abusivo de poder praticado por autoridade pública. Sob esse aspecto, podemos dizer que a legitimidade em sede de ação de segurança não difere da que é exigida para o exercício das ações em geral.

A legitimidade para impetrar mandado de segurança é de “qualquer pessoa física ou jurídica” que venha a sofrer lesão de direito líquido e certo ou se encontre na iminência

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de sofrê-la. Ao aludir a “qualquer pessoa”, o caput do art. 1.º da Lei n. 12.016/2009 não deixou margem para a subsistência da dúvida surgida na vigência da revogada Lei n. 1.533/51, que fazia menção a “alguém” — pronome indefinido.

Estabelece, entretanto, o art. 3.º da Lei n. 12.016/2009, que “O titular de direito líquido e certo decorrente de direito, em condições idênticas, de terceiro poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito originário, se o seu titular não o fizer, no prazo de 30 (trinta) dias, quando notificado judicialmente”. A Lei n. 1.553/51, em seu art. 3.º, aludia a “prazo razoável”, deixando, com isso margem a muitas controvérsias quanto à definição dessa razoabilidade. O texto atual, mais objetivo, fixa o prazo de trinta dias. Exemplificando: três candidatos são aprovados em concurso para o provimento de cargos de Juiz do Trabalho Substituto, havendo, porém, uma única vaga, a ser preenchida, segundo a rigorosa ordem de classificação. Apesar disso, o Presidente do Tribunal nomeia o terceiro candidato aprovado, sem que o primeiro e o segundo houvessem renunciado ao direito de precedência. O primeiro candidato, contudo, não se insurge quanto à nomeação irregular, fazendo com que o segundo, diante disso, se veja obrigado a impetrar mandado de segurança (a favor do direito originário) contra o ato de nomeação do terceiro, sob pena de ser prejudicado em seu direito. Para isso, deverá o segundo candidato promover a notificação judicial do primeiro, a fim de que este exerça o direito de impetrar o writ.

O art. 3.º, caput, da Lei n. 12.016/2009 revela, pois, um caso de legitimação anômala ou extraordinária, a que a doutrina predominante rotula de substituição processual.

A regra contida neste dispositivo da Lei n. 12.016/2009 não se confunde com a inscrita no § 3.º do art. 1.º da mesma norma legal, conforme a qual “Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança”. O que se tem aqui é uma referência ao litisconsórcio do tipo ativo-facultativo, hipótese em que não haverá necessidade de a ação de segurança ser posta em juízo por todas as pessoas interessadas, bastando que o faça apenas um dos legitimados. Sobre a formação de regimes litisconsorciais em ação de segurança voltaremos a discorrer mais adiante.

O parágrafo único do art. 3.º da Lei n. 12.016/2009 esclarece que o exercício do direito previsto no caput fica submetido ao prazo de cento dias, fixado pelo art. 23 da mesma norma legal. Em rigor, não havia necessidade deste parágrafo, pois, mesmo sem ele, o prazo seria o fixado pelo art. 23. Todavia, uma dúvida poderá tomar de assalto o espírito dos intérpretes do texto em questão. Ocorre que o caput alude ao prazo de trinta dias e o parágrafo único afirma que o exercío do direito deve dar-se no prazo de cento e vinte dias. Pergunta-se, então: os trinta dias devem estar compreendidos dentro dos cento e vinte dias, ou somente passarão a ser contados após o exaurimento destes? Além disso, a quem incumbe tomar a iniciativa de notificar, judicialmente, o titular do direito originário para exercer a ação mandamental? Mais duas observações se impõem: a) embora a Lei n. 1.533/51 também aludisse à notificação judicial do titular do direito originário, tudo sugeria que essa notificação pudesse ser realizada extrajudicialmente, por ser menos onerosa e menos formalista; vale dizer, por ser mais rápida. Cumpre á jurisprudência, pois, corrigir essa falha do legislador, admitindo que a notificação possa ser realizada por meio extrajudicial; b) a fixação do prazo de trinta dias, feita pelo parágrafo único do

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art. 3.º, tem laivos de inconstitucionalidade, uma vez que restringe, gravemente, o prazo para o exercício da ação por parte da pessoa ali legitimada.

Não basta, contudo, que a pessoa legitimada nos termos do art. 3.º da Lei n. 12.016/2009 notifique o titular do direito originário; é indispensável que...

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